O rumo das artes

arte

Por Jaime Sautchuk.*

As artes plásticas existem desde quando o ser humano se entende por gente. Antes da escrita, veio o desenho. Com o desenho, os artefatos, ou objetos, a começar pelo tacape e a roda. Essas eram representações visuais de algo que podia significar uma vírgula qualquer no conhecimento, mas era sempre um avanço na qualidade da vida.

Ao descerem das árvores e passarem a viver em solo firme, na coleta de alimentos, nossos ancestrais se viram forçados a buscar novas formas de interação, de comunicação. A repetitividade e a cadência advindas da ação em grupo, no trabalho, são os primeiros ritmos e estão ali as origens da música. Portanto, na mesma fase dos sinais desenhados.

Seus caminhos desde então se confundem com os da própria história humana, tão imbricados que já levaram muitos filósofos à conclusão de que a arte é parte do nosso ser. Ou, se quisermos, sem arte a vida não existe. Em qualquer sociedade. O modo com que se apresenta é que varia de tempos em tempos, de um lugar pra outro, seguindo as mudanças ambientais e culturas, onde se incluem as tecnologias.

Das cavernas e outros sítios de convivência aos túmulos de faraós ou murais de castelos imperiais, no centro do mundo de então, a Idade Média levou o artista para dentro dos templos. Eram os publicitários das ideias do poder religioso, que no fim das contas era a forma precursora do estado moderno. Depois, foram também para as casas dos nobres, que eram enfeitadas com retratos e desenhos diversos.

O nome do artista pouco importava, principalmente se fosse mulher ou membro de alguma etnia subalterna nessa ou naquela sociedade. Muitos, aliás, eram mantidos como escravos. Seu trabalho era ilustrar cenários, estivessem eles no interior de palácios, nas fachadas ou jardins desses templos sagrados.

Estamos falando, é claro, da matriz social que deu origem ao nosso modo de viver, já que em outras sociedades era diferente. Mesmo nas dos povos que aqui já estavam quando os portugueses chegaram, e ainda hoje resistem. Em cada uma delas, as cores, os desenhos e representações visuais têm seus significados próprios, bastante diversos dos nossos.

Sim, o advento do capitalismo mudou os mandatários, mas as casas dos burgueses e outros cenários da alta-roda, incluindo agora suas unidades industriais, eram os destinos das obras de arte. No entanto, um movimento iniciado na Europa, nos fins do século 19, deu asas à rebeldia dos artistas, que buscavam novas formas de se expressar. No Brasil, a Semana de 1922 é um reflexo deste movimento.

O fato é que, nesse processo, as obras passaram a ter espaços próprios, em museus e galerias. Seria este o caminho para a popularização das artes plásticas, para dar acesso mais amplo a acervos e valorizar artistas. Mesmo que, rapidamente, tenha se transformado em um ramo de negócios, assim excluindo a ampla maioria das populações das sociedades ditas civilizadas.

E é aí onde eu quero chegar, apesar dos volteios. As artes plásticas nas ruas e outros locais públicos, de volta às suas formas originais. É certo que as pichações de muros e paredes existem, como forma de comunicação, desde que as aglomerações urbanas surgiram entre nós. Mas, agora a coisa toma outra fisionomia, como que desautorizando as artes plásticas em recintos privados.

Em verdade, o grafite, como é chamado esse formato, já vem de alguns anos, décadas, talvez. A diferença é que, nessa fase atual, a sensação que nos dá é que este é o único espaço das pinturas, esculturas etc. – galerias e exposições viraram démodé. Seja em Londres, Nova Iorque, São Paulo, Rio de Janeiro, Maringá ou Caruaru.

Há problemas, é claro, a começar pelo mais óbvio deles, que é o da preservação dessas obras. O dono de um muro ou um prefeito mal-humorado manda apagar, e pronto. E logo, logo vai aparecer alguém querendo ganhar dinheiro com isso, mas essa é outra história.

O importante é que, de um modo geral, a própria qualidade dos trabalhos faz crescer uma consciência de preservação. E assim a arte está de volta aos barrancos e muros, de onde nunca deveria ter saído.

* Jaime Sautchuk trabalhou nos principais órgãos da imprensa, Estado de SP, Globo, Folha de S.Paulo e Veja. E na imprensa de resistência, Opinião e Movimento. Atuou na BBC de Londres, dirigiu duas emissoras da RBS.

Fonte: Portal Vermelho

Imagem: Pintura de Tarsila do Amaral.

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