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Maior nome japonês da Olimpíada de Tóquio, Naomi Osaka quebra o mito de identidade única no Japão e abre caminho para a discussão da existência de corpos negros no país
- A tenista rompe os padrões da identidade japonesa e é alvo de discursos nipônicos nacionalistas
- Ainda que nascidos no arquipélago asiático, os japoneses miscigenados são conhecidos como a parcela da população designada como ‘Hafu’, palavra derivada da palavra inglesa ‘half’, que significa metade, mestiço
Por Letícia Fialho
A abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio teve a presença inédita de uma negra japonesa que acendeu a pira olímpica, a tenista Naomi Osaka.
A identidade nipônica, facilmente associada a olhos puxados e pele amarela, pode não refletir a diversidade étnica do Japão. A presença da tenista demarca a representatividade em um país que não considera negros como cidadãos.
Ativista dentro e fora do campo, Naomi Osaka nasceu no Japão, filha de mãe japonesa e pai haitiano que, aos 3 anos, migrou para os Estados Unidos. Sua identidade sempre foi questionada justamente por viver em outro país. Nos jogos de Tóquio, escolheu representar sua terra natal.
Naomi Osaka rompe os padrões da identidade japonesa. A estrela do tênis era uma aposta olímpica para os Jogos de 2021, mesmo sendo alvo de discursos nipônicos nacionalistas – divididos entre questionamentos sobre sua nacionalidade e outros que negavam a existência de racismo no Japão.
Nesta terça-feira, na terceira rodada do torneio, Naomi Osaka foi eliminada e reconheceu que não soube lidar com a pressão da ocasião.
A tenista número dois do mundo foi derrotada por 6-1 e 6-4 pela tcheca Marketa Vondrousova em um resultado surpreendente que impôs um golpe nas esperanças japonesas de conquistar uma chuva de ouros na Olimpíada disputada em casa.
O medalhista olímpico do Taekwondo, Diogo Silva, comenta sua experiência fora do país como atleta. “Eu tenho um amigo chamado Chin que é japonês de pele preta. A mãe é baiana e o pai japonês O povo japonês é extremamente conservador e considera que a pele clara representa poder, status. Enquanto os orientais de pele escura são trabalhadores rurais. Há uma série de contextos”, conta o atleta.
Ainda que nascidos no arquipélago asiático, os japoneses miscigenados são conhecidos como a parcela da população designada como ‘Hafu’, palavra derivada da palavra inglesa ‘half’, que significa metade, mestiço. Enquanto isso, os japoneses de pele amarela e olhos puxados são chamados de ‘Nihonjin’.
“O contexto vai antes do que acontece nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Como viajei bastante como atleta olímpico, penso que quando a gente vê os atletas de cada país automaticamente construímos a imagem do que aquele país pode ser. Quando você vê o Brasil representado só pela população branca, por exemplo, você considera que aquele país é de um povo branco. No esporte é da mesma forma.. Quando você vê o Usain Bolt correndo, você considera que a Jamaica é um país majoritariamente de população preta. É mais ou menos assim a construção de imagem”, relata Silva, que nas Olimpíadas de Londres, em 2012, popularizou o Taekwondo no Brasil.
Ativismo antirrascista
“Antes de ser uma atleta, sou uma mulher negra” é um trecho de um post de Naomi em uma rede social em agosto de 2020, quando forçou o adiamento da semifinal do campeonato Western & Southern Open. Na ocasião, ela deixou uma partida em protesto contra os policiais que atiraram em Jacob Blake – atingido por quatro de sete tiros disparados em suas costas durante uma tentativa de prisão.
Em tempos marcados por protestos do movimento Black Lives Matter, após o assassinato de George Floyd, asfixiado por um policial em Mineápolis, no norte dos Estados Unidos, manifestantes marcharam pelas cidades como Tóquio, Quioto, Osaka, Nagoya e Niigata, ao longo de junho de 2021 .
“Primeiro, nós queremos mostrar solidariedade aos manifestantes nos Estados Unidos. Segundo, queremos pavimentar o caminho para discutir o racismo aqui no Japão”, definiu a ativista Sierra Todd, que organizou o protesto de Tóquio.
“Marchamos para aumentar a conscientização entre japoneses do que está acontecendo lá fora — e para acordá-los sobre o que acontece aqui dentro. Há muito tempo, há negros no Japão. Há japoneses negros nascidos no Japão. Nós existimos”, declarou a fotógrafa Ayana Wyse, uma das mobilizadoras de Kansai, ao jornal The Japan Times.
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