Por Fernanda Paixão.
Pela primeira vez, o cadastro eleitoral para migrantes na capital federal de Buenos Aires é realizado de maneira automática em ano eleitoral na Argentina. De pouco mais de 20 mil migrantes cadastrados para votar na cidade, o mecanismo fez saltar para 417 mil os migrantes no cadastro eleitoral, um aumento de 2000%.
Em menos de duas semanas, no dia 12 de setembro, o termômetro sobre a participação desse novo expressivo eleitorado será revelado na eleição Primária, Aberta, Simultânea e Obrigatória (PASO).
O novo cenário se reflete no fortalecimento dos direitos políticos da população migrante que, agora, representa 16% do eleitorado na cidade de Buenos Aires. Em consequência, se reflete também em novos esforços das principais forças políticas para captar esses votos.
Por um lado, está a coalizão governista, o Frente de Todos (FdT), que, como aponta a tradição de eleições anteriores, representa uma corrente de preferência do voto migrante; e, por outro, o Juntos por el Cambio (JxC) – ou “Juntos pela Mudança”, em tradução livre.
Esta, uma coalizão de direita, carrega como histórico as políticas anti-migratórias do ex-presidente Mauricio Macri, cujo partido (Republicano) impera nas urnas portenhas há 14 anos.
A província de Buenos Aires também conta com um cadastro automático, vigente desde 2009. No entanto, um aprimoramento do sistema de automatização fez aumentar expressivamente o eleitorado migrante, em 25%. Neste ano, são cerca de 800 mil estrangeiros habitantes da província que poderão ir às urnas no próximo dia 12.
Ainda que em maior número em relação à capital federal, os migrantes representam 6,7% do eleitorado na província de Buenos Aires.
Atualmente, vivem cerca de 2 milhões de estrangeiros na Argentina, segundo o Anuário Estatístico Migratório da Argentina 2020, da Rede de Direitos Humanos do Conicet.
As nacionalidades mais predominantes são Bolívia, Peru e Paraguai. Assim como a maior parte dos habitantes nacionais, a população migrante também se concentra especialmente na cidade e na província de Buenos Aires.
A pesquisadora sobre questões migrantes, Ana Paula Penchaszadeh, que coordenou a equipe do Anuário, tem ministrado oficinas para capacitar esse novo eleitorado para participar das eleições do país, que adota o voto em papel e o sistema de listas de candidatos por partidos.
“A província e cidade de Buenos Aires concentram, juntas, 70% da população migrante do país”, pontua a pesquisadora.
“É uma força eleitoral que definitivamente muda o mapa e, além disso, o voto sempre tem uma dimensao estratégica. Isso quer dizer que quanto mais esse voto tenha peso, mais possibilidade tem de incidir na política e gerar transformações. Nenhum candidato vai contra uma minoria que pode inclinar a balança”, conclui.
“Mesmo quando a política e o processo eleitoral são temas de interesse, a burocracia dificulta que pessoas migrantes se cadastrem para participar das eleições”, pontua Cossio.
“Agora, mesmo com o cadastro automático, muitos ainda desconhecem esse direito. Com a organização, percorremos bairros populares para informar. De cada vinte pessoas que paro para conversar, apenas duas sabem que agora podem votar”, conta.
Além disso, o sociólogo destaca que a falta de construção de uma identidade de sujeito político, participante ativo dos processos institucionais e políticos do país, afasta muitas pessoas migrantes do processo eleitoral.
Alvos da xenofobia e do racismo estrutural, algo que atravessa todas as correntes políticas, os migrantes ainda não podem se eleger, o que agrava a problemática da representatividade.
“As forças políticas vão discursar a favor dos migrantes, mas, em concreto, estão distantes de conhecer e realmente poder melhorar as condições de vida dos migrantes na Argentina”, pontua Cossio.
Movimentos políticos
A corrente mais próxima da comunidade migrante, como as comunidades mais vulneráveis em geral, são os partidos de esquerda, como o Frente de Izquierda (FIT), pela realização de trabalho de base. Nas últimas eleições legislativas, em 2017, tiveram 10% dos votos migrantes na capital federal.
“É interessante observar que o eleitorado migrante não vota como os nacionais”, ressalta Pechaszadeh. “Em um distrito onde o Partido Republicano (PRO) sempre ganha, em 2017, o peronismo kirchnerista portenho teve 48% dos votos migrantes, o PRO 28% e o FIT, 10%.”
Como força política progressista de maior potência, o peronismo acaba sendo o voto estratégico também dos migrantes. Na campanha para estas eleições, o FdT tem realizado um trabalho informativo, como pontua Paula Arraigada, primeira candidata a deputada trans para a capital federal.
“É uma coerência de sustentar a nossa militância, que vem do feminismo popular. Nosso espaço político se interessa pelos migrantes não apenas pelo resultado eleitoral, mas porque focamos em atender as populações vulneráveis. Em grande medida, a necessidade das pessoas migrantes são também as da comunidade trans”, afirma, pontuando questões de moradia, documentação e participação ativa na sociedade.
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“Queremos que a população migrante esteja nos espaços de decisão. Defendemos políticas públicas para migrantes, assim como para pessoas trans, afro, faveladas, do campo, pessoas de corpos não hegemônicos”, continua Arraigada, destacando a pretensão da coalizão em lutar pela possibilidade de que migrantes também possam se eleger, futuramente.
Diante do desafio de captar os votos migrantes, o Juntos por el Cambio tem investido em campanhas nas redes sociais, na mídia e, em zonas mais pobres, têm apostado no recorrido presencial. O coordenador da campanha migrante é o deputado Claudio Romero, presidente do PRO na capital federal.
“O que temos feito é contar às pessoas migrantes tudo o que fizemos ao longo de todos esses anos. Que desde o primeiro dia que chegam à cidade podem gozar de serviços como qualquer cidadão nacional, de ensino público e sistema de saúde de excelência”, enumera. “Contamos que todos esses serviços, água, luz, não aparecem por mágica, mas estão à disposição porque há um governo presente.”
Quando perguntado sobre o desafio do partido diante da contundente rejeição da população migrante ao decreto de Macri que facilitava as exportações migrantes, o deputado afirma que a medida era necessária.
“O narcotráfico é um problema que tem entrado nos bairros populares. As pessoas de bem não deveriam ficar preocupadas, porque aqui têm a liberdade de estudar, trabalhar e ter saúde integral como indivíduo”, afirma.
Como projeto direcionado para a população migrante, Romero pontua a questão trabalhista. Pretendem facilitar a inscrição de pessoa jurídica para o trabalho autônomo e impulsionar a regularização do trabalho.
A eleição geral, que irá definir os próximos cargos legislativos em questão, será no dia 14 de novembro.