“Antes cair das nuvens, que de um terceiro andar”.
Essa frase de Machado de Assis, como muitos clichês e provérbios, pode ser desinteressante à primeira vista. Afinal, ditados populares parecem pretensiosos quando tentam nos ensinar a viver. Por outro lado, também é um tanto presunçoso achar que essa frase não nos diz nada e que não tem a ver com nossas vidas. Por isso, é interessante pensar a respeito, para lidarmos melhor com sonhos e desilusões.
Não é à toa que a frase está em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, obra fundadora do movimento realista na literatura brasileira. O realismo, em contraposição ao romantismo, buscava descrições mais objetivas, menos idealizadas, aliadas a uma aguçada crítica social. Quando leio “antes cair das nuvens, que de um terceiro andar”, o primeiro que me vem à mente é, talvez, uma das interpretações mais óbvias: é melhor se desiludir do que se ferir ou morrer. Antes perder um sonho que perder a vida. E, se não estamos passando por grandes desilusões no momento, faz sentido pensar assim. É fácil ver como a frase é oportuna quando lembramos de um outro clichê: “Enquanto há vida, há esperança”. Se considerarmos que o movimento realista se afasta das idealizações de amor romântico e busca descrições mais objetivas, “antes cair das nuvens, que de um terceiro andar” é um pensamento conveniente, afinado a essa corrente literária.
Porém, a vida como ela acontece pode não ser tão simples. Cair das nuvens pode ser catastrófico, ao ponto de fazer pensar que é preferível cair de um terceiro andar. Isso principalmente para as pessoas cujas vidas são muito sustentadas por sonhos ou pela imaginação. Quando a desilusão vem, aquele sonho que, muitas vezes, organizava, dava sentido e propósito a toda uma vida se desfaz: “Serei médica/o ou nada”, “Sou uma pessoa correta, boa, justa”, “Minha vida será assim ou assado”, “Eu dou conta de tudo”, “Ela/e nunca faria isso comigo”, “Isso não vai acontecer comigo”.
Esses são alguns exemplos de sonhos e crenças que podem cair por terra, mas, mesmo assim, a vida continuar, já que não se caiu de um terceiro andar. A vida biológica não depende dos sonhos para seguir, e as desilusões são importantes para nos dar nossa medida, nos ensinar a querer o que podemos. Porém, ao mesmo tempo, é simplista pensar que a experiência humana se reduz ao físico. Ou ainda pensar que essa vida física seja sempre o mais importante, uma vez que as frustrações e desilusões podem levar alguém a querer pôr fim à sua vida. O próprio Machado mostra isso em outro texto, o conto “To Be or Not to Be”, contando as frustrações que levaram o personagem André Soares a tentar se matar e, depois, o que o fez mudar de ideia.
Essa reflexão, longe de querer criticar Machado de Assis, serve para destacar a genialidade do autor, o qual nos faz repensar sobre nossos sonhos e o que esperamos da vida. Por um lado, é certo que uma vida muito banal pode perder o brilho. Por outro, o brilho lá do alto das nuvens pode nos cegar, preparando a queda. Assim, vale a pena fazermos algumas questões para encontrarmos a medida dos nossos anseios: Isso que eu desejo, eu posso? É concretizável? Esse sonho depende de outras pessoas o quererem também? Estou disposta/o a fazer o necessário para a realização disso? Ele é realmente essencial para mim? Se esse sonho não se concretizar, como fica minha vida?
Por fim, deixo aqui o conselho de Machado de Assis em “A Mão e a Luva”, visando nos prevenir contra o desespero ao lembrar que nosso lugar é na existência, e que há brilho nela também: “Sonharás uns amores de romance, quase impossíveis? Digo-lhe que faz mal, que é melhor contentar-se com a realidade; se ela não é brilhante como os sonhos, tem pelo menos a vantagem de existir.”
Guilherme Sant’Anna é psicólogo (CRP 05/57577), formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e atualmente cursa o mestrado em Psicologia Social nessa mesma universidade. Ele realiza atendimentos de psicoterapia online e, se você quiser entrar em contato, pode fazê-lo pelos seguintes meios:
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