Entre 2010 e 2014, 55 milhões de abortos foram realizados ao redor do planeta e 45% desse total foram considerados inseguros, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, onde a prática é considerada crime, os dados sobre quem aborta deliberadamente e as complicações decorrentes disso são incompletos. Mas uma análise a partir de informações do Sistema Único de Saúde (SUS) permitiu aos pesquisadores lançar o alerta: mulheres negras e indígenas são as que mais morrem ao abortar no país.
Para compreender melhor a realidade dessas mulheres, pesquisadores da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro cruzaram registros públicos do SUS e traçaram o perfil daquelas que mais correm risco de morrer por falta de assistência durante o aborto. Os resultados estão na edição de fevereiro dos “Cadernos de Saúde Pública”, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Os pesquisadores coletaram e analisaram registros dos Sistemas de Informação sobre Mortalidade (SIM), Nascidos Vivos (Sinasc) e Internação Hospitalar (SIH) entre 2008 e 2015, e detectaram 200 mil internações anuais devido a procedimentos relacionados ao aborto, sendo 1.600 ocorrências por razões médicas e legais.
Vulnerabilidade
Entre 2006 e 2015 foram encontrados no SIM a soma de 770 óbitos maternos tendo como causa oficial o aborto – número que pode subir em 29% ao ano se forem considerados registros que mencionam o aborto mas apresentam outras razões de morte. Apenas 1% dos falecimentos foi por aborto realizado por razões médicas e legais, e 56,5% por aborto não especificado.
O cruzamento dos dados permitiu ainda traçar um perfil das mulheres que mais podem vir a óbito por aborto: as maiores vítimas são negras, indígenas, mulheres com baixa escolaridade, com menos de 14 anos de idade e mais de 40, que vivem nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e sem companheiro. “Esses números e o perfil das mulheres em maior risco, diretamente relacionado a condições de vulnerabilidade, evidenciam que o aborto no Brasil é um problema de saúde pública”, diz Fernanda Morena dos Santos Barbeiro Vieira, coautora do estudo.
A OMS define como aborto inseguro o procedimento realizado por pessoas sem a habilidade necessária ou em um ambiente sem padronização para procedimentos médicos – “o que segue acontecendo no Brasil, a despeito dos avanços científicos capazes de proporcionar um abortamento seguro para a mulher e uma diminuição dos custos ao sistema de saúde por complicações e mortes”, alerta a pesquisadora. Os cientistas esperam que o estudo contribua para uma mudança na legislação e nas políticas públicas dirigidas a essa população.
A prática ilegal do aborto pode levar a até três anos de detenção para a gestante e de um a quatro para o médico ou qualquer pessoa que realize o procedimento.