Por Viegas Fernandes da Costa.
Observando os números da eleição estadunidense, é prematuro dizer que o fascismo foi derrotado ou que tenha retrocedido. Na prática, a base eleitoral que apoia Trump aumentou em relação à última eleição. Afinal, foram mais de 70 milhões de votos. O que venceu a eleição foi a perspectiva de uma frente anti-fascista. Provavelmente, fosse outra a conjuntura, Biden não teria sido eleito.
Biden representou uma espécie de movimento “ele não”. Mas a serpente continua chocando seus ovos e por isso não podemos nos iludir. A vitória de Biden é uma vitória do liberalismo econômico e pode frear o avanço do autoritarismo no Ocidente por algum tempo, mas não tem força para colocá-lo em xeque.
Na França, as últimas declarações do presidente Macron, em resposta aos recentes atentados terroristas, lembraram as declarações da extrema direita Marine Le Pen. No Brasil, ainda que pese o entusiasmo sobre a vitória de Biden, que surpreendentemente aproxima figuras como Rodrigo Maia e Flávio Dino, nada indica que o fascismo anauê perca espaço com a ação popular de despejo de Trump da Casa Branca (e é importante observar que a Casa Branca continuará branca no final das contas, apesar da passagem de Obama, apesar da vice-presidência de Kamala Harris).
O que elegeu Trump foi o desencanto com a política, refletido na abstenção e na pulverização dos votos em candidaturas alternativas, mas o fascismo não era maioria nos EUA em 2016, assim como não foi no Brasil em 2018. Também no Brasil, Bolsonaro se elegeu na força do desencanto.
Assim como nos EUA, também por aqui a serpente espalhou seus ovos, que chocam nas intervenções em institutos e universidades federais, nos golpes parlamentares em Assembleias Estaduais, nos retrocessos das políticas sociais e culturais, nos conchavos entre Judiciário e Executivo, na violência do Estado contra as populações marginalizadas, na tribuna transformada em altar.
Não há tempo para ilusões. No Brasil estamos em meio àquela que pode ser a eleição municipal mais importante desde o fim da ditadura militar. Muito mais do que a eleição estadunidense, será o resultado das eleições municipais que nos dará a dimensão do desafio que as forças progressistas teremos para 2022. Mas se há algo para aprendermos com a eleição de Biden e Harris nos EUA, é que o fascismo tem muitos votos, mas não tem mais votos que a soma daqueles que não são fascistas.