Por Cristóbal León Campos.
Tradução: Rôney Rodrigues
Começa a sétima semana de protestos no Haiti, país que é exemplo das extremas consequências provocadas pelas políticas neoliberais na América Latina e de uma condenação que já se arrasta por séculos. Mergulhado, durante todo o ano de 2019, em constante crise de governo e social, uma cadeia de manifestações itinerantes são registradas, com elementos comuns aos recentes acontecimentos em outros países latino-americanos que rechaçam, categoricamente, as medidas econômicas implementadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e o imperialismo estadunidense.
Mas, no Haiti, esses motivos já transbordam: diferentemente desses outros países, não tem, há décadas, períodos de estabilidade – mesmo que em muitos países (como o Chile) esse período de estabilidade resultou, na verdade, em uma farsa. A pobreza extrema, a desigualdade, a violência estrutural, a superexploração e o racismo são elementos que definem, quase como norma, a realidade da nação caribenha e, além disso, ela carrega sobre suas costas uma permanente campanha, realizada pelos grandes meios de comunicação, para ocultar o que se passa por lá: sobre as crises, os protestos e as reivindicações sociais no Haiti não se fala, sequer para desqualificá-las e tergiversá-las. Esse completo silêncio coloca em risco a integridade humana. Mas o Haiti é a evocação continua da necessidade de construir outro mundo.
Os protestos começaram devido à escassez de combustível — e o consequente aumento de seu preço –, pela falta de comida, remédios, gás e água potável e pela desvalorização da moeda, o que aprofundou a crise econômica enfrentada pelo país mais pobre da América Latina, onde a maioria da população sobrevive com dois dólares ao dia – ou com muito menos. O povo tomou as ruas para enfrentar o neoliberalismo; trabalhadores e trabalhadoras resistem a repressão brutal — que assassina e prende a muitos –, mantendo a força para continuar; diversos sindicatos, o movimento feminista e partidos políticos se agregaram; uma organização de base lhes outorga autoridade entre os despossuídos (algo que o poder burguês jamais compreenderá); professores e os estudantes se somaram a greve geral; o povo, organizado em um Fórum Patriótico, propõem, após a renúncia do presidente, “uma governo de transição por um período de três anos para enfrentar os problemas de fome, miséria e desemprego que afeta a mais de 80% da população e a reforma das instituições estatais, segundo as necessidades da população”.
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A luta haitiana sempre tem um toque mais elevado em sua densidade porque não é apenas uma luta para frear medidas antipopulares, mas também uma luta para sobreviver como povo, nação e seres humanos.
Frente as mobilizações populares, o presidente haitiano, Jovenal Moïse, declarou que “não é apegado ao poder, mas às reformas que pretende implementar”, mas, no entanto, não revela que as reformas que almeja visam modificar a Constituição e as leis aduaneiras e do setor energético — tudo para seguir beneficiando os saqueadores e os exploradores. Acusado de corrupção, a população pede a renúncia do presidente Moïse, o que, talvez, justifique seu ferrenho amor ao poder quando disse que é necessário “ver como podemos tirar proveito desta crise, como fazer desta crise uma oportunidade”. Esse é o retrato do cinismo de quem oprime; a oportunidade que semeiam é continuar com um Estado indefeso diante da ingerência imperialista e neocolonial. O Haiti, primeira colônia a se libertar na América, hoje o país mais lastimado pelas velhas potências, nostálgicas de sua hegemonia, é o retrato da soberba e da vingança e, para coroar isso, vive uma ocupação estrangeira desde princípios do século XXI, sob pretexto de “ajuda humanitária”. Uma coalização de nações a mantem sitiada sob aval da ONU, uma das muitas incongruências desse organismo internacional; recentemente, no dia 17 de outubro, a ONU declarou a continuidade de sua política intervencionista com o programa BITUH para a MINUJUSTH [Missão das Nações Unidas para o Apoio à Justiça no Haiti], que precedeu os Capacetes Azuis, que cometeram múltiplas humilhações contra o povo haitiano.
Uma das grandes mobilizações que se registrou nessas novas jornadas de resistência foi, justamente, dirigida a esse intervencionismo: os manifestantes se dirigiram ao quartel general da ONU, próximo ao Aeroporto Internacional de Porto Príncipe, e ali expressaram seu repudio ao apoio do Grupo Central ao governo Jovenal Moïse, que o nomeou nada mais e nada menos que representante especial da Secretaria Geral da ONU; os embaixadores da Alemanha, Brasil, Canadá, França, Estados Unidos e os representantes da Espanha, da OEA e da União Europeia, todos esses países e organizações guardam um silêncio culposo sobre a real situação que se encontra o Haiti; todos são cumplices da opressão de longa duração que abate o Haiti; todos se beneficiam e extraem grandes riquezas. O neocolonialismo é real, tão real como a bota imperialista no mundo. O Haiti está travando uma longa batalha contra todo o sistema mundial, mas é esquecido pela maioria das nações. É tempo de conhecer a verdade sobre o Haiti e radicalizar as manifestações de apoio. A libertação haitiana é também a emancipação dos povos latino-americanos.
Nenhuma solução favorável ao povo haitiano virá das políticas neoliberais impostas pelo FMI, pelo imperialismo e pelo neocolonialismo; o Haiti, assim como toda a Nossa América, enfrenta o desafio e a necessidade de construir uma nova ordem mundial. Esta região do mundo é chamada a ser a vanguarda nesta impostergável urgência, a resistência contra o neoliberalismo deve conduzir o povo a uma aberta crítica a todo o sistema capitalismo e à reformulação de um projeto emancipador global, o socialismo precisa levantar a mão para canalizar as demandas sociais e reformular-se para perceber o anseio por um mundo realmente justo, livre e humano.
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