Por Elissandro Santana, para Desacato.info.
Chegou a hora de entendermos que na Biosfera nada se dá de forma isolada, que os grandes biomas do mundo se comunicam ou se inter-relacionam de alguma forma e que nossas ações, como pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, em qualquer parte do Planeta interferem diretamente na dinâmica ecológica local-global.
A existência exige conexões, tal fato é consenso em todas as áreas, em especial, na ambiental, e para ampliar essa noção, podemos partir de algo bem simples, como: é sabido que parte da poeira do Saara, todos os anos, alimenta a Floresta Amazônica, fertilizando-a, o que faz com que percebamos que os desertos são espaços de vida e não áreas mortas como alguns acreditavam, que as florestas precisam deles, que em um mesmo Bioma podem existir diversos ecossistemas ou micro ecossistemas e assim a grande teia da vida vai se costurando, tecendo e construindo.
Já que tudo está em rede, podemos dizer que não existe mais essa de problema ambiental local, pois esta concepção está ultrapassada. Tudo o que acontece em qualquer nação interessa a todo o planeta e isso nos leva a entender que existe uma geopolítica das questões ambientais, geopolítica esta que tem ocorrido sem muita responsabilidade ou de forma conflituosa entre alguns países, o que não é bom para ninguém.
A pandemia pelo SARS-COV-19 é um excelente exemplo para que pensemos essa tal geopolítica ambiental, pois ela, da forma mais dura possível, nos provou que o que acontece em Wuhan (China), o que ocorre na União Europeia, nos Estados Unidos, o que se dá na Palestina, no Chile, no Oriente Médio, na Índia ou em qualquer outra parte do Globo afeta a todos/as, direta ou indiretamente, mas, infelizmente, poucos possuem essa compreensão, fator que dificulta ações em rede e soluções que sejam costuradas a partir de várias vozes, multinacionais, nações e governos, já que a responsabilidade é de todos.
Problemas como degelo no Ártico, na Antártica ou nas grandes cadeias montanhosas, pontos que eram e ainda são muito importantes para a dinâmica do clima global, enchentes e secas na África, na Ásia ou na América Latina, incêndios nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália, na Europa ou em outros países, tudo deveria ser preocupação para todos os governos e povos do mundo, pois prejuízos ambientais em uma parte do globo podem desencadear efeitos em outras partes, como numa espécie de tabuleiro de dominó em que se uma peça cai contrária à seguinte, provavelmente, derrubará as demais que estão à frente.
A metáfora acima, infelizmente, ainda não é entendida em profundidade por todos/as, tanto que, mesmo em pleno século XXI, ainda predomina em parte de muitas nações uma visão equivocada sobre as responsabilidades, fruto, talvez, de uma percepção fragmentada, como se o problema ambiental fosse sempre do outro, estivesse além, do outro lado, a quilômetros, fator que inviabiliza, no sentido profundo, a concepção de que tudo faz parte de uma teia da existência. Desconectados/as, muitas nações se isolam em seus casulos de desejos e realidades locais e, no máximo, por alguns instantes, a partir da virtualidade, se conectam com as dores dos demais, que também serão delas em algum momento. Distantes, mesmo sabendo que estão todos no mesmo planeta, pensam que o problema nunca chegará e, mesmo se isso acontecer, elas estarão preparadas. Assim vão construindo ilusões e sedimentando alienações no que se refere ao meio ambiente e à vida em geral em uma dimensão político-econômico-cultural em crise.
O grande paradoxo da atualidade é que, mesmo diante da sociedade em rede, já que o XXI nos proporciona conexões em várias frentes e linhas, no plano financeiro, econômico, cultural e social, ainda, em alguma medida, somos seres desfragmentados, na base, e nessa desconexão reside parte dos nossos males, pois já deveríamos ter despertado para o fato de que tudo se conecta, se entrelaça e, por isso mesmo, todas as questões ambientais afetam a tudo e a todos/as. Nessa desconexão, sem dúvida, há algumas explicações para certos comportamentos políticos e sociais de descaso com o outro, com a dor e com o desespero alheio, basta vermos a falta de compromisso profundo nos acordos climáticos e nas discussões sobre conservação e preservação em nível global. E seguimos. Marchamos sob a égide boba dos capitalistas que, em muitos momentos, tentam se pintar de verde para nos darem a impressão de que as mudanças estão sendo feitas.
Enquanto isso, as mudanças climáticas seguem a todo vapor causando desarranjos ambientais em várias partes do globo, e mesmo com tanta informação acerca desse problema gerado, em parte, pelas ações antrópicas, em meio a um sistema financeiro e econômico cuja lógica tem sido o crescimento a qualquer custo, dependendo da nação, em menor ou maior grau, seguimos alienados com comportamentos ingênuos, ignorantes, maldosos ou descomprometidos. Alienados, em português, em inglês, em espanhol, em árabe ou em outras línguas, diante das adversidades e dos desastres, clamamos por algum Deus, por alguém que venha nos salvar. Idiotizados, não compreendemos as causas geradoras de nossos males e angústias, que somos responsáveis por muitos de nossos problemas, como espécie e como apoiadores de sistemas políticos, econômicos, financeiros e culturais insustentáveis que não levam em consideração a dimensão da vida.
Nossos problemas precisam ser resolvidos entre todos/as da grande comunidade planetária, a partir do diálogo entre nações, governos e povos, mas para que isso aconteça precisamos de mais horizontalidades e menos verticalidades discursivas. As grandes conferências sobre meio ambiente e clima provaram o poder da geopolítica para caminhos que poderão resolver parte dos problemas, mas pouco ainda se concretizou em relação aos acordos firmados e, pior, muitos acordos ainda precisarão ser costurados devido à omissão de muitos governos de nações poluidoras.
Enfim, é evidente que cada nação deve fazer a própria parte e exigir também que as demais façam o dever de casa, mas isso não deve ferir, em nenhum momento, a autonomia e a soberania de cada país e povo. De jeito nenhum isso deve acontecer. Cada nação não pode mais perder de vista que todos os povos, nações e governos fazem parte de uma grande comunidade planetária. Essa consciência é importante para outros rumos e horizontes e se isso não acontecer continuaremos desfragmentados e desfragmentando a vida, a existência, criando conflitos e destruindo sem nos responsabilizarmos ou, pior, culpando os outros.
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Elissandro Santana é Professor da faculdade Nossa Senhora de Lourdes, mestrando em Conservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável, pela ESCAS – IPÊ, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.
A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
Maravilhoso o texto!
Muito obrigada por essa reflexão.
Muito bem esclarecido!
Por outro lado, temos que disseminar cada vez mais a Responsabilidade individual para agregar a necessária Realidade e a consciência coletiva, iniciando pela Sustentabilidade Pessoal, tão fundamental para que todas as outras dimensões da Sustentabilidade aconteçam, pois já há tempos estamos empurrando, cobrando de lá pra cá, essas ações governamentais, dos gestores públicos e privados, quando de cá para lá também é imprescindível a conduta e atitude cidadã de cada um, pois ainda é visto como algo apenas dependendo dos políticos, sendo que esses representam parte dessas pessoas e a muitos também lhes faltam conhecimento de causa e interesse pessoal, mesmo que já tenhamos milhões de pessoas que já o fazem, o que é um alento, pois são sementes que estão germinando.