A crise em torno da demissão do ex-ministro da Educação, Cid Gomes, anunciada em primeira mão pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, antes mesmo de qualquer comunicado oficial do governo, é pedagógica para se entender a dimensão da crise política do governo Dilma e os avançados sintomas de uma crise institucional de imprevisíveis consequências, especialmente se adicionado o “tempero” da operação Lava-Jato.
Por Fernando Silva.
Desde a derrota do governo na disputa da presidência da Câmara, a dinâmica de uma perda de maioria de facto de Dilma dentro da sua coalizão e, na prática, no Congresso Nacional tem se consolidado. Outros episódios significativos de fragilidade do governo foram a devolução da MP dos impostos pelo presidente do Senado e as concessões do governo para a aprovação da tabela do Imposto de Renda.
Mas os ventos das manifestações do dia 15, amplamente capitalizadas pela oposição de direita e a divulgação da pesquisa do DataFolha, que atestou o desabamento do apoio popular, abriram ainda mais os apetites dos chantagistas dos altos escalões parlamentares do PMDB – estes devidamente na alça de mira das investigações da operação Lava Jato, especialmente os presidentes do Senado e da própria Câmara.
Em resumo, o enfraquecido governo Dilma cede e cederá cada vez mais às chantagens do seu “aliado” principal. O episódio bizarro, na forma como se apresentou, da queda do ministro da Educação nos permite fazer a pergunta: quem exatamente está governando a essas alturas?
Afinal de contas, o vice-presidente, Michel Temer, começa a dar entrevistas elevando o tom, criticando uma eventual reforma ministerial, dizendo o que vai acontecer no Congresso, como, por exemplo, a manutenção do financiamento privado de campanha, que é parte do famigerado projeto de Reforma Política do PMDB.
Alienação e subserviência diante da crise
E não há qualquer perspectiva de que a presidenta e seu partido sejam capazes de dar um basta ao rosário de humilhações. Mesmo nesta semana, o governo insiste que o centro da sua política econômica será o ajuste. O ministro do mercado financeiro, Joaquim Levy, se dedicou a fazer reuniões com a bancada do PT para “explicar” o ajuste. E saiu aplaudido.
A coletiva da presidenta, no dia 16, manteve a defesa da política de contenção e o pacote anticorrupção ainda passa longe de mostrar que este governo seja capaz de uma mudança a bater de frente com corruptores e corruptos do Congresso Nacional.
É porque não pode, pois no seu partido e na sua base de sustentação repousam alguns dos principais beneficiados dos esquemas de financiamento privado milionário, oriundos dos “dutos” da corrupção nos negócios entre Estado e empreiteiras.
O problema de fundo, que está liquidando com a popularidade de Dilma (e a mantendo em certa redoma de alienação), é a crise econômica com a volta da inflação e a ameaça concreta de desemprego, fatores que já são suficientes para desgastar qualquer governo. E qual é a resposta do governo para enfrentar tal situação? Cortes de direitos trabalhistas, previdenciários, na educação, nos programas de moradia, além de elevação dos juros e tarifaços.
Bem, como o suicídio político a seco não parece ser uma boa explicação para esta resposta do governo, resta a constatação de que os 12 anos de mandatos petistas subordinados aos interesses do capital financeiro liquidaram com qualquer instinto dos governos do PT de contrariar os tais interesses. Não resta sequer alguma força para afrontar o fisiológico e corrupto sistema de financiamentos de campanha (e como poderia, se ninguém recebeu mais dinheiro das empreiteiras e outros grandes gigantes do capital que o PT?).
Vai ver os recentes episódios envolvendo o governo são parte de algum plano genial dos estrategistas do Planalto (que nossas mortais mentes não captaram) para esvaziar os protestos pelo impeachment, pois se cada vez mais as decisões forem sendo tomadas pelo PMDB, para que mesmo o impeachment?
Duas últimas observações para serem desenvolvidas em outros artigos.
Quando um dos representantes de uma oligarquia política e burguesa influente, como é o caso dos Gomes do estado do Ceará, acusa o Congresso Nacional de ter uns 300 ou 400 achacadores, é porque a crise política está grave e já mostra sintomas de uma crise institucional, corroendo algumas dessas instituições por dentro – o que expressa também um distanciamento abissal entre elas e a população.
De outro lado, este cenário de crise política nacional, combinada com uma gravíssima crise econômica e social, impõe que se constitua com visibilidade, e capacidade de ocupar as ruas, um campo alternativo de oposição de esquerda, unindo partidos e movimentos sociais.
As possibilidades para isso estão sendo mostradas na ascendente dinâmica de lutas sociais – greves, ocupações, bloqueios, passeatas – de diversos setores da classe trabalhadora e da juventude, que podem ter um protagonismo central nos próximos meses e dar as bases concretas para a disputa de uma saída política autenticamente de esquerda e progressista para o país.
Fonte: Correio da Cidadania