Indústria e a geopolítica do atraso. Por José Álvaro Cardoso

Por José Álvaro Cardoso.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou na semana passada a Pesquisa Industrial Anual (PIA) – 2019, divulgada desde 1996, que retrata de forma profunda a situação da indústria nacional. A pesquisa reitera o que já sabíamos: segue muito forte o processo de desindustrialização brasileiro. Considerando toda a indústria (transformação + extrativista), temos uma participação do PIB de 20,4%, muito menor do que já foi, inclusive no início da série histórica da pesquisa, em 1996, quando a indústria pesava 25,6% no PIB.  

Juntamente com outros dados, muito preocupantes, chama a atenção que, nas indústrias extrativas, a extração de petróleo e gás natural quase quintuplicou a mão de obra ocupada entre 2010 e 2019. Outro dado impressionante é o que o setor de petróleo brasileiro é responsável pela maior produtividade de toda a indústria.  Se tomarmos o conceito de produtividade como: a razão entre o valor da transformação industrial e a quantidade de pessoal ocupado na empresa, observaremos que, em 2019, cada trabalhador foi responsável pela adição de R$ 8,58 milhões (em média), no valor gerado. Isso representa 4.561% a mais do que a média da indústria em geral no Brasil. 

Essa produtividade da indústria de petróleo e gás, apontada pela pesquisa do IBGE, mostra a margem que o setor dispõe para geração dos empregos com melhores salários. Revela também a lucratividade e a capacidade de investimento do setor em máquinas, equipamentos e materiais de construção (chamada de formação bruta de capital fixo). Não foi por acaso que a principal motivação econômica do golpe de 2016 foi a apropriação da renda petroleira, que teria destinação para Educação e Saúde, conforme definição da Lei de partilha, que tinha sido votada em 2010. 

Também não foi por acaso que, dado o golpe, que uma das primeiras medidas encaminhadas por Michel Temer foi o fim da referida Lei. Com uma produtividade desta magnitude, muito própria do setor do petróleo, a Petrobrás era chamada, naquele período, de “nação amiga”, já que patrocinava cerca de 10% de todo o investimento em Formação Bruta de Capital Fixo (investimentos na produção) no Brasil. Em 2013, por exemplo, a Petrobrás investiu sozinha o equivalente a R$ 150 bilhões em valores atuais. Era nesse período, como extrema ironia da história, que a mídia comercial, e o senso comum, repetiam o tempo todo que a empresa estava “quebrada”. 

O setor de petróleo no Brasil ilustra com riqueza o que é ser um trabalhador de um país atrasado e dominado pelo imperialismo. O país dispõe de uma das maiores reservas de petróleo no mundo, e é um grande produtor de petróleo, com produtividade no setor, na magnitude descrita acima. Ao mesmo tempo a direção entreguista da Petrobrás está vendendo as refinarias, para tornar o país apenas um exportador de óleo cru e depender cada vez mais de importações de derivados de petróleo, principalmente dos EUA. No outro lado, quantidades crescentes da população passam fome de forma crônica. Quando a cotação do barril de petróleo aumenta internacionalmente, quem lucra não é povo pobre e negro brasileiro, e sim os almofadinhas da Bovespa e da Bolsa de Nova York.  

A situação econômica e social do Brasil e da América Latina, nos conduz diretamente para o tema da soberania nacional dos países subdesenvolvidos e periféricos. Os países subdesenvolvidos de todo o mundo têm um inimigo comum que é o Imperialismo, liderado pelos EUA. Na correlação de forças atual, nem mesmo a China consegue se desenvolver sem estabelecer acordos com o imperialismo norte-americano, nem que seja de forma tácita. A China tinha assinado, em 2015, vários acordos para investimentos no Brasil, com contrapartidas, por exemplo no comércio bilateral. Com a deposição da presidenta Dilma Roussef, a China perdeu uma porção desses negócios já acertados com o governo brasileiro, porém praticamente se calou em relação ao golpe. O mesmo ocorreu em relação aos demais golpes na América Latina. China, e também Rússia, praticamente não se manifestaram. 

Esses dois países não dispõem de poder político, econômico e militar para atuar em favor dos países latino-americanos, exceto através de algumas brechas. Por exemplo, na venda de armamentos e consultoria de guerra para a Venezuela, como fez a Rússia. Ou no envio de remédios e comida para Cuba, atitude tomada pelo mesmo país. O poder do império pode ser também avaliado pela postura dos países em relação ao bloqueio à Cuba, liderado pelos EUA. Claramente o bloqueio económico, comercial e financeiro imposto pelo Governo dos Estados Unidos da América contra o país caribenho por 60 anos, é um ato criminoso. 

Os EUA, ao não se relacionar com Cuba e proibir que países aliados o façam, inviabiliza o desenvolvimento econômico do país vizinho. O bloqueio representa uma violação absoluta e contínua dos direitos humanos de toda a população de Cuba. Ao impingir este tipo de restrição à Cuba, os Estados Unidos estão ignorando dezenas de resoluções estabelecidas pela comunidade internacional na Assembleia-Geral das Nações Unidas, cujos participantes pedem há décadas o fim do bloqueio. Mas ninguém fala nada, incluindo China e Rússia que têm políticas relativamente independentes. Ninguém quer enfrentar o império diretamente.  

 

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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