O curioso caso do não. Por Guigo Ribeiro.

Imagem de Ernie A. Stephens por Pixabay.

Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.

O curioso caso do não começa com letras gigantes no céu anunciando a nova decisão. De curioso em curioso, alguém berrou que não podia mais nada no lugar, lugar até então conhecido como Reino do Sim.

– Mas não pode não poder. E se ninguém saber? – disseram.

Para tanto, sem resposta, os minutos posteriores evidenciaram o que seria desespero. Ordens do governo.

E fixadas em todo canto para que nenhum espertinhos ousasse não saber.

Não poderia rir ou chorar.

Comer de boca aberta ou fechada.

Não poderia nada e ponto final.

Não poderia dar tchau nem oi.

Não poderia deixar para depois ao passo que não poderia pressa.

Não poderia essa nem aquela lá.

Não poderia beijar nem mão dada.

Não poderia nada nem tudo.

Todos acharam um absurdo o não poder.

Ainda mais sabendo que tudo isso não foi avisado na tv.

– Espera. Eu tenho uma questão…

– Guarde no coração pois não dá pra ter. – disse um homem da lei.

Que estranho, esquisito.

Uns sentiam já ter visto isso enquanto outros não.

Para mais pontos de interrogação:

– Pode dormir sem hora pra acordar?

– Posso ter um lugar que chame de meu pra morar?

– Não! Não!

Um desavisado riu da multidão.

Preso, avisaram que não podia rir não.

Inconformados, pediram uma explicação:

– Quem concordou com essa decisão?

O homem da lei avisou que não tinha que concordar.

O homem da lei disse que era para aceitar.

E mostrou sua arma.

Todos ficaram apavorados, e pediram calma.

Cientes do problema, o que fazer?

Aceitar ou morrer?

Uma senhora muita sagaz saiu de casa com um chá quente na mão.

Gritou para ser ouvida:

– Qual a questão?

E foi respondida:

– Gritar não pode não. Não pode quase mais nada.

Sagaz que era, teve uma bela ideia.

Para enterrar o não, só no caixão da contradição.

– Me diga o que pode.

O homem da lei ficou em dúvida.

Não sabia e respondeu sem saber.

– Pode não poder.

A senhora riu e ofereceu um gole de chá.

O homem da lei não quis aceitar.

– É de coração. Pra esquentar esse coração gelado.

– Quero não! Quero não!

– Pois veja a contradição. Você não pode dizer não.

– A lei me autoriza!

– A lei te autoriza?

– A mim e mais ninguém

– Tudo bem!

Muito esperta, usou a decisão ao que quis.

– É proibido dizer não e você vai aceitar. É proibido falar alto, vai continuar?

– Não se meta que te prendo. Só o meu não tá valendo.

– Deixe-me continuar. Vocês vão me acompanhar? – olhando o povo.

Todos disseram sim e seguiram com ela:

– Quero sua farda. Sua arma. Sua autoridade. Me dê que tenho vontade.

– Não! Não! Não!

– Mas é proibido dizer não. Não gosta de leis, valentão?

E o povo avançando no homem da lei. O agora cagado homem da lei.

– Parem que faço bobagem. Tenho permissão e coragem.

– Nós também!

Sob uma liderança da senhora, a glória. O “rei” nu.

– Me deixem. Vou sumir.

– Vá para onde NUNCA mais saibamos de ti.

E foi. Todos riram o fato.

Não sem antes serem alertados:

– Comemorem e gravem como se faz porque amanhã com certeza terá mais! – entrando para terminar o chá.

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Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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