Nota Pública da Comunidade Quilombola Vidal Martins sobre as desinformações circuladas em abaixo-assinado

Nos últimos dias têm circulado nas redes sociais um abaixo assinado intitulado “ABAIXO ASSINADO POPULAR EM DEFESA DO PAERVE”. Diante das desinformações e confusões presentes neste abaixo-assinado, a Comunidade Quilombola dos Remanescentes do Quilombo Vidal Martins entende necessário se manifestar através desta nota pública.

De início é fundamental destacar que o abaixo assinado em nenhum momento cita a Comunidade Quilombola Vidal Martins, omitindo dos leitores (e dos possíveis subscritores) que a regularização do território trata-se de uma titulação de área de Comunidade Quilombola. Isto por si só já demonstra o racismo contido neste abaixo-assinado, que reforça a invisibilização e a marginalização histórica que os descendentes de pessoas que foram escravizadas sofrem cotidianamente em nosso país.

Nossa Comunidade iniciou o processo de titulação do Quilombo em 2013, participamos de diversos trâmites que incluem a certificação junto à Fundação Palmares, a elaboração de laudo antropológico, relatório de delimitação e identificação do território e outras etapas necessárias ao processo de titulação. Estamos agindo dentro da mais absoluta legalidade frente às legislações aplicáveis que asseguram os Direitos das Comunidades Tradicionais no Brasil, como a convenção nº 169 da OIT, art. 48 da ADCT, o decreto nº 4.887/2003 e outras legislações.

Contudo, não são raras as oportunidades em que o discurso ambiental e ecologista são usados de premissa para reproduzir o racismo estrutural que oprime o povo negro e, em especial, a população quilombola. Nós, descendentes do ancestral comum Vidal Martins (homem negro que foi escravizado e viveu neste mesmo chão), queremos manifestar e comunicar a toda comunidade de Florianópolis que a insinuação de que a titulação do território de nossa comunidade vai danificar a natureza hoje supostamente protegida pelo PAERV é um discurso mentiroso e racista.

Afinal, basta uma breve visualização do mapa brasileiro para constatar que os locais onde a natureza está mais bem preservada em nosso país, são os locais onde vivem as comunidades tradicionais, indígenas e pequenos camponeses. Junto com outras comunidades nos consideramos os guardiões das florestas, dos rios e na natureza em geral. Este é um elemento central em nossa ancestralidade e constitui parte da cultura quilombola que a titulação do território do Quilombo Vidal Martins vai assegurar sua manutenção para as próximas gerações. E são vastos os exemplos de integralização de áreas de Unidade de Conservação com Comunidades Tradicionais no Brasil, onde a existência das Comunidades acabam por defender a biodiversidade e sintonizar os direitos sociais e culturais das Comunidades Tradicionais com a preservação das Unidades de Conservação. É o caso do Quilombo São Roque em Praia Grande/SC e também o caso do Vale do Ribeira (SP), onde possui mais de 14 comunidades quilombolas e ao mesmo tempo é a região do estado de São Paulo onde tem as maiores áreas de mata preservadas.

Hoje o PAERV sofre uma série de pressões para que determinadas atividades econômicas possam ser executadas dentro da Unidade de Conservação. Resultado disto é o fato de que o Parque está ilegal há 07 anos no que toca o prazo estabelecido pela Lei do Sistema Nacional de Unidade de Conservação para criação de plano de manejo do Parque. Soma-se ao fato de que espécies invasoras estão presentes na mesma área do Parque e outras irregularidades que o IMA/SC não foi capaz de impedir que acontecesse nessas décadas de administração do PAERV.

Cabe recordar aqui, que o próprio IMA/SC foi condenado em primeira instância pelo crime de racismo institucional ao impedir que a nossa Comunidade concorresse no edital público para administração do camping. Desta forma, queremos denunciar aqui que essa campanha do abaixo assinado é falaciosa, racista e irresponsável. Uma vez que ao buscar colocar a opinião pública contra a nossa comunidade através de mentiras, gera uma confusão e incita possíveis ameaças e agressões contra as famílias de nossa Comunidade.

Manifestamos mais uma vez que seguiremos em luta pelos nossos direitos como comunidade quilombola e que tão logo nosso território seja regularizado, iremos iniciar a recuperação da biodiversidade da área, tão prejudicada pelos pinus que o IMA/SC autorizou que fossem plantados, assim como uma série de outras medidas que protegerão a natureza do local.

Por fim, convocamos toda cidade de Florianópolis a se manifestar e a lutar contra o racismo movido contra nossa comunidade, e também em qualquer outro caso de racismo. Contamos com o apoio de todos e todas para que as desinformações não prevaleçam sobre a verdade.

Titulação Já!

Nenhum Quilombo a Menos!

Florianópolis/SC, 21 de dezembro de 2020.

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