Por Carlos Weinman, para Desacato. info.
Quando falamos da modernidade temos em vista um conjunto enorme de transformações ocorridas nas dimensões econômicas, sociais e políticas. Esse cenário determinou a maneira de homem pensar a si mesmo e a sua organização social. O homem rompe com o medieval, com as estruturas feudais. Além disso, é importante ressaltar que, no interior dessas mudanças, encontramos uma transformação profunda na perspectiva sobre a realidade. Tal mudança é decorrente das transformações e descobertas tecnológicas.
Nesse cenário observamos a comparação do homem e da sociedade com a máquina. Aliás, tal fenômeno é muito perceptível na visão de ciência da época, na discussão sobre a legitimidade política, na organização social. Um exemplo disso encontramos em intelectuais como Descartes e Hobbes. Tais pensadores fazem uso da metáfora da máquina para explicar o universo. Aliás, a concepção de um Deus teísta substituída por uma visão deísta ocorre frente à visão de um ente divino percebido como um artífice, que ao construir a sua obra não mais intervém. Isso pode sugerir um entusiasmo quanto às transformações tecnológicas que poderiam ganhar tamanha autonomia, realizar feitos que homem ainda nem pudesse sonhar em realizar, ou seja, a máquina substituindo o homem sem nenhuma necessidade de intervenção, um sonho e uma realidade a ser buscada. Desse modo, por meio da máquina o homem se aproxima ao divino medieval. Pois , na metáfora, Deus, por ser perfeito, realiza uma obra, a qual não pode realizar nenhuma intervenção. Uma intervenção divina significaria a aceitação de sua imperfeição. Logo, a natureza, percebida como uma criação divina, passa ser considerada como mecanismo auto-regulador, capaz de corrigir seus eventuais problemas. Ela passa ser dada como uma grande máquina, perfeita e autônoma. Quanto ao homem, na condição de simples mortal, cabe buscar as regras desse mecanismo para, então, dominar a natureza e chegar ao mais próximo da condição da divindade, ou seja, tornando-se um criador, promovendo o fenômeno fantástico da criação e da descoberta.
Diante desse universo, a máquina passa a ser cada vez mais um objeto de admiração que aos poucos irá tomar um lugar definitivo nas modernas sociedades; com a sua utilização desenvolvemos novas formas de organização, de concepção de trabalho, de organização social. Aliás, os modernos fazem uma comparação da máquina com o homem. Como diz Hobbes: “não poderíamos dizer que todos os autômatos (máquinas que se movem a si mesmas por meios de molas, tal como um relógio) possuem uma vida artificial. Pois o que é o coração, senão uma mola: e os nervos, senão outras tantas cordas” [i]. Assim, a vida é comparada com o movimento mecânico. Essa visão favorece o cenário propício para o domínio do homem moderno sobre a natureza, pois, com a análise, ele poderia entender as engrenagens e com a síntese compreender todo mecanismo natural e, assim, desvelaria para si mesmo o fenômeno da vida.
A partir de então, o homem vê na máquina a sua maior inspiração e realização. Entusiasmo este que leva a pensar a si mesmo como uma máquina. Nessa perspectiva, o homem dotado de um mecanismo natural é visto como um ser capaz de construir um mecanismo artificial para sua comodidade e domínio. Todavia, na guerra entre conceitos resta saber onde encontrar o homem. Pois, está perdido no universo das engrenagens, que a modernidade vislumbrou com tanto entusiasmo. Talvez, o mecanismo possa dar lugar ao humano. Talvez esse seja um sonho contemporâneo!
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Carlos Weinman é graduado em Filosofia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (2000) com direito ao magistério em sociologia e mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (2003), pós-graduado Lato Sensu em Gestão da Comunicação pela universidade do Oeste de Santa Catarina. Atualmente é professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Tem experiência na área de Filosofia e Sociologia com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, política, cidadania, ética, moralidade, religião e direito, moralidade e liberdade.