O que está por trás da “escassez” de mão de obra nos Estados Unidos

Para especialistas auxílios sociais incentivam o consumo e não inibem a busca por emprego – Jose Reynaldo da Fonseca via Wikimedia Commons

Por Eloá Orazem.

Hambúrguer, refrigerante, batata frita – e 50 dólares. Uma unidade do McDonald’s no estado americano da Flórida está oferecendo um “combo” especial para qualquer pessoa que faça uma entrevista de emprego para trabalhar no restaurante.

A nova receita “salgada” da rede de fast food tem como ingrediente principal a escassez da mão de obra nos Estados Unidos, um fenômeno que, segundo a Federação Nacional de Negócios Independentes (NFIB, na sigla em inglês), atinge 44% de pequenos negócios no país.

Com a taxa de desemprego passando dos 5%, conservadores são rápidos em atribuir ao auxílio emergencial de Joe Biden a baixa procura por oportunidades profissionais. Em algumas lojas é possível ler placas e cartazes dizendo coisas como “estamos com a equipe defasada, tenham paciência com os funcionários que estão aqui, porque as pessoas não querem mais trabalhar”.

De fato, a assistência proposta pelo governo nunca foi tão alta. Além do seguro-desemprego, que varia de acordo com cada caso, os americanos podem contar ainda com 300 dólares extra, pagos semanalmente como resgate financeiro à crise gerada pela covid.

“É um absurdo achar que a falta de interesse dos trabalhadores é culpa do benefício”, contesta o professor e pesquisador da Universidade de Londres Guy Standing. Ao Brasil de Fato, Standing explica como esses benefícios criam uma “armadilha da pobreza” e fazem da recusa pelo trabalho uma questão matemática.

“Os benefícios sociais propostos pelo governo são retirados tão logo as pessoas conseguem uma recolocação profissional. O problema é que, ao voltar ao mercado de trabalho e ter que arcar com os custos de transporte, alimentação e cuidados com o filho, o valor recebido pode ser menor do que o auxílio proposto”, e completa, “mas isso é culpa do salário mínimo, que em muitos países está há anos estagnado ou caindo para níveis precários.”

Essa conta que nunca fechou se torna uma equação altamente complexa diante do cenário atual, em que a competição por mão-de-obra acontece simultaneamente.

“Estamos saindo da pandemia e as pessoas querem sair e experimentar coisas, então as indústrias de hoteleira, turismo e de restaurantes estão famintas por mais trabalhadores para atender essa demanda”, pontua à reportagem Ioana Marinescu, professora de economia da Universidade da Pensilvânia.

“O problema é que todas essas empresas querem contratar ao mesmo tempo, e buscam profissionais em um mercado limitado”, conclui a docente.

Pela primeira vez, porém, a lei da oferta e da procura pode trazer bons resultados. “Essa escassez de mão-de-obra pode levar os empregadores a tornarem suas vagas mais atraentes, e isso pode ser traduzido em mais benefícios ou em aumento salarial. Muitas companhias americanas já anunciaram que vão subir o piso salarial de suas equipes, e isso deve impulsionar o mercado como um todo”, comenta Marinescu.

Renda básica universal

Para o professor Standing, porém, a melhor solução a curto e longo prazo seria a adoção e manutenção de uma renda básica universal. “Muita gente acha que o que temos agora, o seguro-desemprego e o auxílio emergencial, substitui a renda básica, mas são coisas completamente diferentes. Um só é oferecido a quem não consegue trabalho ou ganha muito pouco, enquanto a renda básica é um direito adquirido, oferecido a qualquer um, independentemente de emprego e salário”, diz.

O assunto é polêmico e ganha mais e mais manchetes à medida que grandes empresários e personalidades passam a fazer coro pela medida. O astrofísico Neil deGrasse Tyson, o co-fundador do Google Larry Page e o CEO da Tesla Elon Musk são alguns dos que apoiam a medida.

“As pessoas que têm essa uma renda básica assegurada se mostram mais inclinadas a trabalhar duro e podem fazê-lo por terem melhor nutrição. Elas se mostram mais energéticas e dispostas a correr riscos. Consequentemente, seus filhos crescem num ambiente mais saudável e as mulheres mostram melhoria em todos os índices quando recebem diretamente esse direito”, defende Standing.

Corrobora com as palavras do pesquisador um estudo feito ao longo de dois anos na cidade de Stockton, na Califórnia. Em 2019, o município selecionou aleatoriamente 125 pessoas para receber US$ 500 mensais, usando dinheiro proveniente de uma doação justamente para testar a ideia.

No mês de março deste ano os envolvidos publicaram o resultado, e foi um aumento no número de empregos em tempo integral e melhoria na saúde mental dos participantes, que relataram se sentir menos ansiosos e estressados.

Apesar dos fatos, a discussão de auxílios e renda básica seguem fomentando posições políticas e o velho discurso de que as pessoas são preguiçosas. “Essa narrativa da vagabundagem obviamente serve de bode expiatório para empregadores que estão frustrados por não conseguirem encontrar trabalhadores – e eu entendo, porque tempos que encontrar alguém para colocar a culpa”, afirma Marinescu, “mas também é uma retórica política, já que permite a extinção dos benefícios”.

E é exatamente o que acontece nos Estados Unidos, onde representantes republicanos pedem urgência ao fim do auxílio emergencial, em vigor até setembro deste ano. “É uma moeda de duas faces, porque esse mesmo auxílio que os empresários culpabilizam pela falta de candidatos é o mesmo que tem permitido às pessoas sair e consumir”, lembra a professora.

Standing usa palavras mais duras para criticar a manobra política: “é uma retórica criminosa essa de que precisamos cortar os benefícios sociais porque as pessoas não querem trabalhar, porque todo mundo quer uma vida melhor; quer mais renda para prover mais qualidade de vida para sua família”.

Defensor ferrenho da renda básica, o pesquisador argumenta que essa medida pode ainda colocar um fim no que ele chama de “empregos terríveis”. “Os empregadores que estão oferecendo oportunidades ruins teriam de aumentar o salário ofertado, o que seria bom, ou teriam que automatizar essa funções, o que também seria positivo a longo prazo. O que a gente não pode é achar que a solução para esse problema é a multiplicação dos empregos precários. Essa é uma resposta ruim para uma pergunta péssima.”

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