Por Francisco Fernandes Ladeira.
Um dos mitos mais difundidos no Ocidente diz respeito à chamada “democracia americana”, considerada “a maior do planeta” e “a terra da liberdade”. Mesmo se formos reduzir o conceito de democracia às eleições (o que, evidentemente, é um erro), constatamos facilmente que os Estados Unidos da América não são um “país democrático”, conforme apregoado mundo afora.
Na “maior democracia do planeta”, os eleitores não escolhem diretamente o presidente da República, pois esta função é desempenhada por uma assembleia (colégio eleitoral) formada por 538 delegados. Nem sempre a vontade popular coincide com as escolhas dos delegados. Além disso, os dois únicos partidos com reais chances de governar o país – Democratas e Republicanos – não se distanciam ideologicamente; ambos defendem, exclusivamente, os interesses do grande capital. A diferença é que os primeiros recorrem a procedimentos de pinkwashing para vender o partido como “progressista”.
Mas, como democracia não se resume a pleitos periódicos, dois acontecimentos recentes também nos ajudam a desconstruir o mito da “democracia americana”.
O primeiro acontecimento é o projeto de lei que aprova o banimento da rede social chinesa TikTok dos Estados Unidos, um grave atentado às liberdades de expressão e informação. O argumento para tal procedimento é a preocupação com a segurança nacional, já que as autoridades estadunidenses acreditam que o TikTok pode ter acesso aos dados sensíveis dos usuários no país e essas informações, consequentemente, serão compartilhadas com o governo da China. Dito de outro modo, só Washington pode ter a prerrogativa de espionar cidadãos de outros países (prática denunciada por Julian Assange, não por acaso, perseguido pela “democracia americana”).
Também vale destacar o fato de o TikTok – diferentemente de seus congêneres Instagram, Facebook e X – não censurar postagens que denunciam o genocídio do povo palestino realizado pelo Estado de Israel (principal aliado dos Estados Unidos no Oriente Médio). Assim, a causa palestina encontrou na rede social chinesa um importante espaço de divulgação. Logo, tudo o que contraria os interesses da política externa da Casa Branca deve ser sumariamente censurado. “Liberdade de expressão”, na suposta “terra da liberdade”, só vale quando se é favorável ao status quo.
O segundo acontecimento que refuta o mito da “democracia americana” também está ligado à geopolítica do Oriente Médio.
Conforme temos acompanhado nos noticiários, estudantes de diferentes universidades estadunidenses têm promovido protestos pacíficos contra o genocídio do povo palestino que, via de regra, são reprimidos de forma violenta pela polícia. Ou seja, na “terra da livre manifestação de ideias” só se pode manifestar se não for para contrariar os interesses do governo. Ao contrário da máxima mais citada pelos defensores da liberdade de expressão, o lema da “democracia americana” é: “posso não concordar com o que você diz, e defenderei até a morte para você não o dizer”.
Claro que o histórico antidemocrático estadunidense é bem mais amplo do que o banimento do TikTok e da repressão aos estudantes universitários. De acordo com Jill Lepore, no livro intitulado justamente como “O Mito da Democracia Americana”, “os preceitos democráticos dos fundadores da Nação [Estados Unidos] parecem ter ficado confinados apenas no papel”.
Entre outros exemplos que descontroem o mito da “democracia americana”, podemos citar as leis de segregação racial no sul do país, o patrocínio a golpes de Estado mundo afora, o apoio a ditaduras militares na América Latina, as inúmeras denúncias de fraudes eleitorais, os poderosos lobbies que influenciam as escolhas dos representantes no legislativo e executivo, a exploração de emigrantes e persistente violência policial contra negros e demais minorias sociais.
Diante disso, ainda há bolsonarista (seja por devaneio ou canalhice política mesmo) que acredita que os Estados Unidos vão nos “salvar” da “ditadura comandada pelo PT/STF” e restaurar a democracia brasileira. Como diz o meme: É verdade esse bilete. ´
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Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp e pós-graduando em Jornalismo pela Faculdade Iguaçu