O comércio internacional de droga e a lavagem de dinheiro

 Por Valentin Katasonov.*

lavagem

Em 01 de janeiro de 2014 a Rússia assumiu a presidência do Grupo dos Oito (G8), um clube internacional que une os governos da Grã-Bretanha, Alemanha, Itália, Canadá, Rússia, EUA, França e Japão. Os países participantes do G8 representam cerca de 50% do PIB mundial, 35% das exportações mundiais e 38% das importações. A 40ª cimeira do G8 será em Sochi, Rússia, dias 4-5/Junho/2014. A Rússia propôs para a cimeira uma agenda na qual o comércio internacional de droga está no topo da lista.

Lavagem de dinheiro: A ligação entre o comércio da droga e os bancos

A questão do comércio da droga é extremamente vasta. Por regra, as organizações criminosas envolvidas neste comércio trabalham em quatro áreas principais:

a) assegurar a produção e o processamento de drogas e levá-las à rede de distribuição por grosso;

b) organizar as vendas de drogas através de redes grossistas e retalhistas, entregando-as a consumidores finais e recebendo cash pelas mercadorais;

c) legalizar o cash recebido, que é “lavado” injectando-o no sistema bancário e transformando-o em dinheiro não-cash;

d) depositar o dinheiro em contas bancárias em vários sectores da economia legal, completando o processo de lavagem do dinheiro.

As actividades do comércio de droga pressupõem sua estreita interacção com bancos, os quais recebem o dinheiro sujo. Por vezes a máfia da droga utiliza bancos sem o conhecimento do banco, mas isto habitualmente verifica-se quando pequenas quantias de cash são injectadas no sistema bancário. No caso de somas significativas e transacções regulares, a máfia da droga negocia directamente com banqueiros para a cooperação a longo prazo. Durante a última crise financeira ocorreu uma situação única: os próprios bancos começaram a procurar contactos com a máfia da droga e a lutar por absorver dinheiro “sujo” como meio de salvarem-se da bancarrota…

Os conceitos de “dinheiro sujo” e “lavagem de dinheiro”

A expressão “lavagem de dinheiro” foi utilizada pela primeira vez na década de 1980 nos EUA em relação às receitas do comércio de drogas para designar a transformação do dinheiro obtido ilegalmente em dinheiro legal. Foram propostas muitas definições deste conceito. Em 1984, o presidente da Comissão sobre Crime Organizado, dos EUA, utilizou a seguinte descrição: “Lavagem de dinheiro é o processo de ocultar a existência, a fonte ilegal ou a aplicação ilegal de rendimentos e o disfarce daquele rendimento para fazê-lo parecer legítimo”.

No direito internacional, uma definição pormenorizada da legalização (“lavagem”) de rendimentos de actividades criminosas e uma lista de tipos e meios de tal legalização está contida na Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito em Drogas Narcóticas e Substâncias Psicotrópicas, de 19/Dezembro/1988, a qual influenciou muito o desenvolvimento de legislação relevante em países ocidentais. A Convenção de Viena, de ONU, de 1988 declarou a lavagem de dinheiro recebido do comércio ilegal de droga como um crime, mas o desenvolvimento do crime organizado levou a um aumento do rendimento de organizações criminosas de outras espécies de crimes (tráfico humano, prostituição, tráfico de órgãos humanos, comércio ilegal de armas, extorsão, possuir secretamente substâncias radioactivas ou outras especialmente perigosas, etc). Uma parte deste rendimento também começou a ser lavado e investido na economia legal.

A Convenção do Conselho Europeu Nº 141 “Sobre lavagem, investigação, captura e confisco das receitas do crime”, datada de 8/Novembro/1990, declarou que acções relacionadas com a lavagem de dinheiro recebido não só do comércio de droga como também de outras espécies de actividades criminosas, serem crimes. Diferenças na legislação de países individuais residem principalmente na lista de acções das quais procedem os fundos a serem legalizados. Nas leis de alguns países, todas as receitas recebidas durante o cometimento de qualquer violação criminosa é definida como dinheiro “sujo”; em outros, só receitas recebidas em consequência de tais violações criminosas são assim definidas; em outros ainda, mesmo rendimento ligado a violações civis e administrativas é considerado “sujo”. Num certo número de países o dinheiro recebido como suborno (corrupção) também cai na categoria de dinheiro “sujo”.

O comércio da droga é o principal fornecedor de dinheiro sujo para o sector bancário

A mais completa avaliação das receitas do crime organizado à escala mundial está contida num relatório do Gabinete das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (United Nations Office on Drugs and Crime, UNODC) de fins de 2011 chamado Estimativa de fluxos financeiros ilícitos resultantes do tráfico de droga e outros crimes organizados transnacionais (Estimating Illicit Financial Flows Resulting from Drug Trafficking and Other Transnational Organized Crimes). [1]

De acordo com este relatório, todas as receitas criminosas no mundo todo em 2009 montavam a cerca de US$2,1 milhões de milhões, ou 3,6% do PIB mundial. O relatório contém uma estimativa mais restrita que inclui apenas receitas do crime organizado internacional. No relatório isto significa tráfico de drogas, contrafacção, tráfico humano, tráfico de petróleo, fauna selvagem, madeira, peixe, arte e propriedade cultural, ouro, órgãos humanos e armas pequenas e ligeiras. Receitas que, na opinião dos autores, estão ligadas primariamente ao sector nacional não foram incluídas nestas estimativas. Isto inclui receitas de fraude, arrombamento, roubo, saque, empréstimo extorsivo ou venda de protecção, etc. Segundo o relatório, receitas do crime organizado transnacional chegam a aproximadamente US$875 mil milhões, ou 1,5% do PIB global. Dentre os tipos de actividade criminosa transnacional, o comércio de droga está em primeiro lugar: segundo o relatório, representa pelo menos a metade de todas as receitas, isto é, quase US$450 mil milhões, ou 0,75% do PIB global. O comércio de droga é uma espécie de crime organizado altamente internacionalizada: mais de 90 por cento de toda “mercadoria” é consumida fora dos países onde é produzida.

Em publicações sobre a questão do comércio mundial de droga também há outras avaliações dos volumes do comércio de droga. A estimativa mais conservadora é de US$400 mil milhões e a mais alta de US$1,5 milhão de milhões. Se bem que o relatório da ONU declare que o comércio de droga representa aproximadamente a metade de todas as receitas do crime organizado à escala mundial, outras fontes citam números muito mais elevados – 70% e ainda mais alto [2] .

tabela 1

Tabela 1. Estimativa de receitas de actividades criminosas nos EUA, US$ mil milhões (3)

A tabela acima apresenta estimativa de receitas de actividades criminosas em geral e receitas do comércio de droga nos EUA. Ali a fatia do comércio de droga no total de receitas da actividade criminosa é mais baixa do que no mundo em geral. Há mesmo uma tendência rumo a uma redução relativa no nível das receitas do comércio de droga. Mas isto significa que em outras partes do mundo, especialmente na periferia do capitalismo mundial, os números para as receitas do comércio de droga são mais altos do que a média mundial. Exemplo: no Afeganistão, que agora se tornou o principal fornecedor de drogas do mundo, as receitas da produção e exportação de drogas ultrapassam 50% do PIB do país. No vizinho dos EUA, o México, segundo estimativas conservadoras, a receita do comércio de droga chega a 2-3% do PIB.

Nenhum outro tipo de actividade criminosa chega aos pés do comércio de droga em termos de volume absoluta de receitas ou de lucratividade. Exemplo: segundo estimativas do Federal Bureau of Investigation (FBI) dos EUA, as receitas anuais do tráfico humano ilegal em todo o mundo em meados da última década equivaliam a US$9 mil milhões. Segundo estimativas do World Wildlife Fund o volume de tráfico ilegal de fauna selvagem em meados da década passada equivalia a US$6 mil milhões e a taxa de lucro neste negócio estava em segundo lugar após o comércio de droga, oscilando entre 500 e 1000 por cento.

Para onde vai o dinheiro “sujo”

Qual é o destino do dinheiro recebido de actividades criminosas? Parte do dinheiro sujo permanece na economia “negra” na forma de despesas pelo pagamento de trabalhadores na esfera criminosa, pagamento de “mercadoria” (drogas plantadas por agricultores>), compras de armas, etc. O dinheiro sujo pode fluir de um sector da economia “negra” para outro. Exemplo: receitas do comércio de droga podem ser investidas no comércio de armas ilegais, prostituição, tráfico humano, etc. Contudo, a maior parte do dinheiro sujo é lavada; isto pode ser feito ou no país onde o dinheiro foi recebido ou fora dele. No relatório UNODC acima mencionado é observado que mais de 3/4 do dinheiro sujo recebido de todos os tipos de actividade criminosa e 2/3 do dinheiro sujo recebido de actividades criminosas transnacionais é lavado.

tabela 2

Tabela 2. Estimativa à escala mundial de receitas de actividades criminosas e lavagem de tais receitas, 2009 [4]

Quanto ao nível da lavagem de dinheiro sujo do comércio de droga, estimativas na literatura variam de 60 a 80 por cento. No relatório UNODC este número é fixado em 62% para receitas do comércio da cocaína. Convém observar que o nível de lavagem de dinheiro do comércio grossista de cocaína era muito mais alto do que aquele do comércio a retalho: 92 e 46 por cento respectivamente.

Isto não é de surpreender. As receitas dos comerciantes (traders) grossistas podem chegar a milhões e dezenas de milhões de dólares; essa espécie de dinheiro precisa ser investida em algo, e para investimento precisam de dinheiro “limpo”. Os lucros dos comerciantes individuais a retalho são uma ou duas ordens de grandeza menores. Uma parte significativa deles vai para utilização pessoal (se não forem para compras especialmente grandes) e parte retorna à economia “negra”. Os comerciantes a retalho geralmente não retiram um montante significativo do seu dinheiro para fora da economia “negra”; o dinheiro sujo permanece ali em circulação constante.

O relatório UNODC menciona algumas estimativas relacionadas com o negócio mundial da cocaína. Uma análise dos números mostra que:

1) a maior parte do uso de droga faz-se fora dos países que a produzem;

2) a grande maioria dos lucros deste tipo de negócio forma-se fora destes países;

3) uma parte significativa do dinheiro recebido do comércio de droga é lavada fora dos países nos quais as drogas são consumidas.

De acordo com o relatório, em 2009 o volume de vendas a retalho deste tipo de droga equivalia a US$85 mil milhões, enquanto os lucros brutos dos comerciantes (grossistas e retalhistas) era de US$84 mil milhões (isto é, os custos directos da produção de cocaína estavam ao nível de aproximadamente US$1 mil milhões). A grande maioria dos lucros brutos foi recebida na América do Norte (US$35 mil milhões) e Europa Ocidental e Central (US$26 mil milhões). Nos lugares onde a cocaína é produzida (América do Sul, incluindo países da Bacia do Caribe) foram recebidos lucros de US$3,5 mil milhões, isto é, 4 por cento do total dos lucros brutos do comércio à escala mundial neste tipo de droga.

31/Janeiro/2014

(1) Estimating Illicit Financial Flows Resulting from Drug Trafficking and Other Transnational Organized Crimes. United Nations Office on Drugs and Crime. Vienna, October 2011.

(2) M. Glenny, por exemplo, perito em crime organizado internacional, estima a fatia do comércio de droga em 70%.

(3) Peter Reuter. Chasing Dirty Money – the Fight against Money Laundering. – Washington 2004, p. 20; ONDCP, What America’s Users Spend on Illegal Drugs, Washington D.C., December 2001, p. 3. World Bank. World Development Indicators (WDI), 2011.

(4) A tabela foi compilada utilizando dados do relatório: Estimating Illicit Financial Flows Resulting from Drug Trafficking and Other Transnational Organized Crimes. United Nations Office on Drugs and Crime. Vienna, October 2011.

[*] Economista.

O original encontra-se em www.strategic-culture.org/

Fonte: http://resistir.info/

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