Por Roberto Liebgott.
Parece contraditório, mas não o é. O inquilino do Planalto criou um jeito esperto de governar, desgovernando. Ele e sua equipe especializaram-se em promover confusão e desvio de rota política para atender aos interesses do capital. Quando tudo parece bem para a população, lá se cria um problema institucional. E quando há, entre eles, desacertos quase insolúveis, eles forjam uma dor de barriga e soluço para internarem o motoboy palaciano. E tudo se acalma, o sistema flui, as medidas extremas acabam sempre aprovadas.
Mas lá vem ele de novo, recebe alta, com ódio e rancor esbraveja contra as urnas eletrônicas, acusa as eleições de fraude. Promove debate sobre o voto de papel, aquele mesmo das verdadeiras fraudes e do cabresto, o voto de duas vias, para ser monitorado e cobrado.
Enquanto isso, a boiada passa pela porteira aberta, aprovam a privatização dos correios, a grilagem de terras públicas, o desmonte dos direitos indígenas e quilombolas.
Mas isso só não basta e o desgoverno mostra sua força e entra em cena, atacam-se os Poderes, ameaçam-se as instituições e acendem a fogueira da intervenção. Militares ficam eufóricos, a final, para alguma coisa eles servem, meter medo na população.
Ministros do Judiciário se unem, todos gritam, esbravejam ditadura nunca mais. Fogo de palha, fumaça da distração, tudo para a boiada passar e corroer os direitos individuais e coletivos.
O desgoverno é tática para que o centrão não deixe de governar. Para Sarney, moribundo, voltar a falar em democracia, FHC repudiar ameaças e até o Temer veio a público discursar como um bom estadista.
Tudo distração para a boiada passar e eles, os de sempre, os do topo da pirâmide, faturarem com a especulação financeira e a depredação ambiental.
E os outros, os de baixo, padecendo numa pandemia mortal, cloroquinada, cheia de covas e de sequelados.
O desgoverno faz prosperar o sistema financeiro, estabelece a desregulamentação do emprego, da educação, da saúde, da segurança. Estabelece a fome, a miséria, a dor e a desesperança.
Eles, do desgoverno, são o latifúndio armado, incendiário, desmatador e grileiro.
Eles são o agronegócio de grãos para bois e de ossos para o sopão dos pobres, sem legumes e sem feijão.
O desgoverno do motoboy do Planalto não veio para ficar, mas para mostrar que o amanhã ainda pode ser pior.
Porto Alegre, 07 de agosto de 2021.