Por Gabriela Leite, para Outras Palavras.
Falta uma semana para a etapa nacional da Conferência Livre, Democrática e Popular de Saúde, mas seu processo até aqui já é considerado de grande relevância para os movimentos que compõem a Frente pela Vida, sua organizadora. O debate preparatório que aconteceu, via internet, na última quarta-feira (28/7) debateu a democracia e as formas de participação popular. Seus participantes deram o tom de como está o ânimo dos defensores do SUS, neste que pode ser o último semestre do governo de destruição de Jair Bolsonaro. Há muito o que ser reconstruído e transformado, mas a mudança é possível, enfim – e o SUS pode impulsioná-la.
Participaram Lúcia Souto, presidente do Cebes, o cientista político e professor da UFMG Juarez Guimarães, Ana Lúcia Paduello, da mesa diretora do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e Marcela Pontes, médica de família e organizadora dos Comitês Populares de Saúde. O debate foi iniciado, como não poderia deixar de ser, com a referência de Lúcia Souto à fala histórica do sanitarista Sergio Arouca, à ocasião da histórica 8ª Conferência de Saúde, em 1986: “Saúde é democracia e democracia é saúde”. Esse foi o momento decisivo para a formulação do SUS – e deu espaço a, como chamou Lúcia, uma “Constituinte Popular da Saúde”. Como essa ideia se relaciona com os dias de hoje?
Juarez elaborou parte de sua fala em torno desta pergunta. Há ao menos três pontos em comum: uma crise sanitária, um desafio de renovação democrática e a formação de uma frente em defesa da democracia. Mas hoje há novos desafios, causados pela hegemonia do pensamento neoliberal no Brasil. A medicina de mercado está muito mais forte – outro obstáculo ao financiamento público de que o Sistema Único de Saúde necessita. Lúcia Couto corrobora com essa visão de que o neoliberalismo intensifica as crises que atravessamos. Ela vai além, ao defender que “a agenda ultraneoliberal não é compatível com a democracia”.
A presidente do Cebes introduziu um assunto incontornável para uma transformação real na sociedade brasileira – que poderá aproximar o país de uma democracia real: os quatro séculos de sociedade escravocrata que ainda não fomos capazes de superar. Sua fala foi complementada pela de Ana Lúcia, que reforçou a necessidade de que os movimentos sociais e de luta pela saúde consigam amplificar seu discurso atingindo as pessoas que estão às margens – como ela, que foi bóia-fria trabalhando em canaviais, fez faculdade graças aos programas sociais dos governos do PT e hoje é símbolo de luta para as novas gerações. Sua preocupação é como atingir as juventudes – que estão politizadas de outras maneiras, e ainda distantes dos movimentos sociais.
A última fala do debate foi a apresentação dos Comitês Populares de Saúde, iniciativa do PT para organizar as populações nas bases dos sistemas de saúde. Marcela, uma de suas organizadoras, explicou que qualquer pessoa, comunidade ou unidade de saúde podem começar um comitê popular e organizar debates e reuniões com seus pares. A médica frisa que o SUS não é uma conquista cristalizada, mas um projeto que faz parte de um processo histórico – por isso a luta para que ele se mantenha e seja aprimorado é constante.
Juarez faz uma leitura política da situação em que enxerga que, dadas as pesquisas, a probabilidade de que Lula vença as eleições é grande – apesar de que nada está ganho e a democracia está mesmo em risco. As eleições podem ser uma oportunidade, um “momento de síntese das forças democráticas, da resistência e da promessa do Brasil que queremos construir e transformar”. Para Juarez, a realização da Conferência Livre de Saúde é “uma forte alavanca e um grande argumento para a definição do voto dos brasileiros nessa eleição de 2022”. O professor vai além: “A construção plena do SUS poderá ser uma grande raiz de consolidação de uma nova época da democracia brasileira, à medida em que o direito à Saúde se enraizar universalmente junto ao povo brasileiro”.
Lúcia complementa: “A realização da Conferência já representa uma demonstração de uma consciência crítica da população brasileira, que está querendo apontar para um outro momento do Brasil”.