Nos 150 anos da Independência, ditadura mostrou máquina de propaganda

Em 1972, o governo Médici programou uma série de eventos para exaltar o “Brasil grande”. Destaque para a Marcha do Sesquicentenário da Independência, que fez sucesso até no carnaval

Os presidentes de Portugal e do Brasil se encontram no Rio. Reunião de ditaduras. , Moeda comemorativa traz figuras do ditador brasileiro e de Dom Pedro I. Foto: Agência Nacional e reprodução/Ag. Senado

Por Vitor Nuzzi, RBA.

Nas celebrações dos 200 anos da Proclamação da Independência do Brasil, neste 7 de setembro, o atual governo pouco tem a mostrar além da exposição do coração de Dom Pedro I e de declarações agressivas do presidente da República, que deixam autoridades em alerta em um dia cívico. Bem diferente do que aconteceu em 1972, em plena ditadura. O governo dos generais, em que pese a repressão intensa, com tortura e assassinatos crescendo sob o regime do AI-5 (decretado em 1968), mostrou planejamento e programou uma série de atividades, incluindo a música e o futebol, para o chamado sesquicentenário. Tudo para exaltar um “Brasil grande”, desenvolvido e unido. A começar da palavra difícil, que se refere a um período de 150 anos, no caso, da independência do Brasil, que vivia seu oitavo ano de ditadura civil-militar.

Pois o compositor Miguel Gustavo Werneck de Souza Martins conseguiu o feito de apresentar uma canção com esse nome no título, a Marcha do Sesquicentenário da Independência do Brasil.

Um compacto editado pela Comissão Executiva Central das Comemorações do Sesquicentenário da Independência – teve ampla distribuído pelo país. O comando da comissão era do general Antônio Jorge Correia, que logo após o golpe de 1964 assumiu a chefia do ga­binete do Estado-Maior das Forças Armadas (Emfa), entre outras funções que desempenhou.

Mestre das marchinhas

O carioca Miguel Gustavo foi um conhecido autor de marchinhas carnavalescas. Mas ficou mesmo conhecido com a música que embalou a seleção brasileira tricampeã em 1970, Pra Frente, Brasil, ao vencer um concurso. Também se notabilizou pela criação de jingles. Em 1971, depois da Copa e antes do sesquicentenário, ganhou o prêmio Golfinho de Ouro, do Museu da Imagem e do Som (MIS), vencendo o sambista Nelson Cavaquinho no segundo turno. Dizia não conhecer o que era uma pauta musical, mas era exímio batedor de caixa de fósforos.

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Música que celebrou os 150 anos da independência do Brasil foi gravada por nomes como Ângela Maria, Miltinho e Shirley. Foto: Reprodução

Assim, já era “um bamba” quando apresentou a marcha comemorativa dos 150 anos, em uma fita cassete, exaltando a “potência de amor e paz”. Mas não chegou a participar das gravações. Morreu em janeiro de 1972, aos 49 anos, depois de passar por uma cirurgia. Dessa forma, foi sua última produção. Para o registro em estúdio, foram arregimentados nomes de peso da música brasileira, como Ângela Maria, Miltinho e Shirley, além do Coral do Joab. Com a orquestra do celebrado maestro e arranjador Radamés Gnattali.

Ministros e “milagre”

As atividades pelos 150 anos da Proclamação da Independência incluíram ainda um evento no Clube de Engenharia, no Rio, de tom oficialesco. Eram nove painéis, com nove ministros, tendo como tema o desenvolvimento nacional. O coordenador foi João Paulo dos Reis Velloso (ministro do Interior). Entre outros, participaram Mário Andreazza (Transportes), Delfim Netto (Fazenda), Pratini de Morais (Indústria e Comércio) e Jarbas Passarinho (Educação e Cultura). Era o Brasil do “milagre econômico”, com significativo crescimento do PIB, mas sem divisão da riqueza. Ou, como diria Delfim, o bolo crescia, mas não era dividido.

Além disso, outro evento que o governo tratou de popularizar foi o da Olimpíada do Exército, que teve sua terceira edição de 26 de abril a 7 de maio de 1972, em Porto Alegre. Eram 1.400 atletas, 900 militares e 500 civis, que representavam clubes tradicionais. A cantora Elis Regina, que havia feito declarações públicas contra os militares, foi coagida a cantar na abertura do evento.

Troféu no Maracanã

Mas o principal ficou para junho e julho. O Troféu Independência, disputado por 20 seleções de futebol, mais do que na Copa do Mundo anterior e na seguinte (eram 16). Alguns times poderosos desistiram, como Alemanha, Inglaterra e Itália. Coincidência ou não, a final no Maracanã foi entre Brasil e Portugal. E terminou 1 a 0 para a seleção brasileira, gol de Jairzinho já nos minutos finais da partida.

A Iugoslávia ficou em terceiro, derrotando a Argentina. Do ponto de vista técnico, o torneio serviu para mostrar as dificuldades que o time enfrentaria na Copa de 1974. Já sem Pelé, que havia anunciado sua despedida da Seleção em 1971. Quem buscou caprichar na organização da Taça Independência foi João Havelange, que dali a dois anos, justamente em 1974, seria eleito presidente da Fifa, abrindo a era do business no esporte mais popular do planeta.

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Um ponto comum com o presente: restos mortais do imperador foram trazidos de Portugal e exibidos pelo país, até o sepultamento no Museu do Ipiranga (Foto: Correio da Manhã/Biblioteca Nacional)

Coração e mente

Em comparação com o atual governo, a principal semelhança, além da simpatia pelo autoritarismo, foi a chegada dos restos mortais de Dom Pedro I, trazidos de navio de Portugal. A chegada foi em 22 de abril, dia do descobrimento. Os restos do imperador andaram pelo país até serem definitivamente sepultados, em 7 de setembro, na cripta imperial do Museu do Ipiranga – que reabre exatamente hoje.

O ditador brasileiro, Emílio Garrastazu Médici, recebeu seu colega Américo Tomás, que foi deposto justamente em 1974. A Revolução dos Cravos, em 25 de abril daquele ano, deu fim a longo período de ditadura salazarista em Portugal. O Brasil teria que esperar mais 11 anos.

Ouça a Marcha do Sesquicentenário da Independência do Brasil

 

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