Meu nome é Enéas!

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Para ser vitrine de bordões ridículos e propostas vazias que ninguém presta atenção, o horário político custou cerca de R$ 840 milhões em isenções fiscais

Por Jacques Gruman.*

Segundo grupo funde cacoetes hierárquicos e moral conservadora. O resumo poderia ser o oceano de doutores, professores e pastores que assim se apresentam no horário “gratuito”. Reparem, não estão em consultórios, salas de aula ou templos, mas o título tem grande serventia. O povo, despolitizado e desinformado, replica a síndrome bacharelesca. Somos o país do “sabe com quem está falando?”. Pendurada neste desvirtuamento elitista, surge a moral conservadora. Perdi a conta dos que juram que vão “defender a família” e os “valores cristãos”. Não especificam, claro, o que é isso, mas dá para desconfiar que, eleitos, se alistarão no exército retrógrado que sufoca qualquer discussão sobre aborto, homoafetividade, pesquisas com células-tronco.

O terceiro bloco vem armado de detergente, borracha e tesoura. Muito encorpado, tem alas distribuídas pela maioria dos partidos. A Comissão de Frente anuncia: vamos apagar a História ! Quando não der, a gente corta. Logo na primeira ala, um boneco amarrado num poste. É mestre Tostão, que teve a ousadia de escrever que “hoje, na sociedade do espetáculo, cada vez é mais difícil separar o que parece e o que é”.

Candidatos a cargos executivos parecem quase todos iguais. Na propaganda, vomitam números e estatísticas. Se comportam como empresários lendo relatórios de atividades para acionistas. Tudo limpinho, filtrado, sem contradições, previsível. Polianamente previsível. Detergente na política, as questões dos “doutores” são meramente técnicas, de eficiência gerencial. No Brasil, as fronteiras ideológicas dos chamados grandes partidos são cada vez menos visíveis. Vejamos. A socialdemocracia europeia foi, na origem, uma doutrina revolucionária. Era socialdemocrata, por exemplo, o partido bolchevique. O que há em comum entre esta tradição e o PSDB, que, supostamente, carrega a socialdemocracia desde a pia batismal? Alguém acredita que Aécio Neves é um Lênin tropical? O PT, nascido das lutas populares, vestiu terno Armani no poder. Sua candidata fala em crise mundial, sem ao menos conceder que esta crise tem nome, sobrenome e circunstância histórica. Não é um raio em céu azul. Foi parida nas imensas contradições do capitalismo, modo de produção que se sente muito à vontade com a doutora e seu partido. Esconder isso do debate eleitoral mostra bem os compromissos do neopetismo. O que dizer dos socialistas? Antes de morrer, Eduardo Campos, olho gordo nas urnas, lutava para eliminar do programa do PSB os últimos traços de identidade socialista. Eram “arcaicos”. O socialismo libertário jamais poderia conviver com as interdições, de base religiosa, propostas pela candidata pessebista (nunca é chamada de socialista, o que é, a rigor, verdadeiro). Já acenou para os usineiros. Nisso, abraça Lula, que, em 2007, disse que “os usineiros estão virando heróis nacionais e mundiais”. Os dois ex-companheiros omitem as condições degradantes de trabalho em numerosas usinas, em algumas das quais há trabalho escravo. A riqueza gerada na produção de açúcar e álcool mal chega aos trabalhadores.

Houvesse seriedade e a propaganda política obrigatória desapareceria ou, pelo menos, mudaria drasticamente. Neste último caso, ao invés de produções luxuosas, pilotadas por marqueteiros regiamente remunerados, o tempo seria utilizado para duas finalidades: explicar ao povo as diferenças entre os cargos em disputa e, com distribuição equitativa de oportunidades, divulgar a base ideológica de cada partido. Assim, a gente saberia, por exemplo, por que um candidato a senador no Rio coloca em seu programa a luta pela dignidade dos portadores de deficiência. Ele, que já é deputado federal, não poderia fazer a mesma coisa na Câmara dos Deputados? Partidos invertebrados teriam enorme dificuldade para mostrar o que são. Seria uma boa aula de educação política, dentro das limitações da democracia burguesa. Sonho? Pode ser. Fico, aqui e acolá, com o poeta Mário Quintana: “Se as coisas são inatingíveis … ora! Não é motivo para não querê-las. Que tristes os caminhos, se não fora a presença mágica das estrelas”.

Foto de capa: Reprodução.

Fonte: Carta Maior

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