Necropolítica. Por Viegas Fernandes da Costa.

Que importa a morte do pobre, daquele que dorme na praça, da prostituta que não encontra paga,

do viciado que já não recolhe o troco sob o semáforo?

Que importa a morte dos velhos, para o Estado desocupados, que inflam as filas dos atendimentos previdenciários?

Que importa a morte dos acamados, lotando leitos de emergência, curando suas leucemias e suas chagas de tratamentos caros?

Grupos de risco, leio nos noticiários.

Comorbidade associada, indica-se junto aos números das estatísticas.

Subnotificados, claro!

As valas a gente cobre de terra.

A terra apaga a morte do rosto que o jornal não imprimiu e a internet não publicou.

Nem todo RG tem Facebook.

Nem todo RG tem CPF.

Nem todo rosto tem RG.

Faxinal da ignorância, lavrado com esmero.

E se o Banco Central libera algum troco, há de se abrir o comércio, as grandes lojas de departamentos, revendedoras de autos, as funerárias.

Não a quitanda da esquina.

Não o bazar da Dona Maria.

Mas aquela, de enormes gôndolas frias.

Mas aquela, que vende futuros na Bolsa da Paulista.

E se sobrevive a Senhora Zhang Guangfen, de cento e três anos.

Ou a senhora Alma Clara Corsini, de noventa e cinco.

Se acaso sobrevivem.

A gente aplaude, como quem aplaude uma medalha olímpica.

Porque os mortos a gente enterra, e a vida a gente troca na primeira loja de quinquilharias.

(Desterro, 14 de abril de 2020 – em tempos de Covid-19).

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.