Por Míriam Santini de Abreu, para Desacato.info.
A prefeitura de Florianópolis lançou a ação “Cidade para as pessoas” com três programas para valorizar o andar a pé na capital. São iniciativas, em resumo, de melhorar as calçadas, tendo o Centro como alvo da primeira etapa. A divulgação oficial destaca que o investimento público será pequeno porque a construção e padronização de calçadas, por exemplo, são de responsabilidade do morador. Os outros dois projetos incluem pinturas para ampliação dos passeios e instalação de parklets (mini-praças), que tem parceria privada. Hoje em dia é de bom tom o poder público afirmar que o dinheiro investido é pouco, mesmo quando é muita a pomposidade da ideia (Cidade para as pessoas) em um sistema no qual a cidade é mercadoria e tem, portanto, que dar lucro.
O jornal Notícias do Dia publicou texto sobre o assunto ouvindo o prefeito, dois gestores do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis e um representante da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL). Faltou uma visão crítica sobre a real efetividade dos programas para melhorar a vida do pedestre. Mas ela aparece, na mesma edição (21 de março), em outra notícia, intitulada “Perigo às margens da SC-401”, sobre a completa falta de estrutura para pedestres e ciclistas na rodovia Jornalista Manoel de Menezes, onde, no domingo (17/3), houve atropelamento com morte. A responsabilidade pela rodovia não é da prefeitura, é do Deinfra, mas as duas notícias em uma mesma edição revelam que não se resolve o problema com uma ou outra maquiagem bonita.
Fiz na internet uma pesquisa, a partir dos verbos “caminhar” e “andar” na cidade, para ver que relações sobre o tema aparecem na cobertura jornalística. Selecionei 13 notícias e reportagens de sites jornalísticos em diferentes regiões do país. Uma primeira constatação é que caminhar na cidade e andar a pé implicam a relação com a rua/calçada, e essa relação se desdobra em quatro possibilidades: 1-Risco (de cair, de tropeçar, pelas más condições das ruas e calçadas); 2-Dificuldade (impedimentos e barreiras físicas); 3-Medo (ameaça à integridade física e falta de segurança); 4-Descoberta (a cidade pouco conhecida ou desconhecida). Mas prevalece a associação com risco/dificuldade/medo.
Cabe destacar, deste conjunto de textos, o quanto, nas cidades brasileiras, o espaço urbano de fato não é a rua, dominada pelo ritmo imposto pela circulação de veículos, e sim a calçada, por onde circular pode gerar risco, dificuldade e medo, restringindo ainda mais a possibilidade de vida urbana. Assim, na cobertura jornalística, seria importante avançar na análise do papel do Estado neste modelo, no questionamento das políticas públicas de incentivo à mobilidade automotiva e mesmo no debate sobre o quanto a possibilidade do encontro social seguro restringe-se hoje aos espaços fechados e privados, como os shoppings centers.
No caso de Florianópolis, basta estar a pé na SC-401, na SC-405, com seu farto comércio dos dois lados da pista, e em tantas outras ruas e rodovias, para qualquer pedestre ou ciclista temer pela integridade física. A prefeitura diz que as mudanças para valorizar o espaço público irão começar no “coração” da cidade, o Centro, com posterior expansão. Vamos ver se, de fato, o pedestre passará a sentir menos risco e ter menos medo e dificuldade e experimentar mais a sensação de descoberta ao andar pelas ruas da cidade.
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[avatar user=”Miriam Santini de Abreu” size=”thumbnail” align=”left” link=”attachment” target=”_blank” /]Míriam Santini de Abreu é jornalista em Florianópolis.