Entrevista com Cíntia Glória Lima de Elissandro dos Santos Santana, para Desacato.info.
A interação com o Coletivo Geni começou por meio do contato com o grande ativista social LGBT queer Ian Lopes de Jesus e com a ativista social LGBT Cíntia Glória Lima. A partir desse encontro, surgiu o convite para que eu fosse tecer discussões/considerações/informações acerca das intersecções entre sócio-meio-ambiente e movimento LGBT em Eunápolis, BA. Ao aceitar o convite, percebi que estava se iniciando a primeira de muitas discussões que, todavia, serão feitas em torno da relação movimento LGBT, ecologia-sócio-meio-ambiente, possibilitando, dessa forma, o fortalecimento de um movimento em construção na região que está sendo nominado/nomeado de coletivo sócio-homo-bi-feminista-trans-ecoambiental.
A roda de conversa sobre Ecologia Mental e Movimento LGTB foi tão impactante que achei importante entrevistar uma das líderes do movimento, Cíntia Glória Lima, com o objetivo de mostrar ao Brasil que a revolução é necessária e ela será colorida.
Abaixo, segue o corpus textual-discursivo da entrevista:
Elissandro Santana:
Cara Cíntia, a senhora poderia apresentar o Coletivo GENI LGBT?
Cíntia Lima:
O Geni é um coletivo LGBT horizontal, que visa a promover ações de empoderamento e de emancipação das minorias LGBTs por meio de políticas no campo institucional e não institucional.
Elissandro Santana:
Já que a Senhora nos apresentou o Coletivo, seria possível apresentar-se, mostrando sua relação com o movimento?
Cíntia Lima:
Minha relação com minha identidade sexual sempre foi bastante conflituosa, principalmente depois que me assumi lésbica. O Geni sempre foi para mim muito mais do que um campo político: é uma família. E me ajudou a lidar com isso de outra forma. Foi através da convivência com as pessoas que constroem o Coletivo que consegui e consigo resistir. Quando falamos da comunidade LGBT, falamos de lendas, de pessoas que não compram, não tem saúde, não constituem família e não envelhecem. Minha luta dentro do Coletivo é para que deixemos de ser lenda. Atualmente, além do Coletivo Geni, construo o campo de juventude Pajeú, além de ser filiada ao PSOL.
Elissandro Santana:
E como surgiu o Coletivo?
Cíntia Lima:
A ideia de um coletivo LGBT surgiu a partir de um texto de uma amiga no facebook; foi quando começamos a pensar a necessidade de materializar nossas reivindicações. Desde o início, sempre acreditei no potencial do Coletivo. Vale frisar que somos um coletivo horizontal, sendo assim, atuamos a partir de comissões. Atualmente, ocupo a comissão de comunicação e a secretaria.
Elissandro Santana:
A Senhora mencionou que como o Coletivo é horizontal, atua a partir de comissões e que, atualmente, ocupa a comissão de comunicação e a secretaria, mas gostaria de saber sobre o seu papel, de fato, no GENI.
Cíntia Lima:
Dentro da comissão de comunicação, juntamente com outros companheiros, alimentamos a página do Coletivo no facebook. Acreditamos no papel da internet na disseminação de informações e, a partir dessa ideia, desenvolvemos cartazes que sensibilizem as pessoas para a violência contra LGBTs no Brasil e no mundo. Geralmente, faço os cartazes a partir de matérias que são sugeridas pelo grupo, mas a construção da arte é feita com base na ideia de todos os membros. Chamamos esse tipo de atuação de cyber ativismo e a campanha que desenvolvemos no facebook de “O outro lado de arco-íris”. Estou encarregada, também, da sistematização das informações durante as reuniões e da postagem nos grupos. Nossas ações fora do campo virtual são construídas a partir dessas reuniões, e eu, como estou na comunicação, geralmente, fico encarregada de contatar os membros. Ademais, estive responsável, juntamente com Ian Lopes, pela produção das notas e pela prestação de contas ao coletivo.
Elissandro Santana:
Fale-me um pouco sobre os outros colaboradores do GENI.
Cíntia Lima:
O Geni é um coletivo novo, mas passamos por diversas dificuldades pelo fato de defender uma política LGBT em uma região tão conservadora como é o Extremo Sul da Bahia. Nesse processo, a experiência de Ian Lopes e sua visão madura sobre as situações sempre nos auxiliaram bastante. Douglas Tomé esteve conosco desde a primeira formação do coletivo, juntamente com Flávio Prates e Guilherme Campos. Carol Loba possui uma história de vida incrível e a presença dela nas reuniões sempre me encoraja bastante, pelo fato de ser uma mulher negra assim como eu. Edilson Santos entrou quase no mesmo período que Carol, no início de 2016, e foi o primeiro membro de Porto Seguro a ingressar no coletivo. Foi a partir de sua entrada e, posteriormente, a de Jasmin Zucotti que começamos a pensar que a municipalização do Coletivo não seria suficiente para nossas pautas e que seríamos mais fortes atuando na região. Julian Motta, Sandro Leite, Eva Santos, Igor Brandão, João Teles, Milena Versini, Juliano Rocha, Suelen Braga e Steffano Almeida são os membros mais novos que têm construído conosco no Coletivo.
Elissandro Santana:
O Geni costuma realizar palestras, cursos e rodas de conversa? Fale sobre o evento mais recente.
Cíntia Lima:
Inicialmente, focamos na formação interna do Coletivo, para que depois pudéssemos atuar nas bases. Tentamos trabalhar com cine debates nas escolas, mas, devido à homofobia presente no âmbito escolar, não conseguimos. O primeiro grande evento que conseguimos realizar foi o Sarau LGBT “Quem tem medo de Homofobia? Artivismo Político”, realizado em parceria com o Viola de Bolso. Após isto, tivemos a ideia de realizar um dia de atividades que fugisse da institucionalidade das mesas e das formações políticas para que todos pudessem se sentir à vontade para expor suas ideias. Assim surgiu a I Limonada LGBT. O nome veio do companheiro Douglas Tomé, mediante a avaliação de vários outros nomes. A palavra “Limonada” remete ao período da escravidão, no qual os negros acreditavam que tomar limonada poderia embranquecê-los. Partindo disso, houve a ressignificação para a comunidade LGBT, fazendo cotejos com a tal cura gay dos grupos conservadores. Pensamos em ampliar os debates, mostrar que não somos apenas uma gaveta e que estamos inseridos em um contexto social muito mais amplo e como essas questões se relacionam conosco. Pensando, então, nos debates acerca das (sobre)vivências, ecologia, movimento feminista, teoria queer e movimento negro.
Elissandro Santana:
Acerca do I Limonada, quais as maiores contribuições que o evento propiciou?
Cíntia Lima:
A construção de uma confiança maior ainda entre nós, principalmente, através dos relatos de vivências e a aproximação de novos membros. Mas, sem dúvida, as maiores contribuições foram os esclarecimentos acerca da política de saúde integral LGBT, o debate acerca da Ecologia Mental e da teoria queer.
Elissandro Santana:
Sobre políticas de saúde e teoria queer, de imediato, percebe-se uma relação com o GENI, mas acerca do movimento socioambiental, o que o Coletivo pensou ao convidar-me para uma roda de conversa?
Cíntia Lima:
A indicação partiu de minha pessoa após ler o texto “Ecologia Mental: uma arma sustentável contra a homofobia e contra a intolerância”, escrito por você e por mais dois autores, Denys Henrique R. Câmara e Rosana dos Santos Santana. Achei incrível o fato de dois campos, aparentemente desconexos, encaixarem-se tão perfeitamente. Levei isso para a reunião organizativa em que iríamos planejar a ação, quando houve o estranhamento em torno do tema por parte de algumas pessoas, mas quando Ian Lopes explicou as intersecções, não houve mais contradições. Admito que fiquei curiosa e ansiosa para o debate e que isso também ocorreu com outras pessoas.
Elissandro Santana:
Ao final da roda de conversa sobre Ecologia Mental, quais foram as impressões e os resultados verificados nos imaginários dos participantes?
Cíntia Lima:
A ligação entre o mundo e nossa mente. Passamos a conceber o mundo como uma soma de estímulos em que nosso organismo interage. A sustentabilidade foi compreendida como um conceito além do estanque meio-ambiente. Acredito que o que mais despertou nossa atenção foi o conceito de “ecologizar” mentes. “Ecologizar” pensamentos estaria relacionado com a nossa forma de pensar o mundo, no sentido de desconstruir nossos pré-conceitos. Isso se torna mais amplo ainda se pensarmos o homem enquanto sujeito dialógico, formado por elementos biológicos, culturais, políticos, históricos e sociais.
Elissandro Santana:
A partir dessa primeira discussão em torno da Ecologia Mental, o GENI já começa a pensar práticas socioambientais na região, para não ficar somente no campo discursivo?
Cíntia Lima:
Temos em nosso horizonte estratégico o objetivo de atuar nesse sentido, mas, nesse momento, estamos focando em nossa formação política nessa área, através da leitura de textos e dos livros que você indicou.
Elissandro Santana:
Qual avaliação geral faz do I Limonada e quando pretende realizar outro evento nesse âmbito?
Cíntia Lima:
Foi sem dúvida um acontecimento de caráter histórico e singular para nós. Estamos nos organizando para realizar outro evento no dia 6 de agosto, no Centro de Cultura de Porto Seguro. Estamos aguardando a confirmação do local.
Elissandro Santana:
De que forma a Senhora acha que o GENI poderá ajudar, de forma concreta, a comunidade LGBT em Eunápolis, Porto Seguro e em outras cidades do Extremo Sul da Bahia?
Cíntia Lima:
Nossa principal pauta é o combate à violência contra os LGBTs. O extremo Sul da Bahia é uma das regiões mais violentas contra essa comunidade no Brasil, por isso, temos como objetivo a garantia da discussão do tema em escolas, universidades e demais espaços como forma de combate à violência. Somado a isso, pensamos em projetos em convênio/parceria com as prefeituras da região com vistas a ofertar cursos de formação para capacitar professores a partir da inclusão de temas relativos a gênero e sexualidade nos currículos escolares. E, por fim, a garantia de serviços de atenção médica e psicológica à população LGBT, por meio de projetos elaborados entre a UNESUL e a UNEB.
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Elissandro dos Santos Santana: especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais e Membro do Conselho Editorial da Revista Letrando.