Manifestação em Helsinque – Foto de Florencia Quesada
Por Pedro Aibéo.
No sábado passado, o país assistiu a uma das maiores manifestações da história da sua jovem, mas (ainda) forte, democracia1. Durante a caminhada, a multidão parou e sentou-se na estrada durante 15 minutos, bloqueando o trânsito. Este bloqueio não foi uma simples ação nostálgica pelo movimento “occupy”, mas sim uma reação a uma das medidas de austeridade propostas pelo governo: o aumento do horário de trabalho em 15 minutos por dia. Esta medida toca num dos pontos fulcrais do sucesso da Finlândia nos últimos 40 anos. Sucesso que se baseou numa estrutura sindical extremamente forte que protegeu os direitos dos trabalhadores, ano após ano, transformando a Finlândia num verdadeiro estado de “bem-estar” social, o famoso “welfare state” ou modelo escandinavo.2
Estes 15 minutos adicionais de trabalho vão aumentar apenas uma coisa: o fosso social e financeiro entre o empregador e o trabalhador.. Um aumento do horário de trabalho reduz, por um lado, a quantidade de empregos que podem ser criados e, por outro, reduz a quantidade de tempo que o trabalhador tem para usufruir do fruto do seu trabalho. Reduz também o poder de compra (e de tempo) dos trabalhadores, afetando diretamente a circulação de capital, essencial ao capitalismo (não que eu goste!). Então, quem beneficia disto? O Primeiro-Ministro, Juha Sipilä, sabe-o bem – ele é um homem de negócios – isto aumenta apenas e só os lucros das empresas. É um regresso à estratégia “Trickle-down” de Ronald Regan, que há muito se provou não ter funcionado3.
Então de onde vem esta austeridade? Alguns culpam o Sr. Sipilä (o Donald Trump aqui da terra) de gerir o país como se de uma empresa se tratasse e, como tal, “austeridade” para ele é apenas uma outra palavra para designar “optimização” (dos lucros). Outros culpam a União Europeia por impedir a Finlândia de ajustar o valor da sua moeda (o drama do Euro). Outros culpam a economia (a queda da Nokia, a queda da indústria papeleira, o embargo à Rússia, etc.). Outros culpam os métodos retrógrados dos sindicatos e outros, ainda, dizem que não há, de todo, razões para a austeridade.
Antes de mais, louvemos o nível e a diversidade de opiniões que existem sobre o assunto na Finlândia. Apenas demonstram a grandeza da sociedade finlandesa que está habituada a participar nas discussões políticas. A população de Helsínquia é de tal forma qualificada intelectualmente, 4 que uma sessão de informação pública, em Helsínquia, atrai mais intelectuais do que a dissertação de uma tese de doutoramento de, digamos, uma universidade técnica australiana.
Este grande legado dos seus 5,5 milhões de habitantes refletiu-se, nas últimas eleições legislativas: os 8 maiores partidos obtiveram a seguinte repartição de votos: 21,1%, 17,7%, 18,2%, 16,5%, 8,5%, 7,1%, 4,9% e 3,5%. Isto é, provavelmente, um melhor indicador de democracia do que o pingue-pongue bipartidário generalizado a que assistimos, não apenas nos EUA, mas na maioria dos países democráticos do mundo. A democracia portuguesa, por exemplo, tem sido um jogo de 40 anos entre dois partidos: PS e PSD.
O principal resultado (e inconveniente) das últimas eleições legislativas da Finlândia foi a coligação formada entre os três partidos vencedores: o Partido do Centro, o Partido dos Finlandeses (True Finns) e o Partido da Coligação Nacional. Isto é, nomeadamente, um cocktail de liberais, de nacionalistas e de conservadores. A encabeçar esta equipa maravilha está Juha Sipilä, um novato em política e multimilionário que fez fortuna ao vender a sua empresa, em 1996, à companhia americana “ADC Telecommunications” ; talvez sirva de inspiração para mais um mau argumento de um romance de José Rodrigues dos Santos: “Um empresário a gerir um estado social?”. É como pôr um talhante a gerir uma loja vegetariana!
Olhemos agora para algumas das medidas de austeridade propostas.
Cortes massivos na educação e fim da educação gratuita:
“As universidades finlandesas estão a enfrentar dramáticos cortes orçamentais, bem como a introdução de propinas para estudantes de outros países, de acordo com as medidas de austeridade anunciadas recentemente pelo governo que pretende reduzir a despesa pública em 4500 milhões de euros até 2019. No total, serão cortados cerca de 500 milhões de euros às instituições de ensino superior. O governo pretende congelar o índice universitário, cortar nos financiamentos à investigação oriundos da Academia da Finlândia e da Tekes – a Agência Tecnológica Nacional – bem como acabar com as compensações pagas por serviços farmacêuticos à Universidade de Helsínquia e à Universidade da Finlândia do Leste.”5
Cortes de 43% em ajudas ao desenvolvimento:
“Isto é um sinal preocupante para se dar, especialmente agora que a sociedade civil está sob ataque em muitos países do mundo.”6
Aumento do horário de trabalho em 15 minutos por dia:
A proposta do governo é para “aumentar a produtividade”, aumentando o tempo de trabalho em 100 horas por ano, equivalentes a duas semanas e meia por ano (ou 15 minutos por dia, com base nos cálculos do Banco da Finlândia). “Esta ideia de uma semana de trabalho mais longa, sem pagamento adicional, foi lançada pelo Primeiro-Ministro Juha Sipilä para ser possivelmente incluída nos contratos colectivos entre os trabalhadores e os representantes do sector privado. O objetivo final deste acordo é o restabelecimento do crescimento económico através da melhoria da competitividade das empresas.”7
Cortes nos apoios aos cidadãos requerentes de asilo (10%):
“Então, se estamos a falar de saúde dentária, terá de envolver o tratamento de alguma coisa como uma dor de dentes muito forte e nada mais. Tratamos apenas a dor e as necessidades mais agudas.”8
Aumento do orçamento militar:
“A despesa com a defesa tem sido reduzida constantemente desde 2006, altura em que o orçamento militar representava 1.40% do produto interno bruto (PIB). Esta despesa foi de 1.34% do PIB em 2014 e foi reduzida para 1.28% do PIB no orçamento de 2015.”9
E por aí adiante…
Mas de onde vem realmente a austeridade? Houve algum desastre natural que dizimou as colheitas? Talvez uma epidemia como a peste negra? Não! A dita “crise da dívida” vem da combinação de três factores: mercados de capitais desregulados + desigualdade na distribuição da riqueza + disparidades internacionais. Difícil de compreender? Veja a infografia ou leia mais aqui.
É uma crise artificial: será que a austeridade resolve alguma coisa? Claro que não, apenas piora o ‘status quo’. Parece que ainda não somos capazes de criar um sistema auto-regulador. Precisamos urgentemente de métodos alternativos para melhorar a forma como operam os nossos mercados. Métodos que nada tenham a ver com a fórmula de curto prazo da austeridade.
Está a ser vendida a mentira da austeridade à Finlândia. E a Finlândia acaba de aprender a lição de como os grandes negócios são geridos com mentiras que se fazem passar como medidas de otimização: em Julho de 2015, a Microsoft, que adquiriu recentemente a Nokia, anunciou o despedimento de 66% dos seus trabalhadores finlandeses: 2.30010. Se até na altamente qualificada Finlândia se conseguem fazer passar tamanhas mentiras, em que parte do mundo é que não se consegue?
No final da manifestação do passado Sábado, a banda punk “PKN”, adorada na Finlândia e formada por quatro membros que sofrem de Síndroma de Down ou de Desordem do Espectro Autista, atuou em concerto, lembrando a todos uma importante lição: a DIVERSIDADE na vida, tal como na economia, é essencial para a sobrevivência. O “Não à austeridade” (sim à diversidade!) está a transformar-se num protesto a nível mundial e todos devemos juntar-nos a ele, se pretendemos melhores condições de vida e um melhor meio ambiente.
Artigo de Pedro Aibéo, originalmente escrito em inglês, publicado na Finlândia (http://mustekala.info/node/37527) e nos Estados Unidos (http://writerbeat.com/articles/6792-What-Austerity-in-).
Anotações:
1A Finlândia foi o primeiro país europeu a introduzir o sufrágio universal em 1906, 11 anos antes de se tornar numa república.
2Acordos salariais na Finlândia são acordos tripartidos entre sindicatos, organizações de empregadores e do governo finlandês. Durante o período após a segunda guerra mundial, até à recessão de 1990, os sindicatos eram fortes e poderosos, mas em decadência,desde então.
3 Andreou, A., Trickle-down economics is the greatest broken promise of our lifetime | Alex Andreou. 2014.
4A população finlandesa estrangeira ronda os 5%. A de Portugal 6%. Alemanha conta com 10%. Se pensarmos que Portugal foi uma potência colonial, e que ambos, Finlândia e Portugal são países situados nas extremidades da Europa, este numero dá que pensar.
5 Myklebust, J.P., Universities face drastic cuts and tuition fees – University World News. 2015.
6 Gotev, Geori Finland slashes development aid by 43% amid fears others may follow. 2015.
8 YLE: Finland cuts cash support for asylum seekers. 2015
9 defense_news, New Finnish Gov’t Expected To Hike Spending. 2015.
Sobre o/a autor Pedro Aibéo