O que os neoliberais dizem e o que não dizem

Ha-Joon Chang, no livro “23 Coisas que não nos Contaram sobre o Capitalismo”, afirma que “os executivos americanos são caros demais”.

Por Fernando Nogueira da Costa, Estante de Economia.

O que os neoliberais dizem é que algumas pessoas são muito mais bem pagas do que outras. Especialmente nos Estados Unidos, as empresas pagam aos seus alto-executivos quantias que algumas pessoas consideram obscenas. No entanto, isso é exigido pelas forças do mercado. Considerando-se que o acervo de talentos é limitado, simplesmente temos que pagar grandes quantias para atrair os melhores talentos. A partir do ponto de vista de uma corporação gigante com um volume de negócios de bilhões de dólares, decididamente vale a pena pagar milhões de dólares adicionais, ou até mesmo dezenas de milhões de dólares, para conseguir os melhores talentos, já que a capacidade dessas pessoas de tomar melhores decisões do que os seus equivalentes em empresas concorrentes poderá gerar uma receita adicional de centenas de milhões de dólares. Por mais injustos que esses níveis de remuneração possam parecer, não devemos nos envolver em atos de inveja e despeito, e tentar reprimi-los artificialmente. Essas tentativas seriam simplesmente contraproducentes.

O que os neoliberais não dizem é que os executivos estadunidenses são excessivamente caros em mais de um sentido. Primeiro, eles são caros demais em comparação com os seus antecessores. Em termos relativos (ou seja, como uma proporção da remuneração do trabalhador médio), os CEOs estadunidenses de hoje recebem cerca de dez vezes mais do que os seus predecessores da década de 1960, apesar do fato de estes últimos administrarem empresas que eram muito mais bem-sucedidas, em termos relativos, do que as empresas americanas de hoje. Os executivos estadunidenses também são caros demais em comparação com os seus equivalentes em outros países ricos. Em termos absolutos, eles recebem, dependendo do critério que utilizarmos e do país com o qual fizermos a comparação, até vinte vezes mais do que os seus concorrentes que administram empresas igualmente grandes e bem-sucedidas. Os dirigentes estadunidenses não apenas são caros demais como também são excessivamente protegidos no sentido que não são punidos pelo mau desempenho. E tudo isso não é, ao contrário do que muitas pessoas argumentam, puramente determinado pelas forças do mercado. A classe empresarial nos Estados Unidos obteve um tal poder econômico, político e ideológico, que tem sido capaz de manipular as forças que determinam a sua remuneração.

Ha-Joon Chang, no livro “23 Coisas que não nos Contaram sobre o Capitalismo”, também discute a ideia de que “as pessoas nos países pobres são mais empreendedoras do que as pessoas nos países ricos”.

O que os neoliberais dizem é que o empreendedorismo encontra-se na essência do dinamismo econômico. A não ser que haja pessoas empreendedoras que busquem novas oportunidades lucrativas gerando novos produtos e atendendo a uma demanda não satisfeita, a economia não poderá se desenvolver. Na realidade, uma das razões por trás da ausência de dinamismo econômico em vários países, da França a todos os estados no mundo em desenvolvimento, é a falta de empreendedorismo. A não ser que todas as pessoas que ficam sem fazer nada nos países pobres mudem de atitude e busquem ativamente oportunidades lucrativas, o país delas não vai se desenvolver.

O que os neoliberais não dizem é que as pessoas que vivem nos países pobres precisam ser empreendedoras mesmo que apenas para sobreviver. Para cada pessoa ociosa em um país em desenvolvimento, você tem duas ou três crianças engraxando sapatos e quatro ou cinco pessoas vendendo mercadorias na rua. O que torna pobres os países pobres não é a ausência de uma energia empreendedora no nível pessoal, e sim a ausência de tecnologias produtivas e organizações sociais desenvolvidas, especialmente empresas modernas. Os problemas cada vez mais evidentes do microcrédito — empréstimos bem pequenos feitos às pessoas pobres nos países em desenvolvimento com o objetivo declarado de ajudá-las a montar um negócio — mostram as limitações do empreendedorismo individual. Especialmente no último século, o empreendedorismo se tornou uma atividade coletiva, de modo que a pobreza da organização coletiva se tornou um obstáculo ainda maior ao desenvolvimento econômico, e não a mentalidade empreendedora deficiente das pessoas.

Ha-Joon Chang, no livro “23 Coisas que não nos Contaram sobre o Capitalismo”, questiona a ideia de que “não somos inteligentes o bastante para deixar que o mercado cuide das coisas”

O que os neoliberais dizem é que devemos deixar os mercados sozinhos, porque, basicamente, os participantes do mercado sabem o que estão fazendo — ou seja, eles são racionais. Como as pessoas (e as empresas como ajuntamentos de pessoas que compartilham os mesmos interesses) estão voltadas para o que é melhor para elas, e como são elas que conhecem melhor as suas próprias circunstâncias, as tentativas de pessoas de fora, especialmente do governo, de restringir a liberdade das suas ações só pode produzir resultados inferiores. Qualquer governo que impeça os agentes do mercado de fazer as coisas que consideram lucrativas ou de forçá-los a fazer coisas que eles não querem fazer está sendo pretensioso, já que as informações que ele possui são inferiores.

O que os neoliberais não dizem é que as pessoas não sabem necessariamente o que estão fazendo, porque a nossa capacidade de compreender até mesmo questões que dizem respeito diretamente a nós é limitada — ou, como diz o jargão, temos uma “racionalidade limitada”. O mundo é muito complexo e a nossa capacidade de lidar com ele é fortemente limitada. Por conseguinte, precisamos deliberadamente restringir a nossa liberdade de escolha a fim de reduzir a complexidade dos problemas que temos que enfrentar, e geralmente o fazemos. Com frequência, as regulamentações do governo funcionam, especialmente em áreas complexas como o moderno mercado financeiro, não porque o governo tenha um conhecimento superior mas porque ele restringe as escolhas e, portanto, a complexidade dos problemas em questão, reduzindo assim a possibilidade de que as coisas deem errado.

Continua em próximo post.

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