O direito ao lazer popular em SC precisa de praias saudáveis. Por Raul Fitipaldi.

Engordar a praia se vê. Vírus, contaminações, poluição contínua, nem tanto, salvo quando milhares de pessoas passam mal, todas juntas e na mesma temporada.

Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.

A ideia de que as praias do litoral catarinense são visitadas só nas férias, ou em feriados longos de estados e países vizinhos, é excludente. Uma praia pública, aberta e em condições sanitárias e de segurança corretas é uma chance de encontro e lazer o ano todo para as classes mais desfavorecidas da sociedade. O fato de estarmos posicionados numa latitude subtropical permite esse ganho para a população que tem escasso acesso ao turismo, ao lazer e à cultura.

Um litoral belo como o catarinense não é só uma chance de lucro para hotéis, restaurantes, postos de gasolina, shoppings e grandes espetáculos de nível internacional. Durante quase todo o ano é uma oportunidade de desafogo e saúde para uma parte grande da sociedade privada de tudo.

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Claro que isso precisa da infraestrutura mínima que permita o direito de todas e todos termos esse desfrute. Se, por exemplo, a passagem de ônibus continua proibitiva para usar o transporte coletivo de passageiros para algo mais que ir e vir do serviço, pro pobre não vai dar. Se a poluição e a contaminação viram marca indelével da nossa orla, quando já amplos setores da sociedade não tem saneamento, ninguém vai querer arriscar a ficar doente e gastar o dinheiro que não tem na tentativa de passar um bom momento. Se a segurança (iluminação, vias de acesso, serviço de salva-vidas, chuveiros públicos e outros) é limitada, ruim ou nenhuma em períodos de baixa temporada, para as classes desfavorecidas o litoral catarinense não passa de um “sonho de uma noite de verão”, parafraseando William Shakespeare.

A respeito da situação e qualidade das nossas praias, em artigo elaborado pelos professores Paulo Pagliosa, prof. de oceanografia e ecologia da UFSC, Alessandra Fonseca, profa. de oceanografia e geografia de UFSC, Paulo Horta, prof. de biologia e ecologia da UFSC (e colunista do Portal Desacato) e Lucas Zimmermann, do curso de pedagogia da UDESC, e publicado neste portal: https://desacato.info/a-polemica-que-envolve-o-engordamento-e-a-poluicao-das-praias/ afirmam que “há um consenso generalizado sobre a necessidade de despoluir as praias e garantir o espaço nas areias para o turista e para o comércio.”

No entanto, o consenso mencionado não parece ter respostas concretas e que contemplem a diversidade de usuários e usos dessas belezas naturais. Segundo os autores do artigo “todo o problema existente é e foi gerado pelo modo como historicamente compreendemos o que é uma praia e como ela nos serve. Valorizamos edifícios em detrimento à praia, colocamos o interesse particular de poucos acima do bem comum e permitimos uma forma de uso da praia que impede que as gerações futuras a desfrutem da mesma forma que nós”. Pelo que expus no parágrafo anterior pretendi deixar claro que esse “nós” que colocam os professores, há um bom tempo é só “alguns”. Alguns que podem pagar transporte coletivo, que podem comprar água mineral e levar alimentos para passar uma linda jornada à beira do mar.

A solução “engordamento” das praias para ganhar território ao mar e que mais cidadãos e cidadãs possa desfrutar do passeio, que em princípio para os leigos pareceria louvável, segundo os professores da UFSC e da UDESC citados, “tenta mascarar a erosão preenchendo a praia com areia. O processo de erosão surge a partir de um componente local relacionado com a nossa forma de ocupação da praia e, sobretudo, do fenômeno de grande escala das mudanças climáticas, fruto da nossa forma de ocupação do planeta”.

Lamentavelmente, ano após ano, vemos que os gestores públicos mascaram aquilo que não é facilmente visível. Porém, o essencial é invisível aos olhos, não é Zé Perri? Engordar a praia se vê. Vírus, contaminações, poluição contínua, nem tanto, salvo quando milhares de pessoas passam mal, todas juntas e na mesma temporada. A lógica continua a mesma, calço ruas e avenidas, libero prédios luxuosos mas, saneamento básico, isso que não se enxerga a olho nu, é fácil de NÃO fazer.

Paulo Horta e seus colegas afirmam que “estamos imobilizando a areia das dunas e restingas que são a fonte primária de areia que mantém a praia como ela é.” E isso só vai piorar, porque há várias décadas que os gestores, associados às elites retrógradas que gerenciam as cidades, berram que os ambientalistas e as pessoas que defendem a proteção da natureza são contra o progresso. E a poluição que nos assombra numa enorme lista de praias catarinenses é, para os professores, “uma questão política, sanitária e ambiental relacionada com o esgoto”. E é, mas não só.

Nas permanentes reformas do capital, sejam urbanas o agrárias, há uma constante na genética das elites do lucro: a exclusão e a destruição. A exclusão de quem não pode pagar, comprar, alugar, divertir-se e a destruição exaustiva praticada por quem acumula dinheiro, luxo e riquezas além do que a justiça, a solidariedade, o sentimento mínimo de igualdade, o clima, a natureza e a lógica de supervivência recomendam e permitem. Para as futuras gerações de ricos, visitas à Lua, praias desertas em qualquer oceano, hotéis cuidados por exércitos de seguranças, restaurantes fechados e exclusivos onde, como já vimos, se pode comer carne banhada em ouro. Para as futuras gerações dos explorados, talvez, juntar latinhas de cerveja na praia, como registrou nas redes sociais a colega Dagmara Spautz, em Itajaí.

Edição e publicação: Tali Feld Gleiser

Raul Fitipaldi é jornalista e cofundador do Portal Desacato e da Cooperativa Comunicacional Sul.

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