Noruega fornece de graça imagens da Planet que PF quer comprar em contrato de R$ 49 mi

Mapa global que mostra a área que será monitorada pela Iniciativa Internacional de Clima e Florestas da Noruega (NICFI). Fonte: Planet Lab Inc.

Por Cristiane Prizibisczki.

O Ministério do Clima e Meio Ambiente da Noruega anunciou, na tarde de 22 de setembro, a assinatura de um contrato internacional com a Kongsberg Satellite Services (KSAT) que, juntamente com as empresas Planet e Airbus, fornecerá acesso universal e gratuito ao monitoramento por satélite das florestas tropicais no mundo.

Segundo o governo norueguês, a Planet fornecerá mapas de alta resolução (menores que 5m) de toda região tropical, incluindo o Brasil, que serão atualizados mensalmente. “Eles estarão disponíveis gratuitamente para qualquer pessoa ver e usar por meio de parceiros de tecnologia da Noruega, como a Global Forest Watch. Além disso, a partir de meados de outubro, qualquer pessoa poderá fazer o download dos mapas-base mensais prontos para análise dessas regiões por meio da plataforma de imagens de satélite online da Planet, Planet Explorer, com a finalidade de apoiar a missão do NICFI (Iniciativa Internacional de Clima e Florestas da Noruega, na sigla em inglês)”, diz nota do site da Planet.

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Além disso, Planet, KSAT e Airbus também trabalharão com parceiros noruegueses selecionados para compartilhar os dados das imagens originais, a fim de fornecer “aos principais líderes globais nas áreas da ciência e da política as imagens diárias da Planet e o arquivo exclusivo de alta resolução da Airbus”.

A iniciativa norueguesa tem o objetivo de “apoiar os esforços para impedir o desmatamento e salvar florestas tropicais do mundo”. Para tanto, o governo da Noruega investiu 43,5 milhões de dólares na NICFI.

Segundo especialistas, as imagens fornecidas gratuitamente pela iniciativa norueguesa são similares a uma parte das imagens que a Polícia Federal pretende comprar da Planet, por meio de sua representante brasileira, a empresa Santigo & Cintra, em contrato de R$ 49,7 milhões.

Entre os objetos descritos no contrato da PF, de número 18/2020, estão “acesso ilimitado à plataforma […] para visualização dos mosaicos mensais RGB (atual e acervo desde Jul/2017), e para uso da API de dados e geoserviços; fornecimento de 12 mosaicos mensais RGB”.

Para o cientista Gilberto Câmara, diretor do Grupo de Observação da Terra (GEO) – rede global de organizações governamentais, instituições acadêmicas e de pesquisa e empresas que têm como missão criar soluções inovadoras para gestão de informações e dados relacionados à observação da Terra –, “o fornecimento de 12 mosaicos mensais RGB já está coberto no contrato entre Noruega e Planet”.

O pesquisador Raoni Rajão, professor associado de Gestão Ambiental e Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), corrobora com Câmara: “Parte do que o Brasil está comprando por 49 milhões já vai estar gratuito, com frequência mensal. Seria importante rever os termos do contrato”, diz.

O contrato em questão, ao qual ((o))eco teve acesso, é alvo de processo no Tribunal de Contas da União (TCU) por “possíveis indícios de irregularidades”. O TCU chegou a suspender o contrato por medida cautelar na última sexta-feira (18), mas voltou atrás na segunda (21), revogando a decisão tomada anteriormente.

Em seu despacho, a ministra do TCU Ana Arraes, relatora do processo, declarou que a PF apresentou novas informações, alegando que a suspensão do contrato, cuja vigência teve início na segunda-feira(21), iria prejudicar as operações da corporação na punição dos responsáveis pelas queimadas, principalmente no Pantanal, e que as imagens serviam no combate a outros ilícitos.

No processo no TCU, o Tribunal de Contas investiga a real necessidade de aquisição das imagens da Planet, tendo em vista que o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) tem trabalho renomado no monitoramento do desmatamento, e outros satélites, como os da Agência Espacial Europeia, fornecem imagens gratuitas do uso do solo brasileiro, que poderiam ser usadas pela PF em suas operações. Em sua defesa, a Polícia Federal argumenta que a Planet oferece imagens de melhor qualidade e com maior frequência que os serviços gratuitos já existentes. Apesar da revogação da cautelar, o processo segue aberto no TCU.

Para os especialistas ouvidos por ((o))eco, a disponibilização gratuita de imagens pela iniciativa norueguesa é mais um tópico de questionamento sobre a real necessidade do contrato 18/2020 da Polícia Federal.

Em sua defesa no processo que corre no TCU, a PF informa que a Planet fornecerá não somente imagens de desmatamento, mas dados diários e alertas sobre diferentes regiões geográficas e temas de interesse penal, como garimpos, minerações, locais de acidentes, pistas de pouso clandestinas e tráfico internacional de drogas, entre outros ilícitos, e que tais ações “não se confundem com os objetivos específicos do INPE e, por isso, demandam ferramentas com capacidades específicas, das quais o INPE não dispõe”.

“[…] releva notar que o sistema Planet está adaptado às necessidades operacionais da Polícia Federal e tem permitido um aumento na eficácia e eficiência do combate aos crimes contra o meio ambiente. Os dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais não atendem à dinâmica necessária à atividade policial, […] Desde 2018, as perícias da Polícia Federal utilizam as imagens e produtos Planet, quando reduziu de mais de 2 anos para menos de 6 meses o tempo necessário na produção de laudos”, diz outro trecho da defesa apresentada pela PF.

Segundo apurou ((o))eco, a PF entrou em contato com a Planet nesta quarta-feira para entender melhor como as imagens da iniciativa norueguesa serão disponibilizadas e o que de fato será fornecido gratuitamente e avalia, internamente, a possibilidade de ajustes no contrato.

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