O relatório do IPCC e a gravidade da crise climática

O relatório mostra que o aquecimento de 1,5º C a 2º C será ultrapassado ainda nas próximas décadas se não houver forte e profunda redução nas emissões de CO² e outros gases de efeito estufa

“A distância entre o que precisamos fazer e o que realmente está sendo feito está aumentando a cada minuto. Ainda estamos acelerando na direção errada”.
Greta Thunberg

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicou, no dia 09/08/2021, o relatório do Grupo de Trabalho I ao Sexto Ciclo de Avaliação (AR6), intitulado Climate Change 2021: the Physical Science Basis, mostrando que as mudanças climáticas causadas pelos seres humanos são irrefutáveis, irreversíveis e vão se agravar nos próximos anos e décadas se nada for feito para mudar o quadro da crise climática e ambiental.

As mudanças recentes no clima não têm precedentes ao longo dos últimos milênios e a estabilidade climática do Holoceno (últimos 12 mil anos) já foi rompida, sendo que cada uma das cinco décadas tem sido sucessivamente mais quente do que qualquer outra década que a precedeu. Os últimos 8 anos foram os mais quentes já registrados e a temperatura do Planeta já aumentou 1,07º C em relação ao período pré-industrial (1850-1900), conforme mostra o gráfico abaixo.

O relatório mostra que o aquecimento de 1,5º C a 2º C será ultrapassado ainda nas próximas décadas se não houver forte e profunda redução nas emissões de CO² e outros gases de efeito estufa. Contudo, o passado recente mostra que a governança global tem fracassado e feito muito barulho por nada, conforme mostra o gráfico abaixo. A Curva de Keeling indica que a concentração de CO2 na atmosfera passou de 317 partes por milhão (ppm) em 1960 para 420 ppm em 2021 a despeito de todas as reuniões e cúpulas já realizadas.

Portanto, não houve falta de aviso e conhecimento da realidade. Em 1972, quando a população mundial estava abaixo de 4 bilhões de habitantes, aconteceu a Conferência de Estocolmo alertando sobre os problemas ambientais e, naquela época, a concentração de CO2 estava abaixo de 330 ppm. Em 1988, quando a população mundial chegou a 5 bilhões de habitantes, o climatologista James Hansen fez o famoso depoimento no Congresso americano e a concentração de CO2 estava abaixo de 350 ppm. Em 1992 aconteceu a Conferência do Meio Ambiente no Rio de Janeiro e em seguida, em 1997, quando a população humana se aproximava de 6 bilhões de pessoas, foi feito o Protocolo de Kyoto, quando a concentração de CO2 estava abaixo de 370 ppm.

Mas o acelerado ritmo das emissões de gases de efeito estufa continuou e ultrapassou a concentração de CO2 na atmosfera ultrapassou a marca de 400 ppm na época do Acordo de Paris, ocorrido em 2015 nos 70 anos da ONU. Todavia, a despeito de todos os avanços teóricos e práticos ocorridos no Acordo de Paris, o ritmo de poluição ambiental continua em decorrência do crescimento demográfico e do crescimento econômico, pois uma população global que se aproxima de 8 bilhões de habitantes consome, em média, cada vez mais bens e serviços que demandam recursos ecossistêmicos para além da capacidade de regeneração da Terra.

O relatório do IPCC mostra que caso as reduções ocorram com maior rapidez, mesmo assim, ainda pode levar até 30 anos para que as temperaturas se estabilizem. Porém, existe uma solução simples para evitar que as condições climáticas piorem: basta plantar mais árvores, parar de queimar combustíveis fósseis e reduzir a pressão sobre a capacidade de carga da Terra. Contudo, os governos, as empresas e os indivíduos estão falhando em fazer o dever de casa.

No que tange à questão demográfica, entre várias citações, o relatório diz: “population growth need to be considered” (p. 1-68) e chama a atenção para as “bolhas” de calor que vão ocorrer nas cidades devido ao elevado crescimento demográfico das áreas urbanas (p. 10-122). Alerta também para os impactos e riscos futuros que podem ser afetados diretamente por fatores não relacionados ao clima, como desenvolvimento socioeconômico, crescimento populacional ou surto viral (p. 12-129). O relatório do IPCC dá menos destaque às questões da mitigação demográfica e dá mais ênfase à adaptação populacional diante da crise climática.

Os cientistas dizem ser inequívoco que a mudança climática é causada pela humanidade. A influência humana tem aquecido o sistema climático, gerando mudanças climáticas amplas e rápidas. Evidentemente, o tamanho da população impacta determinantemente o clima, mas o impacto é muito maior quando se considera o padrão de consumo. Muita gente consumindo muito e poluindo desregradamente agrava aceleradamente o aquecimento global e agudiza o quadro ambiental. Quanto mais a civilização humana enriquece, mais a natureza empobrece e o clima enlouquece.

O aquecimento global é a maior ameaça existencial à humanidade. Assim como existe uma atual emergência de saúde pública (por conta do coronavírus), existe também uma emergência climática por conta do aumento do efeito estufa. Como tem alertado o jornalista David Wallace-Wells, o mundo caminha para uma “Terra inabitável”.

O relatório do IPCC publicizado em 09/08 é a primeira de três partes e foi divulgado antes da cúpula climática COP26, a ser realizada no Reino Unido, em novembro. Como mostrei em aula realizada em abril de 2021 (ver link abaixo), o mundo precisa caminhar rumo ao decrescimento demoeconômico planejado para evitar um colapso climático e ambiental global.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

IPCC. Climate Change 2021, The Physical Science Basis, 09/08/2021
https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/downloads/report/IPCC_AR6_WGI_Full_Report.pdf

ALVES, JED. A dinâmica demográfica global em uma “Terra inabitável”, Revista Latinoamericana de Población, Vol. 14 Núm. 26, dezembro de 2019
https://revistarelap.org/index.php/relap/article/view/239

ALVES, JED. Entrevista sobre o relatório do IPCC na TV Cultura, 09/08/2021
https://www.youtube.com/watch?v=rK9YL8Xa7J0

ALVES, JED. Aula 11 AM088: Decrescimento demoeconômico e capacidade de carga do Planeta, IFGW, 11/04/21
https://www.youtube.com/watch?v=QVWun2bJry0&list=PL_1__0Jp-8rhsqxcfNUI8oTRO1wBr86fh&index=9

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