Por Maurício dos Santos, para Desacato.info.
“Educar é um ato político”. A frase é de Paulo Freire. Suas obras, reproduzidas em várias línguas, são referências internacionais no campo da pedagogia e do pensamento filosófico. Propõe pensarmos em uma estratégia de ação, junto com os movimentos sociais, em que o respeito a diversidade de saberes e conhecimentos, predomine nas relações interpessoais.
Os ensinamentos de Paulo Freire reverberam ainda hoje nos movimentos populares pelo Brasil e pelo mundo. A educação popular como uma das bases da militância, é um dos anseios que motivam a luta de nossa entrevistada desta terça-feira, 12/06/2017.
Há toda uma ação de extrema direita conservadora muito forte e o campo da educação, nesta situação em que vivemos hoje, tem sido o campo em que ainda há resistência progressista. Tal fator nos fez sugerir à Luciane Carminatti apontar alguns caminhos pelos quais ela se debruça diariamente – na disputa política, nas discussões parlamentares e em suas observações como educadora e cidadã.
Uma parte dos meios de comunicação de massa, infelizmente, aderiu a uma visão golpista e direitista, enquanto na educação temos ainda iniciativas de professores e educadores que tentam formar o pensamento crítico. É por esse viés que atua a educadora Luciane Carminatti – acima de tudo, uma professora apaixonada por pessoas e pela dinâmica de compartilhar saberes plurais. Vinda do oeste catarinense, Luciane não se cansa de sonhar. Mas prefere lutar, com os discursos poéticos de quem defende uma sociedade justa, plural e igualitária. Quem observa seus debates acalorados na ALESC – Assembleia Legislativa de Santa Catarina, logo percebe que a deputado estadual nasceu para defender a causa mergulhadada no amor.
Militante do Partidos dos Trabalhadores – única sigla a qual Luciane foi filiada em toda sua trajetória pública e política, a parlamentar preside a Comissão de Educação, Cultura e Desporto com base na escuta profunda aos múltiplos segmentos das artes e cultura. A democracia acompanha a trajetória da deputada, é seu maior escudo. Em 2016 foi escolhida pelas companheiras e companheiros do PT para representar o coletivo na disputa à Prefeitura Municipal de Chapecó (reduto em que petistas já tiveram passagem sob o comando das administrações de José Fritch, ex-ministro do Governo Lula, e Pedro Uczai, atual deputado federal).
A experiência eleitoral à majoritária pode não ter sido a melhor no resultado numérico, porém a campanha traduziu um sentimento mais do que simbólico: pela primeira vez uma “mulher educadora”, que apresenta, prioritariamente, as pautas das mulheres/direitos humanos/justiça social, esteve na agenda principal em uma eleição. A vitória subjetiva foi, sem dúvidas, da candidata oposicionista – que incluiu temas ainda não discutidos numa disputa ao executivo chapecoense.
Há exatos oito anos atrás, na primeira eleição da vida de uma mulher à presidência da república no Brasil, a catarinense Luciane iniciara a campanha que iria protagonizar sua entrada ao cenário estadual. Chegou a hora da própria legisladora analisar, através da entrevista a seguir, seus dois mandatos em prol de uma educação pública libertadora, de qualidade e humanizada.
1 – O PT Nacional lançou a plataforma ELAS POR ELAS, que estimula candidaturas de mulheres para todos os cargos eletivos, nas próximas eleições gerais. Qual é a expectativa dessa plataforma em Santa Catarina?
Lançar a plataforma Elas por Elas é uma continuidade de toda política interna do Partido dos Trabalhadores e é também resultado do protagonismo das mulheres petistas. Ou seja, o PT tem uma história de discussão do empoderamento das mulheres, no sentido de conquistar espaços de poder. Essa plataforma vem dentro dessa construção. O PT foi pioneiro no debate de 30% de vagas para mulheres nos cargos eletivos, foi pioneiro ao discutir uma política de formação para as mulheres, foi pioneiro ao designar no mínimo 50% dos cargos de direção nas executivas e diretórios municipais e estaduais. A paridade de gênero nos espaços de direção é também uma construção do PT.
A plataforma Elas por Elas vem ao encontro dessa construção histórica do PT, que elegeu uma mulher, a única mulher, presidenta do Brasil. É preciso lembrar que Dilma sofreu um golpe também por ser mulher. Elas por Elas significa dizer que nós não queremos apenas preencher as vagas, mas precisamos efetivamente fazer o debate da democracia brasileira. Significa dizer que em Santa Catarina precisamos ter mais deputadas federais, estaduais, senadoras, prefeitas e vereadoras. Queremos ainda protagonizar o debate do empoderamento das mulheres e do enfretamento a todas as formas de violência contra a população feminina. Não há democracia sem a participação das mulheres nos espaços de decisão.
2 – Por que é importante estimularmos mais professores a tomarem frente e espaço na política?
O profissional da educação constrói conhecimento e a partir do seu olhar, constrói uma visão de mundo com os seus alunos. Há duas vertentes nesse processo, uma que é a da manutenção do status quo, ou seja, de aceitar a sociedade como ela é, sem compreender que é possível construir uma outra sociedade. Significa um jeito de olhar para os conhecimentos e para os conteúdos escolares com certa omissão política e cidadã. Esse é um jeito de dar aula, com perfil de um professor tradicional. Mas há outro profissional de educação, que compreende que conhecimento é poder, e quando seus alunos têm mais acesso ao conhecimento, à informação e, acima de tudo, exercitam a capacidade de análise e síntese, constroem uma outra realidade. Por isso, é fundamental que o professor também se enxergue como sujeito político, porque todas as decisões são políticas. Conscientes ou não, elas são políticas.
Portanto, o profissional da educação que não compreende a sua manifestação, o jeito de construir conhecimento e como ele se relaciona com o mundo e com os problemas sociais, não contribui na construção de um sujeito transformador. O resultado é a formação de um cidadão que utiliza as ferramentas do conhecimento para mudar a realidade ou um sujeito pacificador que aceita as condições que estão dadas. Ou seja, a educação é fundamental para abrir consciência e para construir o entendimento sobre a realidade e lutar por um mundo mais justo e solidário.
3 – 8 anos depois de sua primeira eleição para Deputada Estadual, quais as suas principais conquistas como Deputada?
As principais conquistas vão na dimensão de que temos levantado o debate das diferentes violências que as mulheres sofrem. Fomos protagonistas quando desencadeamos um processo de debate sobre a violência doméstica, saindo da capital e buscando compreender como se dá em cada região os processos de coronelismo e mandonismo local, que impedem as mulheres de se colocarem nos espaços de decisão. Realizamos 12 seminários regionais, ouvindo experiências positivas de enfrentamento à violência, mas também percebendo que, silenciosamente, há grande dificuldade das mulheres se construírem por uma série de fatores culturais, estruturais, educacionais e econômicos. Nesses encontros, as mulheres agricultoras e camponesas estiveram no centro do debate da violência. Sempre se discute a delegacia da mulher, que está na cidade, o Disque 180 é mais acessível às mulheres urbanas, os centros de atendimento, os juizados, ou seja, mecanismos que estão distantes das mulheres do campo. Elas estão ainda mais solitárias e distantes dos equipamentos públicos. Esses seminários resultaram em diversas ações que desafiam o poder público a olhar com mais atenção para as mulheres vítimas da violência.
Outra marca do nosso mandato é fazer a defesa dos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores, seja na luta contra a Reforma Trabalhista e da Previdência, seja no debate do fortalecimento do SUS, da aposentadoria e de condições dignas de trabalho.
A educação teve voz ativa no parlamento catarinense, desde a luta por creche, por escolas melhores, mais bolsas de estudo para os jovens e pela valorização dos profissionais da educação. Outros setores importantes, como a cultura, a assistência social e a economia solidária também ganharam espaço para a defesa de suas demandas, urgentes, mas esquecidas muitas vezes pelos governos. Acima de tudo, nossa luta no parlamento sempre esteve pautada no compromisso de trabalhar por uma vida mais digna à população catarinense, estando presente nos municípios e nas comunidades, ouvindo a mensagem das ruas.
4 – O que na sua opinião está tão diferente de 2010, quando você foi eleita para o primeiro mandato na ALESC, em relação às próximas eleições, em Santa Catarina?
O Brasil de 2010 tem vários aspectos diferenciados do Brasil de 2018. Nesses últimos anos, estamos vivenciando um desmonte dos processos de decisão política, um desmonte veloz e cruel da Constituição Federal, dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras como nunca antes se viu. Nesses últimos anos, estamos perdendo as condições institucionais do Estado Democrático de Direito. Nos perguntamos o que de fato vale e o que não vale da Constituição, porque muitas cláusulas até então tidas como pétreas estão sendo relativizadas pelo Supremo Tribunal, que deveria ser o Guardião da Constituição. Essa instabilidade política gera uma instabilidade democrática e, da mesma forma, um afastamento do povo de todos os processos que envolvem a política. O que mais nos indigna e nos deixa aflitos é visualizarmos as pessoas desistindo da política, sem se darem conta de que quando a gente desiste da política desiste também da disputa dos espaços de poder. Como consequência, a população que mais precisa abre mão dos espaços de luta e de defesa dos seus direitos. Permitimos que o grande poder, o poder hegemônico, não abre mão porque tem clareza do que está em jogo, do ponto de vista de seus interesses pessoais e corporativos. Nos parlamentos, a maioria dos eleitos é representante das classes dominantes. Ou seja, o grande capital constrói uma tese na mídia, na Justiça e em seus aparelhos ideológicos de que todos são iguais e de que a política não vale a pena. Por outro lado, apostam na política, apostam na representação política. Então, o que mudou nesses oito anos, além da perda constante de direitos e também da democracia, eu diria que uma das maiores perdas é a desistência da política. O afastamento e a fragilização argumentativa com que as pessoas estão construindo suas teses e suas verdades, ao absurdo de enxergar como solução nacional uma intervenção militar, sem ter presente os aspectos basilares de entendimento como, por exemplo, aonde a ditadura militar deu certo, aonde uma intervenção militar deu certo no mundo. E deu certo para quem? E como você, por meio de uma intervenção militar, constrói democracia, desconcentra renda, cobra de quem deve e põe na cadeia quem merece? Ou seja, acredita-se numa autoridade que não existe, com poderes absolutos, e para isso se coloca em xeque todo uma construção ainda muito primária da nossa democracia. É extremamente relevante se considerarmos essas mudanças nesses últimos anos. Temos um país ainda mais desigual, políticas públicas fragilizadas e um retrocesso do ponto de vista constitucional.
5 – Sabemos que temos muitos desafios no que tange a Educação pública. Quais seriam, nesse momento, os mais difíceis para a categoria, e que você se propõe a enfrentar, como liderança, militante e pré-candidata a Deputada Estadual?
Um dos desafios na educação hoje é o acesso ao ensino médio. Temos em torno de 30% entre evasão escolar e matrículas que não se realizam. Ou seja, os jovens estão afastados do ensino médio, e há uma importante missão de trazer de volta o estudante para concluir essa etapa da educação básica. Outro desafio é reverter o processo de desmonte do currículo da educação básica. A prioridade que está valendo hoje é a do mercado: o currículo está voltado à formação de mão de obra e de trabalho. Dessa forma se justifica um ensino fragmentado, com prioridade para o português, matemática e inglês, tratando outras disciplinas com menor relevância. Como vamos enfrentar esse desmonte? O terceiro desafio é a valorização do magistério. Há em curso um processo de desmonte da carreira do profissional de educação, apesar do avanço da lei do Piso nacional do magistério. Ainda assim, não temos hoje um piso básico para a graduação, mestrado e doutorado. Outra preocupação é a implementação do Plano Nacional de Educação que constantemente sofre ataques. Inclusive estamos vivenciando uma ofensiva do Ministério da Educação de rever as metas do PNE para baixo. Isso significa enorme retrocesso na conquista da educação como um direito fundamental. São desafios que exigem forte articulação dos profissionais da educação, da sociedade e das autoridades, que a todo tempo usam em seu discurso a educação como referência. No entanto, as prioridades financeiras e de investimentos deste governo ilegítimo de Temer não priorizam este setor. Como enfrentar este tema num país em desmonte, que aprovou uma proposta de emenda constitucional, congelando por 20 anos os investimentos em educação? Não são poucos os desafios e nem são apenas da classe política, mas são de toda a sociedade. É por isso que minha luta não para em defesa da educação pública e de qualidade.