Migrantes abandonados no mar

Foto: Karolina Sobel Sea Watch AP

“E, de fato, pontualmente chegaram as notícias de naufrágios na costa de Lampedusa, onde a Guarda Costeira resgatou quem pôde em condições de mar adversas, mas em resposta às sinalizações iniciais não se seguiram intervenções imediatas, antes que a perturbação atingisse o Canal da Sicília, suspendendo até as ligações marítimas com as ilhas menores até terça-feira. Três naufrágios conhecidos até ontem. Pelo menos 44 desaparecidos e os corpos de uma mulher grávida e de uma menina lembram a imagem recente da jovem deitada de bruços na areia ao lado de sua filha, na fronteira desértica entre a Tunísia e a Líbia“, escreve Giorgia Linardi, porta-voz da Sea-Watch, em artigo publicado por La Stampa, 10-08-2023.

Eis o artigo.

O “costumeiro” massacre anunciado. Na tarde de sexta-feira, o Alarmphone sinalizava pelo menos 20 barcos em perigo e pedia urgentemente socorro em vista da prevista tempestade prestes a chegar. Durante a noite o sono foi interrompido várias vezes pelo mistral que, batendo portas e janelas, despertava o pensamento por todas aquelas pessoas à mercê do mar. E, de fato, pontualmente chegaram as notícias de naufrágios na costa de Lampedusa, onde a Guarda Costeira resgatou quem pôde em condições de mar adversas, mas em resposta às sinalizações iniciais não se seguiram intervenções imediatas, antes que a perturbação atingisse o Canal da Sicília, suspendendo até as ligações marítimas com as ilhas menores até terça-feira. Três naufrágios conhecidos até ontem. Pelo menos 44 desaparecidos e os corpos de uma mulher grávida e de uma menina lembram a imagem recente da jovem deitada de bruços na areia ao lado de sua filha, na fronteira desértica entre a Tunísia e a Líbia. Ao redor um halo molhado de suor, tudo o que lhes havia sobrado, símbolo da desidratação que as levou à morte. Buscar o mar é uma tentativa de fuga de um país que deporta para o deserto para morrer de privações no próprio suor. Esses dois pares de mães e meninas são o símbolo do destino dos migrantes negros duas semanas depois do acordo entre a Tunísia e a União Europeia, que não prevê nenhuma alternativa, pelo contrário, encoraja as rejeições.

Quem busca a segurança de ter água para beber para si e sua família morre de sede no deserto ou se afoga no mar. Enquanto isso, uma ativista que conseguiu se aproximar de um grupo de pessoas deportadas, fala de cadáveres empilhados ao lado do grupo de pessoas (ainda) vivas, encurraladas entre forças tunisianas e líbias que o impedem de se mover. “Os líbios colocam ali perto os corpos que encontram na fronteira”. Outra voz do deserto pede por atendimentos médicos: “Eles estão comendo escorpiões”. Como os refugiados aterrorizados pelas mordidas de rato nos Silos de Trieste. Condenados ao limbo da fronteira. Ontem a notícia de um quarto naufrágio. As imagens divulgadas pelo avião da Sea-Watch mostram 4 pessoas agitando os braços com sabe-se lá com que resquício de força, acenando alguns pequenos salva-vidas improvisadas que salvaram suas vidas, enquanto os outros 41 companheiros de viagem que não tinham nada em que se agarrar, ou eram demasiado pequenos ou demasiado fracos para fazê-lo, haviam afundado.

Imagine. Partir de Sfax na manhã de quinta-feira em uma casca de metal (talvez, de acordo com as reconstruções ainda em curso) sofrer o ataque de salteadores que roubam o motor, ficar à deriva e sentir aumentar o vento e mar até o barco virar, e morrer ali em meio aos arranhões de quem tenta sobreviver agarrando-se a você (é assim que funciona um naufrágio). Ou viver, agarrado a uma boia por horas, depois subir em um barco vazio, provavelmente sinal de outra infeliz travessia dos últimos dias, esperar por dias, sem água nem comida e as ondas ainda altas empurrando para a Líbia. Então, finalmente, já inesperada, a salvação. A reconstrução é confusa, os sobreviventes em estado de choque, correm o risco de uma condenação de até 30 anos por favorecer a imigração ilegal com a agravante dos 41 mortos, conforme a modificação introduzida pela lei Cutro. Também de ontem é a notícia de um resgate da ONG Louise Michel, a quem os sobreviventes contaram estar à deriva há dez dias. Quando o socorro chegou, havia várias pessoas na água: estava ocorrendo o que teria sido o quinto naufrágio conhecido desta semana.

“Contamos 161 pessoas mortas ou desaparecidas, estamos apenas na quarta-feira. E ainda há aqueles de quem nada sabemos”. Fala Tamino Böhm, chefe missão das operações aéreas da Sea-Watch. Os próximos dias não são tranquilizadores e a tripulação prepara-se para o pior. “Espero ver corpos emergirem. Receio que teremos que voltar a atribuir números aos corpos que avistamos”.

Quando perguntado “como você está se sentindo?”, responde: “A sensação é estar literalmente voando sobre um cemitério, entende?” Isso em frente às filas de guarda-sóis nas praias do Mediterrâneo, onde se ergue o arame farpado da fortaleza Europa, que, no entanto, não consegue ocultar por completo a evidência das tragédias no mar. Até hoje, continua a ser letra morta a resolução aprovada pelo Parlamento da UE que pede uma missão europeia de resgate no Mediterrâneo. As pessoas no Mediterrâneo não podem ser todas salvas, mas podemos pelo menos evitar ignorá-las, condená-las à morte, podemos e devemos fazer mais.

 


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