Por Paulo Nogueira Batista Jr.
A política é um deserto de profetas. Foi impressionante e totalmente inesperada a reviravolta do quadro nacional neste mês de março, confirmando uma vez mais como é difícil, a rigor impossível, fazer previsões em matéria política. A reviravolta, como se sabe, foi produzida por três acontecimentos encadeados. Primeiro, a decisão do ministro Edson Fachin de anular todas as sentenças contra o ex-presidente Lula. Segundo, a decisão do ministro Gilmar Mendes de colocar em votação à suspeição de Moro (derrotando a pretensão de Fachin de declarar a questão superada). E, terceiro, o discurso extraordinário do ex-presidente, que demonstrou sua quase inacreditável capacidade de se expressar e argumentar, com força e sutileza ao mesmo tempo. Reafirmou posições políticas e realizações do seu governo, mas fez acenos significativos a seus adversários. Mostrou a todos que está em plena forma. O leitor pode até não gostar de Lula, não votar nele, mas há de reconhecer que foi um discurso de estadista.
Lula está de volta, elegível, com seus direitos políticos recuperados. É bem verdade que ainda pode haver surpresas negativas no Supremo Tribunal Federal. Houve recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a decisão de Fachin. E a votação da suspeição de Moro foi interrompida por um pedido de vistas do ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro. Em matéria jurídica, as previsões também são precárias – sobretudo quando as questões a serem decididas têm vastas implicações políticas. Mas, até onde posso enxergar, a reversão do quadro no STF parece improvável. Criou-se, na verdade, um fato político consumado, com a repercussão da decisão de Fachin no País e no exterior. E o pronunciamento de Lula terminou de consumar o fato. Como notou importante liderança do PT, a pasta saiu do tubo.
Paro e releio o que escrevi. Estou sendo otimista demais? Os anos recentes têm sido duríssimos para o Brasil. Há muito tempo não tínhamos tantas notícias inesperadas e favoráveis. Além disso, a grave crise atual, com a pandemia fora de controle em grande parte do território nacional, só nos torna ainda mais predispostos a receber com alegria talvez excessiva a reviravolta ocorrida no campo político.
Mesmo com essas ressalvas, acredito que temos, sim, motivos para comemorar. O recurso da PGR não deve prosperar no plenário do STF. Cabe inclusive questionar, alertam especialistas, se a apreciação desse recurso cabe mesmo ao plenário, como sustenta Fachin, ou à segunda turma do STF, onde a tendência a confirmar a decisão é mais clara. E a suspeição de Moro parece irreversível, depois de tudo que veio à tona sobre seu comportamento enquanto juiz das acusações contra Lula. A sua parcialidade ficou escancarada.
Uma especulação ligeiramente ridícula, feita por alguns analistas políticos e jornalistas, é a de que Bolsonaro teria ficado satisfeito de poder polarizar com Lula. Não faz sentido. Com Lula fora do páreo, as chances de reeleição do atual presidente eram maiores. A direita tradicional ainda não encontrou candidato forte. E a centro-esquerda não tem ninguém com a força do ex-presidente.
Lula pode até decidir não se candidatar à Presidência, seguindo a linha adotada por Cristina Kirchner na Argentina. Mas não parece provável. Pesquisas recentes de intenção de voto indicam que ele pode ser considerado o favorito no momento. É a maior chance que temos de nos livrarmos deste desastre chamado Bolsonaro nas eleições de 2022.
Claro que o melhor cenário para o Brasil seria a saída imediata de Bolsonaro, seja por impedimento, seja por interdição. Não faltam motivos legítimos para afastá-lo, motivos inteiramente consistentes com as regras da nossa democracia.
A cada mês que passa, o País retrocede a passos largos em todas ou quase todas as áreas relevantes. O presidente da República tem seguido, na questão da pandemia, políticas irresponsáveis e até criminosas. Já pagamos um preço elevadíssimo nos primeiros dois anos deste governo – na área econômica, em matéria social, na destruição do meio ambiente, com a vergonhosa política externa, com o desmantelamento de políticas públicas e do aparato estatal. A conta será inevitavelmente muito mais pesada, se tivermos que aguardar até 2023.
Seja como for, as perspectivas políticas do Brasil são agora melhores do que no início de março. Bem sei que Bolsonaro continua forte, apesar de tudo. É inacreditável, mas as diferentes pesquisas de opinião e intenção de voto indicam, até agora, apoio surpreendente da população. O apoio diminuiu visivelmente desde o início do ano, mas ainda é significativo.
É bem possível, até provável, que esta diminuição prossiga. O fracasso do governo no enfrentamento da pandemia fica cada vez mais evidente. A economia, que já vinha fraca, sofre o baque da segunda onda da Covid 19. O desemprego, o subemprego e a pobreza tendem a se agravar.
E, no entanto, se a eleição fosse agora, Bolsonaro chegaria provavelmente ao segundo turno. Os possíveis candidatos da direita tradicional – Dória, Huck, Mandetta, entre outros – ainda não decolaram. O segundo turno seria, portanto, entre Lula e Bolsonaro.
Uma escolha difícil?
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Versão ampliada de artigo publicado na revista “Carta Capital” em 19 de março de 2021.
O autor é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, começou a circular em março de 2021.
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