Por José Álvaro de Lima Cardoso.
O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 2,9% no ano passado, alcançando R$ 10,9 trilhões. O Setor Agropecuário cresceu 15,1%, Serviços 2,4% e a Indústria 1,6%. O crescimento do PIB foi alavancado pelo consumo das famílias, que aumentou 3,1% em 2023. Os dados mostraram queda da Formação Bruta de Capital Fixo (ou seja, o nível de investimentos), que recuou de 17,8% do PIB em 2022, para 16,5% no ano passado. A redução da taxa de investimento é preocupante, já que com menos investimentos é difícil até mesmo sustentar o crescimento atual do PIB, que já tem expandido abaixo das necessidades do país. Se o Brasil pretender crescer com estabilidade de preços é fundamental aumentar a capacidade de produção, possibilitando atender ao crescimento da demanda, ação que está no horizonte de política econômica do governo atual. Há estimativas de que para que a economia brasileira cresça sustentadamente, a taxa de investimentos precisa estar pelo menos em torno de 20% do PIB (como crescimento não é obra do espírito santo, a China investe cerca de 43% do PIB em FBCF).
Do lado da oferta, a indústria como um todo cresceu abaixo do PIB, em 1,6%. Ademais, o crescimento do setor foi puxado pela indústria extrativa (especialmente petróleo e gás natural e minério de ferro), que expandiu 8,7% e pela indústria de serviços de utilidade pública como Eletricidade e gás, Água, esgoto, atividades de Gestão de Resíduos, que cresceu 6,5% no ano passado. A indústria de transformação, que é o setor que estimula o desenvolvimento tecnológico em toda a cadeia produtiva, recuou 1,3%, especialmente pela queda na fabricação de produtos químicos; máquinas e equipamentos; metalurgia; indústria automotiva. Justamente bens que utilizam mais conhecimento e tecnologia. Ainda do lado da oferta, o destaque do PIB foi a agropecuária, que expandiu 15,1% em 2023, alavancada pelo crescimento da produção de soja (27,1%) e milho (19,0%), que apresentaram níveis recordes de produção na série histórica.
Os dados do PIB pelo lado da oferta mostram um crescimento estruturalmente precário. Crescer e fazer superávit na balança comercial, obviamente é positivo. Mas o Brasil não deveria basear seu crescimento e saldo comercial em commodities e matérias-primas. É verdade que talvez nenhum país do mundo tenha tão grande capacidade de produzir commodities, quanto o Brasil. Mas também nenhum país pode aumentar seu PIB per capita e proporcionar uma vida melhor para o seu povo, sem desenvolver o setor industrial e serviços mais sofisticados. A história econômica mostra que os países subdesenvolvidos jamais se desenvolverão baseando suas economias na produção de alimentos para os países desenvolvidos. Além disso, quanto menor o peso da agricultura como percentual do PIB, menores são as possibilidades de crises de fome. O G20, por exemplo, que congrega os países mais desenvolvidos e industrializados do planeta, produz 80% dos alimentos no mundo.
É conhecido que as atividades exportadoras ligadas à indústria manufatureira levam a rendimentos crescentes dos produtores, têm preços mais estáveis, uma força de trabalho geralmente mais qualificada, salários mais ou menos estáveis, e oportunizam grande sinergia entre os setores da economia. Já as exportações baseadas em produtos primários e matérias-primas muitas vezes apresentam rendimentos decrescentes, preços extremamente flutuantes, normalmente utiliza trabalho com baixa qualificação e gera poucas sinergias entre os produtores.
Algumas análises têm destacado, corretamente, que o Brasil neste momento tem um grande potencial de desenvolvimento. Isso porque, além de todos os seus recursos naturais, se encontra geopoliticamente distante dos principais conflitos globais e mantém uma postura de neutralidade em um mundo cada vez mais conflagrado. Isso lhe garante uma vantagem geopolítica singular. Além disso, o Brasil tem também liderança na agenda global de sustentabilidade. Com uma matriz energética diversificada, incluindo fontes renováveis como a energia eólica, solar e hidrelétrica, o país se destaca por sua contribuição na batalha para a redução das emissões de carbono.
Sem dúvidas o Brasil tem todas essas potencialidades econômicas e é um país muito rico. Mas essa riqueza tem que estar a serviço da população e não ao serviço do sistema financeiro internacional, e das multinacionais em geral, cujas políticas são predatórias. Um exemplo direto é a comparação dos gastos previstos com a NIB (Nova Indústria Brasil), com as despesas com a dívida pública. Os investimentos previstos na NIB vão demandar em princípio R$ 300 bilhões em três anos, o que é um bom dinheiro (ainda que insuficiente). Por outro lado, em 2023 as despesas com juros totalizaram R$ 718 bilhões, ou 6,6% do PIB. Já imaginaram se o governo, ao invés de transferir essa fortuna para os especuladores, investisse o recurso em desenvolvimento econômico, indústria, e combate à pobreza? O problema da economia política, desde muito tempo, não é “o que fazer”. O que fazer já é mais ou menos conhecido entre os economistas e outros analistas dos fenômenos da sociedade. O problema, na verdade, é de correlação de forças, ou seja, ter força suficiente para fazer o que precisa ser feito.
A luta pela industrialização e pelo desenvolvimento não é uma questão de aplicar a melhor política econômica. O Brasil é o único país nas Américas que pode rivalizar com os EUA, enquanto potência, em função do tamanho da economia, da extensão do território e da sua população. O Brasil tem importante presença internacional, mas muito aquém do que poderia ter. Por exemplo, o país exportou US$ 339 bilhões no ano passado, a China exportou uns US$ 3,3 trilhões, 10 vezes mais.
A balança comercial brasileira registrou saldo recorde no ano passado, atingindo US$ 98,8 bilhões, as exportações também bateram recorde, alcançando US$ 339,7 bilhões em 2023, são os melhores resultados da série histórica iniciada em 1989. Apresentar saldo na balança comercial é muito importante: melhora as contas externas, oferece condições ao país de aumentar reservas externas, evita desvalorização cambial, tem resultados na contenção da inflação etc. No entanto, os principais itens exportados pelo Brasil no ano passado foram: soja, com 15,6% de participação no total; óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos, crus (12,52%); minério de ferro e seus concentrados (8,98%); açúcares e melaços (4,64%); óleos combustíveis de petróleo ou de minerais betuminosos (exceto óleos brutos) (3,9%). No caso dos EUA, a maior economia mundial, os principais produtos da pauta de exportação são: insumos industriais, aeronaves, autopeças, produtos de informática, automóveis, equipamentos de telecomunicação, equipamentos hospitalares, equipamentos para aeronaves, máquinas (principalmente para agricultura, mineração e construção), instrumentos científicos e semicondutores.
Uma das características dos governos neoliberais e entreguistas, especialmente nos países atrasados, é a implantação de políticas que conduzem à especialização em produção de commodities, renunciando à possibilidade de desenvolver a indústria e agregar valor aos produtos. Um dado simples mostra a sinergia existente entre agricultura e indústria: os 5 maiores produtores agrícolas do mundo são, pela ordem: China, EUA, Brasil, Índia e Rússia (essa lista é chamativa porque só os EUA não compõem no Brics). O que esses grandes produtores agrícolas mundiais têm em comum? O uso cada vez maior de tecnologias, a fim de aumentar a produtividade agrícola, assegurando o aumento da produção de alimentos sem precisar expandir na mesma proporção a área cultivada.
Nesses países a agricultura já é em boa parte, digital, com uso de máquinas autônomas, GPS, drones, sistema de inteligência artificial. O uso da tecnologia tem sido estratégico para os países garantirem a oferta de alimentos à população, além de tornar os produtos do campo uma importante fonte de receita. Por isso a existência de um setor industrial robusto é o que caracteriza os países que tem agricultura forte também.
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