A Faixa de Gaza tem uma população de mais de 2 milhões de pessoas e, mesmo que esvaziá-la não signifique deixá-la sem habitantes, o processo de expulsão acarreta despesas muito altas.
Alojar pessoas em locais habitáveis, com um mínimo de serviços, e dar-lhes meios de subsistência para que não vivam em uma situação dramática não está na agenda Trump-Israel, o que inevitavelmente levaria a uma explosão popular incontrolável.
Esvaziar Gaza significaria, em princípio, levar a população para o Egito e a Jordânia, os dois países árabes vizinhos da Palestina. Esses países têm altas taxas de pobreza.
No caso do Egito, o Banco Mundial coloca a taxa em torno de 30% da população.
No caso jordaniano, é de 15% e ressalta que um terço da população está em risco de vulnerabilidade.
O regime militar no Egito e o regime monárquico na Jordânia administram suas populações com mão de ferro. O descontentamento popular continua crescendo devido ao empobrecimento, à repressão e à posição política pacífica desses regimes em relação à causa palestina, ou seja, a causa central do mundo árabe.
A hipotética chegada de palestinos ao Egito e à Jordânia significaria colocar lenha na fogueira e seria a catálise em um terreno fértil que criaria instabilidade descontrolada.
Ambos os países, além disso, têm extensas fronteiras com o Estado sionista de Israel, de modo que essa situação pode levar à eclosão de ataques de todos os tipos, sem qualquer hierarquia organizacional, da Jordânia e do Egito contra Israel.
Não há como negar a experiência e a criatividade dos regimes do Egito e da Jordânia no desenvolvimento de seus métodos de repressão e controle populacional.
Mas no caso de um aumento acentuado da população – com a chegada dos palestinos – será necessária uma reconfiguração urgente dos serviços de segurança para controlar o caos, e isso também é uma despesa imensa.
O governo Trump não está disposto a assumir mais gastos no Oriente Médio, pois seu plano é manter a superioridade militar de Israel e direcionar suas forças para o Pacífico para enfrentar a China, entre outros objetivos.
Tudo isso nos leva a pensar que os regimes do Egito e da Jordânia não poderão apostar em um movimento perdedor que poderia terminar com a queda do poder despótico, seja diretamente após o levante do povo, seja indiretamente após perder uma guerra com um exército israelense mais bem armado.
O tecido social e as tribos beduínas
Na Nakba de 1948, a primeira fase da limpeza étnica da Palestina para estabelecer o Estado sionista de Israel, parte da população palestina se refugiou na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, controladas pelo Egito e pela Jordânia, respectivamente.
Naquela época, o Egito e a Jordânia não reconheciam Israel e estavam em estado de guerra com o regime sionista, então não havia outro problema senão derrotar Israel e devolver os refugiados às suas terras.
Já existiam laços familiares entre as populações da Palestina, Jordânia e Egito, relações que compõem o tecido social dos três países.
Nessas relações familiares encontramos outro “problema” que o regime militar no Cairo e o regime sionista em Israel enfrentariam: entre os territórios do Egito, da Faixa de Gaza e de Israel vivem seis tribos beduínas com relações de sangue: os Tayaha, os Tarabin, os Qatatwa, os Rmeilat, os Hanayra e os Sawarka.
Estima-se que as tribos beduínas representem 35% da população palestina da Faixa de Gaza e, portanto, uma expulsão forçada do povo palestino de Gaza para o Egito encorajaria uma reação dessas tribos na Península do Sinai, ao longo da fronteira com Israel.
Nesse caso, a linha de confronto com Israel se estenderia por mais de 200 km, em vez dos 47 km entre a Faixa de Gaza e o território controlado por Israel.
Manobras dos exércitos do Egito e da Jordânia
Após a eclosão da guerra em Gaza, o exército egípcio enviou duas divisões de infantaria mecanizada a 250 km de Gaza para controlar a rota para a Faixa e proibir o movimento de pessoas para a Palestina.
Foi uma ação destinada a bloquear um provável fluxo popular egípcio anti-Israel na Palestina. Após a declaração do Plano de Trump, as duas divisões, juntamente com o 101º batalhão de elite da força especial egípcia (Raio), foram enviadas para a mesma passagem de fronteira para bloquear a saída da Faixa para o Egito.
Os programas de entrevistas da Rádio do Exército de Israel, nos quais participam comandantes de alto escalão, continuam repetindo que o acordo de paz com o Egito é a conquista estratégica mais importante para Israel após a criação do Estado.
A instituição militar israelense está ciente da importância de “exterminar” o Hamas em Gaza e, em seguida, administrar os assuntos da vida da população palestina na Faixa para que o “terrorismo” não ressurja.
No caso da Jordânia, a situação não seria fundamentalmente diferente, pois estima-se que a população jordaniana de origem palestina constitua quase dois terços da população total.
Desde o início da guerra em Gaza, o exército jordaniano foi implantado ao longo da fronteira com Israel, e muitas manifestações antigenocídio em direção à fronteira foram reprimidas.
A Liga Árabe deixou claro que não quer o plano de Trump, porque simplesmente não quer refugiados ou problemas que coloquem em risco o poder de seus Estados.
Mussa’ab Bashir é intérprete-tradutor, jornalista e ex-preso político palestino.
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