O mundo com 10 bilhões de habitantes em 2053

população mundialPor José Eustáquio Diniz Alves.*

“Se a economia crescente do descarte e do desperdício imediato dos bens continuar, iremos entregar a Terra ainda banhada em sol apenas à vida bacteriana”
Nicholas Georgescu-Roegen (1969)

O mundo alcançou 1 bilhão de habitantes, aproximadamente, no ano de 1800. Duplicou para 2 bilhões em 1927. Na virada do milênio, no ano 2000, atingiu a cifra de 6 bilhões de pessoas e chegou a 7 bilhões em 2011. Relatório da Population Reference Bureau (PRB), divulgado em agosto de 2016, estima que a população mundial atingirá 10 bilhões de habitantes em 2053.

Em termos regionais, haverá um fosso demográfico e ritmos bem diferentes de mudança, com a população da África Subsaariana mais do que dobrando de tamanho, dos atuais 1,2 bilhão para os 2,5 bilhões em meados dos anos 2050, enquanto a Europa – mesmo com as imigrações – deve diminuir de tamanho e a América Latina deve alcançar o pico populacional e a estabilidade do crescimento em meados do atual século.

Não haverá mudança dos nomes dos 7 países mais populosos, mas haverá uma alteração na ordem de localização do ranking. A China deve perder cerca de 34 milhões de habitantes, passando de 1,378 bilhão em 2016 para 1,344 bilhão em 2050. A Índia vai passar de 1,3 bilhão para 1,7 bilhão no mesmo período (vai crescer cerca de dois Brasis). Portanto, a Índia vai ultrapassar a China e se tornará o país mais populoso do mundo.

Os Estados Unidos devem se manter no terceiro lugar. Mas a Indonésia que ocupa o quarto lugar atualmente deve cair para a quinta posição em 2050 e o Brasil deve perder o quinto lugar e cair para o sétimo posto no ranking dos países com maior volume de população. O Paquistão vai permanecer no sexto lugar, mas passando de uma população de 203 milhões de habitantes, em 2016, para 344 milhões em 2050. O maior salto será da Nigéria – que vai ganhar 3 posições – passando do 7º lugar para o 4º lugar, em empate com os Estados Unidos. A população da Nigéria que está atualmente em torno de 187 milhões deve pular para 398 milhões de habitantes em 2050.

Os Estados Unidos serão o único país desenvolvido a apresentar um crescimento demográfico significativo na primeira metade do século XXI, com um acrescimento de 74 milhões de pessoas entre 2016 e 2050 (a maior parte deste crescimento em função da imigração). Evidentemente, este processo vai agravar o impacto sobre a degradação ambiental dos EUA e pressionar ainda mais o déficit ecológico global.

Os EUA possuem atualmente uma Pegada Ecológica per capita de 8,2 hectares globais (gha) e biocapacidade per capita de 3,8 gha. A Pegada total está em torno de 2.610 bilhões de gha para uma biocapacidade total de 1.193,8 gha. Assim, a Pegada americana é 2,2 vezes maior que a biocapacidade, representando um déficit de 220%. Evidentemente, o modelo americano é insustentável e só sobrecarrega o resto do mundo.

Mas os países pobres e populosos também possuem alto déficit ecológico. A Pegada Ecológica total da Índia está em torno de 1,435 bilhão de gha, para uma biocapacidade de 560 milhões de gha, então a Índia apresentou grande déficit ambiental. A Pegada Ecológica total da India era mais do dobro da biocapacidade total e o déficit ambiental está crescendo e tende a aumentar com o crescimento demoeconômico do país. A Índia já é o terceiro maior emissor de gases de efeito estufa (GEE) do mundo e tem resistido muito em colocar em prática as metas de descarbonização do Acordo de Paris da COP-21, embora tenha prometido ratificar o Acordo de Paris no dia 02 de outubro, aniversário de nascimento de Mahatma Gandhi.

Dos 7 países em questão, apenas o Brasil possui atualmente superávit ambiental, com pegada per capita de 3,1 gha e biocapacidade per capita de 9,1 gha. A Indonésia tem pegada de 1,6 gha e biocapacidade de 1,3 gha. O Paquistão tem pegada de 0,8 gha e biocapacidade de 0,4 gha e a Nigéria tem pegada ecológica per capita de 1,2 gha e biocapacidade per capita de 0,7 gha. Portanto, só o Brasil está no verde e os demais países estão no vermelho do déficit ecológico. E o quadro vai ficar muito pior em 2050 quando o tamanho da população e da economia forem muito maiores.

De fato, o mundo está em uma encruzilhada, pois existem muitos países ricos que continuam consumindo além da conta e muitos países pobres, com populações crescentes, que precisariam de mais recursos para reduzir a pobreza e melhorar o padrão de consumo. Evidentemente, a redução das desigualdades de renda e riqueza (patrimônio) poderia aliviar as condições de subnutrição e subconsumo. Porém, mesmo numa situação hipotética de perfeita distribuição de renda a pegada ecológica média do mundo já é maior do que a biocapacidade média. O mundo tinha, em 2012, uma biocapacidade total de 12,2 bilhões de hectares globais, mas tinha uma pegada ecológica de 20,1 bilhões de hectares globais. Portanto, a pegada ecológica ultrapassava a biocapacidade em 64%. A humanidade já consome 1,64 Planeta e já se encontra no “cheque especial”, dilapidando a herança deixada pela Mãe Natureza.

A situação atual é insustentável. Por um lado, os países ricos (com cerca de 1,2 bilhão de habitantes) consome além do necessário para uma vida descente e digna. De outro lado, muitos países pobres e em desenvolvimento consomem aquém das necessidades para obter uma vida descente e digna, mas possuem populações enormes (como Índia, Paquistão, Nigéria, etc.) e, mesmo com baixo consumo per capita, possuem alto consumo agregado e incapaz de ser atendido pela biocapacidade nacional.

Tudo isto mostra que a escala das atividades antrópicas já ultrapassou os limites fundamentais da sustentabilidade e há, por exemplo, uma crise hídrica pela frente. O mundo já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta, gerando uma sobrecarga ecológica. Já ultrapassou também as fronteiras planetárias (Alves, 06/02/2015), inclusive o aquecimento global que é uma ameaça concreta e crescente. Para evitar o colapso ambiental é preciso reduzir a pegada ecológica e para evitar as injustiças sociais é preciso reduzir os níveis de desigualdade. Porém, a solução não pode ser o crescimento econômico ilimitado com crescente extração de recursos do meio ambiente. Crescimento econômico ilimitado é impossível diante do fluxo metabólico entrópico. Ao contrário, será necessário não só o decrescimento da população mundial, mas também o decrescimento do padrão de consumo médio das pessoas, com equidade social.

A modernidade urbano-industrial cresceu ampliando a acumulação de capital e incorporando matérias-primas, energia e gente no processo produtivo. O crescimento do capital físico e da população é vital para o sistema capitalista, assim como o sangue é vital para o vampiro. O sistema de produção hegemônico produz e distribui (não de maneira justa) bens e serviços, a partir da exploração da natureza e dos trabalhadores. Em troca, o capitalismo oferece para as pessoas “pão e circo”, mas para a natureza só oferece degradação, defloramento e lixo.

O ser humano não tem uma relação simbiótica com a natureza. As abelhas, por exemplo, sugam a seiva das flores, mas não as destroem. Ao contrário, elas são polinizadoras. Quanto mais abelhas tirarem sua subsistência das flores, mais flores nascerão do processo de polinização. Mas o ser humano tem uma relação parasitária com a natureza, pois para se multiplicar causa prejuízo a outras espécies e aos ecossistemas hospedeiros. A espécie humana é do gênero ectoparasita.

Mas independentemente de qual espécie for, uma regra básica deve ser respeitada e o parasita não pode matar o hospedeiro. Com o processo de globalização, a exploração desenfreada da natureza ultrapassou a capacidade de carga do Planeta. E o mais grave é que a destruição do meio ambiente continua em ritmo assustador no século XXI. Só há um Planeta vivo e ele está sendo assassinado e a caminho de se tornar estéril. O ser humano é um ectoparasita que está matando o seu próprio hospedeiro. Vive do parasitismo ecológico e está provocando um holocausto biológico. Mas deveria saber que o ecocídio é também um suicídio.

O relatório “Global Material Flows And Resource Productivity” (UNEP, julho de 2016) mostra que a extração de recursos naturais globais aumentou três vezes nos últimos 40 anos. A quantidade de matérias-primas extraídas do seio da natureza subiu de 22 bilhões de toneladas em 1970 para 70 bilhões de toneladas em 2010. O aumento do uso de materiais globais (input) acelerou rapidamente nos anos 2000. O crescimento na extração de recursos naturais passou de 7 toneladas per capita em 1970 para 10 toneladas per capita em 2010. A poluição, o lixo e os resíduos sólidos (output) aumentou na mesma proporção.

Nos últimos 20 anos, o mundo perdeu 3,3 milhões de quilômetros quadrados, ou quase 10%, das suas áreas de natureza não domesticada, isto é, regiões praticamente intocadas pela ação humana, segundo cálculo do periódico científico “Current Biology”. Trata-se de uma perda catastrófica da vida selvagem. Em artigo publicado na revista Science, o biólogo americano Samuel Wasser mostra que cerca de 50 mil elefantes africanos são caçados por criminosos a cada ano, para uma população de 500 000 indivíduos. Uma taxa de 10% ao ano pode levar rapidamente à extinção da espécie.

Artigo publicado no blog #SavetheTrees mostra que o mundo planta 5 bilhões de árvores por ano e desmata 15 bilhões de árvores. São duas árvores derrubadas para cada habitante da Terra. É um verdadeiro holocausto biológico debaixo dos nossos olhos!

O crescimento das atividades antrópicas se acelerou nas últimas décadas até o ponto de mudar a correlação de forças no Planeta, aumentando a proporção da presença humana (áreas ecúmenas) e diminuindo as áreas anecúmenas, a proporção das demais espécies e a biocapacidade. Herman Daly (2014) mostra que quando se passa do planeta antropicamente vazio para o planeta cheio as externalidades negativas tendem a superar os benefícios da produção. Ele diz: “Teremos, então, o que denomino crescimento deseconômico, produzindo ‘males’ mais rapidamente do que bens – tornando-nos mais pobres, e não mais ricos”.

Na mesma linha de pensamento, o sociólogo alemão Ulrich Beck, no livro “Sociedade de Risco”, considera que na modernidade desenvolvida (ou modernidade tardia) prevalece a lógica do perigo: “Não é a falha que produz a catástrofe, mas os sistemas que transformam a humanidade do erro em inconcebíveis forças destrutivas” (Beck, 2010, p. 8). Para Beck, a natureza não pode mais ser concebida sem a sociedade e a sociedade (e a população) não mais sem a natureza. A destruição da natureza passa “a ser elemento constitutivo da dinâmica social, econômica e política. O imprevisto efeito colateral da socialização da natureza é a socialização das destruições e ameaças incidentes sobre a natureza” (p. 98). Da mesma forma que Herman Daly distingue mundo cheio e vazio, Beck distingue dois momentos da modernidade: “O que estava em jogo no velho conflito industrial do trabalho contra o capital eram positividades: lucros, prosperidade, bens de consumo. No novo conflito ecológico, por outro lado, o que está em jogo são negatividades: perdas, devastação, ameaças”. (p.3).

Ou seja, tanto na perspectiva de Daly (2014) quanto de Beck (2010), a humanidade já ultrapassou a capacidade de carga e está explorando o meio ambiente a uma taxa mais alta do que a capacidade de regeneração natural dos ecossistemas. Neste cenário que necessita ser redirecionado, não custa lembrar as ideias do livro “O Declínio Próspero” de Howard e Elisabeth Odum (2013), que defendem o declínio das atividades antrópicas com prosperidade humana e ambiental. Não faz sentido aumentar o estoque de pessoas no mundo para correr riscos e agravar a crise ambiental. Neste quadro, seria irresponsabilidade as políticas públicas continuarem apoiando o crescimento demoeconômico e a ideologia antropocêntrica em detrimento da perspectiva ecocêntrica e da sobrevivência da comunidade biótica.

Por isto, o livro Enough is Enough (2010) mostra que uma economia em constante crescimento está destinada ao fracasso. Os autores consideram que a economia é um subsistema da ecologia e o transumo (throughput) funciona a partir da extração de matérias e energias da natureza e o descarte de lixo, poluição e resíduos sólidos no meio ambiente. Uma vez que vivemos num planeta finito, com espaço e recursos limitados, não é possível que a economia e a população cresçam para sempre. O livro defende uma economia de Estado Estacionário.

Mas se a economia e a população já ultrapassaram a capacidade de carga do Planeta, então deve haver decrescimento até o ponto que o Estado Estacionário mantenha um equilíbrio sustentável. Como escrevi em um outro artigo (Alves, 20/07/2016): “A natureza não depende da sociedade, a sociedade depende da natureza. O lema do debate sobre população e desenvolvimento no século XXI deveria ser: menos gente, menos consumo, menor desigualdade social e maior qualidade de vida humana e ambiental”.

Os direitos humanos devem estar em sintonia dialética com os direitos ambientais e o bem-estar das espécies não humanas. Friedrich Engels dizia que a dialética significa mudança e contradição. Ele falava também da transformação da quantidade em qualidade. Por exemplo, a água ao esquentar muda de estado do gelo para o líquido e do líquido para o gasoso. Fazendo um paralelo, a humanidade aumentou tanto a quantidade de intervenções antrópicas no Planeta que houve uma mudança qualitativa do superávit para o déficit ambiental. A partir de um certo grau de desenvolvimento econômico houve um ponto de mutação (state shift) e os danos ficaram maiores do que os ganhos. O abuso suplantou o uso no modelo de crescimento ilimitado e de progresso unidimensional.

Desta forma, é preciso um novo ponto de mutação em sentido reverso. Do crescimento demoeconômico para o decrescimento demoeconômico. A humanidade precisa sair do déficit ecológico e voltar ao superávit ambiental, resgatando as reservas naturais, para o bem de todos os seres vivos da Terra, pois o ecocídio significará também um suicídio para a humanidade. A atual escala da presença humana na Terra é insustentável. Aumentar ainda mais esta escala é irracional e arriscado. Assim, o raciocínio auto-evidente indica que é inviável manter o crescimento da população humana com base na redução populacional das demais espécies e no definhamento dos ecossistemas e da biodiversidade. É impossível uma espécie ser feliz sozinha!

Referências:

ALVES, JED. Os riscos ambientais e a queda da natalidade, Ecodebate, RJ, 20/07/2016

ALVES, JED. Fronteiras Planetárias 2.0, Ecodebate, RJ, 06/02/2015

Herman Daly, Economics for a full world, 2014

BECK, Ulrich. Sociedade de Risco. Rumo a uma Outra Modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010.

ODUM, Howard T; ODUM, Elisabeth C. O Declínio Próspero. Vozes, 2013

PRB. 2016 World Population Data Sheet, agosto 2016

The Alarming Truth Behind Deforestation #SavetheTrees, April 28, 2015

O’Neill, D.W., Dietz, R., Jones, N. (Editors), Enough is Enough: Ideas for a sustainable economy in a world of finite resources. The report of the Steady State Economy Conference. Center for the Advancement of the Steady State Economy and Economic Justice for All, UK, 2010.

*José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]

Fonte: EcoDebate

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