O assassinato da Justiça no Brasil. Um golpe no golpe?

Pode um Tribunal Superior Federal (STF) num país como o Brasil funcionar e julgar como se nada tivesse acontecido, depois de que pelo menos três generais, um deles o atual chefe do Exército, advertissem publicamente que se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fosse preso, se veriam “obrigados” a dar um golpe militar?

Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Por Stella Calloni.

Depois de uma tentativa de assassinato contra o ex-presidente, ocorrida na semana passada, no Paraná, o general Luiz Gonzaga Schoereder Lessa disse à imprensa ameaçadoramente que se o STF não conduzisse Lula à prisão, induziria o país à violência, o que exigiria uma intervenção militar, ou seja, um golpe de Estado.

Também o general Paulo Chagas disse que “nosso objetivo (das forças armadas) é evitar que se modifique a lei e que o chefe de uma organização criminosa, condenado a 12 anos de prisão, circule livremente, pregando o ódio e a luta de classes”. Com clara conotação de Guerra Fria.

Como se ainda faltasse alguma coisa, poucas horas antes da abertura da sessão do STF, o chefe do Exército, general Eduardo Villas Boas, afirmou que sua força “compartilha o anseio de todos os cidadãos de bem de repudiar a impunidade”. Mais diplomaticamente, porém, a ameaça é a mesma.

Qualquer magistrado minimante decente ou simplesmente apegado à lei deveria negar-se a estar sentado num Tribunal, posto que diante de tal ameaça perdeu toda sua autoridade. Além disso, se tratava de uma ameaça de golpe, um golpe dentro do golpe que já foi perpetrado.

O golpe de Estado midiático, jurídico, parlamentar ocorreu em agosto de 2016 quando a então presidenta Dilma Roussseff foi destituída por uma conjunção de meios de comunicação com a rede Globo na cabeça; uma Justiça manejada por juízes que há tempos trabalham para Estados Unidos, como Sérgio Moro, cumprindo o papel que lhe assignaram; um Parlamento majoritariamente corrupto, que sem provas destituiu a mandatário, que culminou num golpe de Estado.

Em maio de 2016, Rousseff tinha sido separada de suas funções, e o vice-presidente Michel Temer assumiu, e, sem que ninguém se opusesse, mudou os ministros, o que não podia fazer, porque estava apenas substituindo a presidenta enquanto durasse o julgamento. Não obstante, tomou medidas de forma ilegal, todas contra o povo e os trabalhadores, e mais, medidas que feriram gravemente a soberania no Brasil, como a entrega das grandes jazidas petrolíferas (pré-sal), tirando-as do controle da Petrobras. Esta empresa, como todas as estatais, foram vítimas de espionagem, como os governos de Lula e Dilma, o que foi revelado pelas denúncias documentadas do ex-agente de Segurança estadunidense, Edward Snowden.

O juiz que perseguiu Dilma e Lula, Sérgio Moro, é um dos tantos juízes ou funcionários da justiça cooptados por Washington, que de fato, agora mantém uma espécie de Escola das Américas para policiais e agentes da justiça em El Salvador. A sentença de Moro contra Lula é uma monstruosidade jurídica, já que — como no caso de Dilma — não existe nenhuma prova no processo pelo qual foi condenado, o que o converte num refém político, não do Brasil, mas agora de Washington, favorecido pelo ex-informante do Comando Sul de EUA, o atual presidente Michel Temer.

O esquema estadunidense de infiltrar-se nas estruturas do judiciário da América Latina surgiu como metodologia de trabalho de contra-insurgência dos planos estratégicos para a região, criados nos anos 1990, para serem aplicados nos primeiros anos do século XXI. Propunha um novo modelo: “as Democracias de Segurança Nacional”, em substituição às ditaduras de Segurança Nacional, que converteram num cemitério a América Latina do século XX.

A “democracia” planejada nos encontros na sede do Comando Sul, não passavam de ditaduras encobertas para manejar os Conflitos de Baixa Intensidade no Século XXI. Dispersar o Comando Sul de sua sede na Zona do Canal do Panamá, mediante instalação de bases e estabelecimentos militares subordinados a esse comando nos territórios estratégicos da América Latina, foi outra das decisões para acabar com a rebelião no continente, atacar o projeto de integração e controlar diretamente no melhor dos estilos colonial da região.

No caso do juiz Sérgio Moro, que estudou direito na Universidade Regional de Maringá, e em seguida entrou em contato com Estados Unidos participando de um programa “especial” para formação de advogados, nada menos que na Harvard Law School (Estados Unidos).

Além disso participou do “Programa para Visitantes Internacionais”, organizado em 2007 pelo Departamento de Estado estadunidense, especializado na prevenção e combate à lavagem de dinheiro. Durante esse curso, realizou visitas a diferentes agências de Estados Unidos, entre elas as de inteligência como a CIA e o FBI.

Os Estados Unidos já tinham previsto que para “controlar” a região, devia infiltrar as estruturas do poder judiciário, além de se apropriar da maioria dos meios de comunicação de massa, ou pelo menos controlá-los, através de associações multimilionárias. No caso dos Legislativos, o controle se conseguia através da cooptação ideológica de legisladores e corrupção.

O juiz Moro também foi treinado para análises de crimes financeiros, e em delitos realizados por grupos de criminosos organizados e depois disso passou a ser um homem a serviço de Washington.

É um entre tantos magistrados que trabalha em conjunto com algumas das fundações estadunidenses e suas organizações não governamentais (ONG) que invadiram silenciosamente a América Latina, desde o início dos anos 1980 até hoje. Denunciamos durante os governos de Lula e Dilma que o Brasil estava sendo alvo de intensa espionagem por Estados Unidos, especialmente das grandes empresas. Estas estavam na mira dos agentes já há muito tempo, o que permitiu preparar a ofensiva necessária no momento necessário.

Isso faz parte da estratégia das direitas do continente, que respondem diretamente aos interesses imperiais de Estados Unidos e seu projeto geoestratégico de recolonização do continente. Utilizam diversos e renovados mecanismos golpistas como nos golpes perpetrados nestes últimos anos. Vale lembrar os casos de Honduras (2009), Paraguai (2012) e Brasil (2016) em que os golpes de Estados seguiram a mesma receita: todos destinados a liquidar com governos populares.

Outro método utilizado é a forte ingerência de Washington nos processos eleitorais, como ocorreu na Argentina em 2015, quando gastaram uns 40 milhões de dólares no objetivo estadunidense de acabar com o governo da presidenta Cristina Fernández de Kirchner. Submeteram o país a uma brutal guerra psicológica de desgaste, descrédito e, na atualidade, uma perseguição impiedosa tanto midiática como judicial.

Nesse trabalho de destruição, no Brasil, tanto a figura de Sérgio Moro como a de outros juízes foram decisivas para o fgolpe. E, principalmente, a brutal guerra desencadeada pela Rede Globo, similar à atuação do Grupo Clarín na Argentina. A imprensa como arma de guerra, imprescindível nos países da cominação continental.

Em artigo publicado em Brasil de Fato, Daniel Giovanaz, situa o caso do juiz Moro — convertido em “herói” nos Estados Unidos, país para quem ele trabalha — demonstra que essa acusação não é uma “teoria conspiratória”, como soem banalizar qualquer denúncia, porque existem provas suficiente em fatos e documentos.

Sempre se colocou em dúvida a surpreendente ascensão do juiz Moro, tido como um homem ligado à CIA e ao FBI dos EUA. Em junho de 2016, a filósofa e pesquisadora Marilena Chauí, citada por Daniel Giovanaz, afirmou que o juiz de primeira instância Sérgio Moro tinha sido cooptado pelo FBI para atender aos interesses estadunidenses na condução da Operação Lava Jato.

O vídeo com a denúncia de Chauí, transmitido pelo programa Nocaute de TV, foi visto por mais de 170 mil pessoas e provocou intenso debate entre juristas, historiadores, cientistas políticos e sociólogos brasileiros.

“Ele recebeu um treinamento característico do que o FBI fazia durante o macarthismo (política de perseguição ao comunismo adotada por EUA nos anos 1950). E, foi depois do 11 de setembro (atentado às torres gêmeas) que se estendeu a prática de “intimidação e delação” segundo Chauí. A filósofa asseverava que Estados Unidos tinha um objetivo: desestabilizar o Brasil para apoderar-se das grandes jazidas de petróleo (pré-sal) e outros imensos recursos e controlar nada menos que a grande potência latino-americana.

“Neste sentido, a Operação Lava Jato é, pode-se dizer, um prelúdio da grande sinfonia de destruição da soberania brasileira para o século XXI”, denunciou Chauí. Essa hipótese está fundamentada em documentos do Wikileaks, publicados em 30 de outubro de 2009.

“O nome de Sérgio Moro, além de sua relação com EUA, aparece como participante de uma conferência realizada no Rio de Janeiro pela Bridges Project (Projeto Pontes — pontes da lei), vinculado ao Departamento de Estado dos EUA cujo objetivo era “consolidar o tratamento bilateral (entre EUA e Brasil) para a aplicação da lei. Para entender isso, Washington começou a assessorar em temas jurídicos, contando para isso não só com Moro, também com outros juízes que frequentaram esses cursos.

De acordo com esse documento, “os juristas brasileiros que participaram na conferência com o pretexto de “combate ao terrorismo” destacaram às autoridades estadunidenses — entre elas a Conselheira Residente para Questões Legais da Embaixada de EUA — certa “incapacidade” do Código Penal do Brasil para enfrentar tais situações. Neste caso, Sérgio Moro era a figura chave que mostrava os problemas legais mais frequentes nos casos de lavagem de dinheiro nas Cortes brasileiras.

Entre as conclusões sacadas pelo Wikileaks sobre aquela conferência, os responsáveis pelo Projeto Pontes defenderam “a necessidade contínua de assegurar o treinamento a juízes federais e a estudantes do Brasil para enfrentar o financiamento ilícito de condutas criminosas”. A estratégia deveria ser de “longo prazo” e coincidir com a formação de uma “força-tarefa” de treinamento que poderiam se estabelecer em São Paulo, Campo Grande ou Curitiba.

Cinco anos depois desse evento no Rio de Janeiro surgiu a Operação Lava Jato e demonstrou o “aperfeiçoamento” do Poder Judiciário nas investigações sobre lavagem de dinheiro no Brasil, mas ao mesmo tempo, instaurou no país um clima de instabilidade política muito importante para os planos de Estados Unidos.

 Ingerência sem limites

Os Estados Unidos, que já tinham seu grupo de controle encabeçado por Moro, se colocou à disposição para colaborar para o avanço da Operação Lava Jato. Já em 2015 as autoridades estadunidenses aceitaram pedido do Ministério Público Federal (MPF) para rastrear depósitos o que permitiu desmonta a engrenagem montada pela empresa Odebrecht para pagamento de propinas no exterior”. Dessa maneira, Washington controlava, manejava e manipulava as operações.

Em 2013, a imprensa nos EUA, citando documentos revelados pelo Wikileaks, publicou que Dilma e seus principais assessores eram alvo direto de espionagem por parte do governo estadunidense. “Assim como é impossível desvincular a Operação Lava Jato da conjuntura política de desestabilização que culminou no golpe contra Dilma, são evidentes as vantagens obtidas por Estados Unidos com a mudança de governo no Brasil”, assinala Brasil de Fato.

Um exemplo: Pedro Pullen Parente foi escolhido por Michel Temer para presidir a Petrobras e, em maio de 2016, colocou em marcha um processo de venda de ativos e facilitou a privatização do setor petroleiro. A entrega das reservas do pré-sal ao capital estrangeiro começou nas áreas de Carcará, Lara e Lapa.

Em 24 de maio, a Federação de Petroleiros publicou carta exigindo a renúncia de Parente sob acusações de destruição do patrimônio público e interferência de interesses estrangeiros na administração da estatal. Pullen Parente foi ministro da Casa Civil no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e vice-presidente executivo da RBS, filiada à Rede Globo, no sul do País. O círculo sempre se fecha.

Certamente se revelará que nos últimos dois anos as visitas de Sérgio Moro a Estados Unidos foram feitas cada vez com mais frequência. Em julho de 2016 deu uma Conferência em Washington sobre “A importância dos meios em apoio a suas investigações criminais”. Em setembro — no auge da Lava Jato — participou de um ciclo de conferências na Pensilvânia, onde foi apresentado como o “líder principal no fortalecimento do Estado de Direito no Brasil”. Vale perguntar se o fatos ocorridos não liquidaram com o Estado de Direito que deveria reger numa democracia real, que não existe no Brasil. Lula é inocente e nunca se provou o contrário. A defesa de Lula é a defesa de nossos direitos e de nosso futuro em liberdade.

*Colaboradora de Diálogos do Sul, de Buenos Aires — direitos reservados.

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