‘O ataque a mim se transformou em um ataque à uma causa’, diz Maria do Rosário

Por Fernanda Canofre.

Até o mês de setembro de 2017, o Rio Grande do Sul registrou 68.142 roubos e 13.547 roubos de veículos. No ano passado inteiro foram 87.633 casos de roubos e 17.640 envolvendo carros, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Na última quarta-feira (27) à noite, foi a vez da deputada federal Maria do Rosário (PT) entrar para as estatísticas. Quando saía de casa com o marido, na zona norte de Porto Alegre, ela foi abordada por três homens armados. Os criminosos levaram o carro e todos os pertences do casal. Ninguém se feriu.

Nas redes sociais, no entanto, o episódio serviu como munição para atacar a parlamentar que é conhecida pelo trabalho com direitos humanos. Mensagens desejando que ela fosse “estuprada com violência”, “levada para o fundo do inferno”, “sequestrada”, “que algo pior tivesse acontecido”, “que ela tivesse levado um tiro”, “pena que não foi um latro”, “que venham muitos e muitos assaltos (…) para ela sentir na própria carne”, “te detesto deputada”, se espalharam junto com a notícia.

A seção gaúcha da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) chegou a lançar uma nota de repúdio aos ataques sofridos pela petista. “A OAB repudia veementemente toda e qualquer manifestação de ódio, não podendo deixar de se manifestar na defesa da dignidade da pessoa humana. (…) a Ordem, como entidade apartidária e representante da cidadania, não pode se calar em situações de desrespeito e incitação de violência à mulher”, diz o texto.

Rosário decidiu não se manifestar publicamente sobre o ocorrido. Ela gravou apenas um vídeo agradecendo o apoio recebido e a corrente que tentava desmentir boatos ligados ao seu nome, ainda inédito. O próximo passo será buscar na Justiça a responsabilização por incitação à violência e apologia ao estupro em pelo menos 126 comentários coletados.

Neste sábado (30), a deputada aceitou conversar com o Sul21 sobre o episódio e sobre o que ele representa no atual cenário do país:

Sul21: Como aconteceu o assalto?

Maria do Rosário: Foi na saída de casa, na frente de casa, à mão armada. Levaram o veículo, levaram tudo. Foi rápido, mas eu percebo que não tem nada de diferente do que acontece todos os dias, com milhares de pessoas que são vítimas de violência.

Sul21: Qual foi a tua reação ao se deparar com os comentários na internet?

Maria do Rosário: Como eu estava saindo de viagem, todos os meus eletrônicos foram roubados, fiz o primeiro contato com a Brigada Militar e depois com a família. Não interagi da mesma forma com a internet nos últimos dias. O que vale a pena dizer é o seguinte: eu tenho uma vida muito comum, muito igual a de todas as pessoas. Com família, com filha, com marido, com amizades e no meu entorno as pessoas sofrem muito com isso. Isso me incomoda. Essas manifestações que se movem pelo ódio, me atingem e atingem todas essas pessoas. Mas eu, pessoalmente, não acredito que o mal desejado aconteça. Eu tenho uma fé inabalável na proteção. Meu objetivo é neutralizar. Durante muito tempo eu vivi uma situação mais forte de abalo, me sentia humilhada por determinadas palavras que eram usadas. E eu desenvolvi mecanismos pessoais de auto-proteção, me convencendo de que o trabalho que eu realizo é importante, que as ideias que eu carrego são justas. Cheguei à conclusão que eu tenho que seguir fazendo meu trabalho, porque se existem pessoas que agem assim, é necessária uma mudança cultural.

Sul21: Tu és um dos maiores alvos de rumores falsos que circulam nas redes. Como tem tentado combater isso?

Maria do Rosário: Eu já tentei várias formas de combate, formas técnicas de abordagem. A melhor forma que encontrei, veio espontaneamente, que é contar com milhares de pessoas que fazem esse combate diariamente porque sabem que é mentira. Elas tentam esclarecer e enfrentam isso sem nem me conhecer pessoalmente. O lado dos que constroem esse ambiente de ódio se move por pessoas que aderem a essa posição, mas também por robôs, por estruturas pagas para a construção desses boatos, de notícias falsas. Eles se movem de forma planejada, criaram aquelas manifestações contra a presidenta Dilma. Isso tudo é muito planejado. Comigo começou também de forma planejada, a partir do contraponto aos deputados fascistas. Eu vejo isso articulado. E houve uma disseminação utilizando um discurso reacionário e destrutivo, que é ser anti-direitos humanos.

Sul21: Tu também tens buscado resolver essas questões na Justiça e tens ganhado várias das ações. Entre elas, uma contra o deputado Jair Bolsonaro (PSC), outra contra o apresentador do SBT, Danilo Gentili. O que isso sinaliza?

Maria do Rosário: É extremamente importante, porque é educativo. Neste momento, por exemplo, existe um médico no interior do Paraná que está cumprindo prestação de serviço à comunidade. [O médico, um psiquiatra, afirmou em um programa de televisão que a deputada deveria ser “internada” por seis meses e deixada sem comunicação]. Há no interior de São Paulo também outro pagando em serviços comunitários, são vários em todo o país, não é um ou dois. Um deputado de Minas Gerais que me chamou de “vaca”, ele mesmo pediu ao Ministério Público para fazer uma retratação pública.

Sul21: Tu estuda fazer o mesmo com os comentários de agora?

Maria do Rosário: Eu vou entrar judicialmente, vou processar sim. Eu já passei para os advogados, eles já estão analisando, para que a gente possa se mover com total segurança. Em geral, os pronunciamentos são de incitação ao crime, danos morais, há uma série de fatores. O que acho que é importante dizer é que vivemos no Brasil, sobretudo no atual período de retrocessos políticos e culturais, um ataque desproporcional às posições progressistas dentro da sociedade. A forma de movimentação deste golpe político também se deu fortalecendo um conservadorismo e um fundamentalismo de toda a espécie. O discurso contra os direitos humanos está organizado vertebrando esses dispositivos. O ataque a mim se transformou em um ataque pessoal mas, na verdade, é um ataque à uma causa. Essa causa que reconhece a universalidade de direitos a todos os seres humanos é maior que qualquer pessoa, por isso me sinto forte, não me sinto fragilizada.

Sul21: Como tu vê a pauta de direitos humanos em um momento como este?

Maria do Rosário: A agenda de defesa dos direitos humanos no Brasil é a que mais sofre os retrocessos. Ela diz respeito à dimensão política, aos direitos políticos, civis, sociais, econômicos e culturais. Quando existem retrocessos em todas essas áreas, os direitos humanos estão sendo violados. Milhares de pessoas estão voltando à situação de miséria sem que exista uma mobilização de resposta contra isso. Foram expedidas leis como a reforma trabalhista, decretos como o do trabalho escravo, que retiram direitos e nos fazem retroceder muitos anos.

Sul21: Tu és parlamentar há 24 anos, defendendo essas mesmas pautas. Achas que essas reações pioraram nos últimos anos?

Maria do Rosário: Tem a ver com a Comissão Nacional da Verdade, porque enfrentamos setores mais reacionários das Forças Armadas, que tem representação parlamentar. Tem a ver com a proteção de direitos das crianças e adolescentes. Porque existem aqueles que querem retirar direitos das crianças e adolescentes que são pobres, que são negros, que vivem nas periferias. Tem a ver com a questão LGBT. Esses setores fascistas são, em geral, racistas, homofóbicos, elitistas, contra os imigrantes. Por isso que eu digo, são ataques de caráter pessoal, mas são motivados por uma causa.

Sul21: Em resposta aos ataques, se formou uma corrente de postagens lembrando projetos que tu aprovaste na Câmara, um deles pedindo aumento da pena para crimes de lesão corporal e homicídio contra policiais. Pode comentar essa pauta das polícias dentro da defesa pelos direitos humanos?

Maria do Rosário: A segurança pública é um direito humano. Ela precisa ser pública, sob responsabilidade do Estado, para que todos tenham acesso ao mesmo direito. Por que esses setores fizeram um trabalho de destruição dos direitos humanos no meio das polícias? Porque nós enfrentamos a corrupção e a violência policial. Eu, por exemplo, acompanhei de perto o caso do assassinato de uma juíza, no Rio de Janeiro, chamada Patrícia Accioli. Ela colocava policiais, que tinham aderido ao tráfico de drogas e às milícias, na cadeia. Por considerar que eles estavam contra seus colegas, inclusive. Por acompanhar aquilo, entregar um prêmio à Patrícia Accioli in memorian, por cobrar que não se permitisse a impunidade e ter 13 policiais condenados. Também enfrentamos [na época em que era ministra na Secretaria de Direitos Humanos], a participação da polícia de Goiás em desaparecimentos de pessoas em situação de rua, jovens e adolescentes. As polícias precisam ser separadas da violência, polícia é pra preservar uma sociedade contra a violência. A desmilitarização das polícias, a segurança pública, um plano da atuação policial para redução de homicídios no Brasil, o fim dos autos de resistência, o tratamento para policiais que entram em confronto direto, tudo isso significa proteger os policiais de membros que podem aderir ao crime, garantir os direitos deles, trabalhar para que eles tenham salário adequado, tenham sua previdência e tenham tratamento médico e psicológico. A gente defende a polícia, mas enfrenta abusos e policiais que se envolvem com crime.
Aliás, aproveito para agradecer o trabalho da Brigada Militar e da Polícia Civil gaúcha que em nenhum momento tiveram qualquer preconceito, apesar destes que fomentam o preconceito. Toda vez que um policial honesto tiver sua vida dependendo de um que não é honesto, ele pode contar conosco.

Fonte: Sul21

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