Por Ana Carolina Peplau Madeira, de Florianópolis, para Desacato.info.
Cada brasileiro nasce com uma dívida de R$ 30 mil, sem nem saber. A cultura atual diz: dívida é sagrada, tem que pagar. Mas como foram feitas essas dívidas públicas? Quais os juros cobrados? Não tem como negociar? Essas questões são proibidas na mídia tradicional. É mais fácil manter a cultura de que economia é coisa difícil, tem nome complicado. Para que essas perguntas sejam respondidas é necessária uma verificação destas contas – também chamada de Auditoria Cidadã da Dívida.
Muito antigamente, se aprendia regra de três, juros simples e proporções nas aulas do 3º ano das Escolas Isoladas (do atual ensino fundamental). Hoje a grade curricular já deixa este tipo de informação na 6ª série. Depois só são retomadas dentro do programa, em alguns exercícios específicos, dependendo da escola ou da faculdade. As escolas isoladas só iam até o terceiro ano. Então o que aprendiam por último era mais fácil de lembrar. Aquilo que foi ensinado na 6ª série e não foi mais fixado se perde no tempo. A própria questão do aumento da tarifa de transporte coletivo de Florianópolis é apenas mais um exemplo de parte da dívida que todos pagam e nem sabem.
A primeira reunião de 2016 do Núcleo Catarinense de Auditoria Cidadã da Dívida aconteceu no sábado, dia 23, às 14h, no Sindprevs. Foi apresentada a análise inicial dos contratos sobre dívidas públicas catarinenses. De acordo com o economista João Luis Abrantes Bertoli, “verificar indícios de ilegalidades, especialmente a cobrança de juros sobre juros e condicionamentos impostos referentes a venda de patrimônio estadual”
Mesmo sendo uma leitura inicial dos contratos referentes ao refinanciamento da dívida pública e da de dívida externa, os membros do núcleo perceberam que Santa Catarina perdeu a autonomia ao renegar as políticas de desenvolvimento. Foi necessário conhecimento da história econômica de Santa Catarina para entender que o estado teve uma atuação fundamental no desenvolvimento da região.
Ele conta que o estado, “não recebeu tanto apoio da União, em compensação a autonomia que se permitia ter nos anos 40, 50, 60, 70 e 80 permitiu que o governo do estado criasse diversos planos de desenvolvimento inspirados nos planos do governo federal da época. Inclusive criando órgãos estaduais como BADESC, BESC, CELESC e a UDESC”.
Porém vieram a renegociação da dívida pela lei nº 9.496, o Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária (PROES) e o Programa Estadual de Desestatização (PED) que provocariam a redução de atribuições dos bancos estaduais e a venda da maioria deles. Foi o caso do BESC, vendido por 32% da dívida assumida com União no contrato. Isto sem contar os juros e a correção monetária que foram cobrados ao longo do longo período de negociação.
“Segundo o contrato, o Governo Federal assumiu as dívidas do Besc e abriu um crédito para o Estado capitalizá-lo no valor de mais de R$ 2 bilhões. Nas cláusulas do contrato o Estado assume o compromisso de utilizar o dinheiro da venda para pagar a dívida com o Governo Federal. Entretanto, devido as pressões políticas, o BESC só foi vendido em 2009 para o Banco do Brasil (BB) em uma negociação no valor de R$ 615 milhões”, explica Bertoli.
Para piorar a situação, mudanças legais tornaram os estados bastante dependentes do Imposto Sobre Mercadoria e Serviço (ICMS). Atualmente, mais de 60% da receita de SC provém de impostos. Dentre eles, o ICMS representa mais de 80% dos impostos. Na prática, só há arrecadação se há consumo.
A própria Lei de Responsabilidade Fiscal restringe valores para investimentos, mas o único gasto sem limite é o da dívida. Os contratos são públicos, socializam a dívida, mas arrecadam separadamente. A conta não fecha. Muitas vezes, as empresas estrangeiras emprestavam dinheiro para uma obra, que elas mesmas iam construir. A próxima reunião do Núcleo está marcada para o dia 13 de fevereiro, às 14h no Sindprevs. Todos estão convidados a conhecer o assunto e até ajudar na análise dos documentos que já foram disponibilizados do governo barriga verde.