Novo PAC, retomada do crescimento e a conjuntura argentina. Por José Álvaro Cardoso.

Rio de Janeiro (RJ), 11/08/2023 – O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva fala durante cerimônia de lançamento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) No Theatro Municipal, no Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Por José Álvaro Cardoso.

O Novo PAC é uma iniciativa importante na difícil conjuntura econômica nacional. Planeja investir R$ 1,7 trilhão, utilizando recursos orçamentários federais, de empresas estatais, dos bancos públicos e do setor privado. O montante não deve impressionar, porque está previsto para todo o governo Lula e, inclusive, no período pós 2026. Para efeito comparativo, o PAC 2, lançado em 2010, já previa um valor total de investimentos da ordem de R$1,6 trilhão à valores da época. Corrigido monetariamente esse valor ultrapassa com folga os recursos previstos no Novo PAC. Além do fato de que as atuais necessidades de políticas públicas e de infraestrutura são muito maiores do que eram há 26 anos, quando o primeiro PAC foi lançado. Não só porque a população brasileira hoje é maior, mas também porque os governos golpistas destruíram em boa parte a economia brasileira.

Os objetivos centrais do novo programa, explicitados nos discursos de lançamentos, são gerar emprego e renda, reduzir desigualdades sociais e regionais, promover a chamada neoindustrialização, e ainda o crescimento com inclusão social e a sustentabilidade ambiental. A aposta é que as obras gerarão empregos durante a sua execução, movimentando a indústria em geral, o comércio, serviços. Farão a roda da economia voltar a girar, enquanto os mais diferentes tipos de infraestrutura estiverem sendo construídos. O governo pretende retomar a construção de milhares de obras inacabadas com o Novo PAC. No total, serão mais de 12,5 mil obras e projetos, espalhados por mais de 4.000 municípios, o que é expressivo, sem dúvida. Um exemplo de ação que pode gerar muitos empregos é o projeto Minha Casa, Minha Vida, que os governos golpistas de Temer e Bolsonaro, mataram literalmente à mingua. O Novo PAC pretende entregar dois milhões de novas unidades habitacionais e concluir a construção de 180 mil moradias que haviam sido contratadas ainda em 2016.

Conforme observamos no período em que o Minha Casa Minha Vida estava em funcionamento, a construção de habitações populares costuma aquecer muito a economia. A construção civil gera empregos e movimenta toda a cadeia produtiva, fomentando a indústria nacional. Além disso, o número previsto de construção de 2.180 milhões de moradias é bastante expressivo, significando mais de um terço do déficit habitacional estimado no Brasil, de cerca de 6 milhões de moradias. Obviamente, é um plano cuja realização irá depender de muitas variáveis, mas se realizado terá um efeito multiplicador sobre a economia, muito relevante.

A complexidade do Programa pode ser ilustrada até pelas grandes áreas no qual está dividido:

  • Inclusão digital e conectividade: com investimentos previstos de R$ 28 bilhões

  • Saúde: R$ 31 bilhões

  • Educação: R$ 45 bilhões

  • Infraestrutura social e inclusiva: R$ 2 bilhões

  • Cidades sustentáveis e resilientes: R$ 610 bilhões

  • Água para todos: R$ 30 bilhões

  • Transporte eficiente e sustentável: R$ 349 bilhões

  • Transição e segurança energética: R$ 540 bilhões

  • Defesa: R$ 53 bilhões

Está previsto no Plano, investimentos da Petrobrás de cerca de R$ 300 bilhões em quatro anos, muito importante, visto que no período dos governos Temer e Bolsonaro, os lucros líquidos da companhia estiveram ao serviço dos especuladores, que nunca ganharam tanto dinheiro, em tão pouco tempo.

O Novo PAC (como ocorreu nos dois anteriores), coloca o Estado como indutor da estratégia de crescimento, o que é uma inflexão importante, considerando o que ocorreu no Brasil nos governos Temer e Bolsonaro, que foram desmontando o Estado, passando o que podiam para a iniciativa privada. Intencionavam privatizar, por exemplo, Correios, BB, CEF e BNDES. Não fizeram porque não foi possível, a correlação de forças não permitiu. Dentre outras razões, porque a privatização de algumas dessas companhias não era consenso nem no interior da burguesia.

A previsão de investimentos públicos do Novo PAC – que chegaram ao menor nível da história em 2022 – de cerca de R$ 350 milhões em média nos cinco anos de sua implantação, pode atrair investimentos privados também, especialmente se houver uma política de juros baixos. Juros razoáveis abririam a perspectiva de transferência de recursos que hoje estão na especulação, para investimentos na economia real. Em países subdesenvolvidos, como é conhecido, a burguesia é totalmente dependente de investimentos do setor público. Ela não investe se o Estado não induzir e viabilizar as condições para investimentos privados: juros subsidiados, câmbio adequado, segurança jurídica etc.

O Novo PAC está em linha com a estratégia adotada pelo governo Lula, de fazer medidas que possam retomar o crescimento, porém sem rupturas e marolas. O governo Lula sabe que a relação de forças é extremamente apertada, não há correlação favorável. A retomada do crescimento, para a qual o Novo PAC pode contribuir bastante, é fundamental do ponto de vista econômico e político. Nesse sentido, é importante prestar atenção nos acontecimentos recentes da vizinha Argentina. A votação do Paso, as prévias realizadas entre todos os partidos, na qual votam todos os cidadãos, e que são abertas, simultâneas e obrigatórias (conforme a sigla), visam estabelecer um credenciamento dos candidatos, que têm que obter pelo menos 1,5% dos votos totais, para poderem ser candidatos nas eleições nacionais.

O grande vencedor das prévias foi Javier Milei, candidato da extrema direita, apoiado por uma coalizão que reúne 4 partidos (La Liberdad Avanza), que obteve mais de 30% do total de votos. Milei ganhou em 18 das 23 províncias do país, e ficou apenas 1,9 ponto percentual atrás do atual ministro da Economia, Sérgio Massa na Grande Buenos Aires (27,65% dos votos contra 25,74% do candidato da extrema direita). O governo peronista, saiu fragorosamente derrotado do pleito, obtendo 21% dos votos no país. O candidato da extrema direita propõe, dentre outras pérolas, transformar o banco central argentino em uma espécie de sucursal do Banco Central norte-americano. Uma das principais propostas do candidato é dolarizar completamente a economia argentina e “dinamitar” (segundo suas palavras) o Banco Central. Além disso, Milei defende que acabem todos os direitos sociais e trabalhistas da população. Incluindo aposentadorias e pensões.

Candidatos beirando a loucura é algo relativamente normal em eleições, em todos os cantos do mundo, especialmente neste contexto de crise mundial. Mas que um candidato como este tenha ganho as prévias eleitorais, com mais de 30% dos votos, mostra o nível de desespero em que vive a população da Argentina, após tantos anos de percalços na economia.

Políticas subservientes como essa de dolarização da economia, travestidas de “radicais” ou não, soam como música para os ouvidos dos norte-americanos, que vêm os países da América Latina como um grande quintal, lotado de matérias primas e insumos para o abastecimento de suas indústrias. A Argentina, por exemplo, compõe o chamado Triângulo de Lítio, juntamente com Chile e Bolívia, ou seja, está em uma região de importância estratégica para a produção industrial e outras aplicações. Calcula-se que a região compreendida pelo citado triângulo, concentra de 50% a 80% dos recursos mundiais daquele metal.

Como é conhecido, países de capitalismo atrasado como Argentina e Brasil, em função do agravamento da crise econômica mundial, sofrem uma verdadeira guerra econômica, com origem nos países imperialistas, visando destruir suas economias. É uma tentativa de destruição de forças produtivas nesses países, de forma a abrir um novo ciclo de valorização do capital ao nível internacional. É uma guerra feita contra os países que compõem os Brics, mas também contra todos os países subdesenvolvidos, que tenham alguma aspiração de soberania política e econômica. A economia brasileira tem mais bala na agulha que a da argentina, para realizar uma resistência mais longa, mas corre graves riscos, igualmente.

José Álvaro Cardoso é economista, coordenador do DIEESE/SC e colunista no Portal Desacato.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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