Meu encontro com Fernando Morais

Por Magali Moser.

Surreal. Aquela noite foi exatamente assim para mim. Finalmente chegara o dia em que Fernando Morais viria a Blumenau para autografar o livro “O Mago”. A vinda era uma promoção da Livraria Catarinense, do Shopping Neumarkt. Era dia 28 de outubro de 2008. Saí mais cedo da aula. Há dias me programava para aquele momento. Nada poderia atrapalhar meu encontro com o escritor mineiro que aprendi a admirar desde o primeiro contato com ele, na faculdade. Minhas ressalvas quanto ao recém-lançamento da biografia de Paulo Coelho não abalavam a ilimitada admiração pelo autor de tantos clássicos jornalísticos como Olga, Chatô – O Rei do Brasil, A Ilha, Na Toca dos Leões, além das inúmeras reportagens nas principais redações do país.

Fernando Morais é para mim um repórter de verdade. Exerce com competência um ofício cada vez mais rarefeito nas redações atuais. Não tem medo da entrega e do envolvimento. Basta ver o comentário de Ricardo Setti, amigo de mais de três décadas do repórter: “Fernando Morais tem sangue, nervos, vísceras e alma de repórter. Nas redações onde trabalhou, bastava vê-lo macambúzio, com cara de cachorro sem dono, para logo saber que estava momentaneamente sem alguma missão na rua”.

O currículo por si só intimida: ganhador três vezes do Prêmio Esso, quatro vezes do Prêmio Abril de Jornalismo e uma vez do Prêmio Jabuti de Jornalismo. Tudo o que leva sua assinatura costuma ter sempre muita imersão e profundidade. A competência na apuração, perícia para farejar assuntos de relevância social, sensibilidade para captar detalhes e descobrir segredos, precisão na narrativa e a capacidade que tem de envolver o leitor fazem dele um mestre absoluto.

É assim que ele descortina o sistema socialista de Cuba, consegue depoimentos reveladores na entrevista com Frei Betto, na época tido como “o frade do terror”, narra os dias de glória e desgraça do ex-presidente Fernando Collor, conta a conversa com juiz Baltasar Garzón, responsável pela prisão do ditador chileno Pinochet – para citar algumas das principais reportagens de sua carreira, reunidas no livro Cem Quilos de Ouro e outras histórias de um repórter, coletânea de 12 reportagens produzidas entre as décadas de 70 e 90 lançada em 2003 pela Companhia das Letras.

E então, eis que ele estava ali. Meu ícone das grandes reportagens, há alguns passos de mim. Na época, Morais havia sido crucificado por ter escrito a biografia de Paulo Coelho. Mas ele respondeu as críticas à altura, ao deixar claro que o trabalho do jornalista não pode ter preconceitos. Prova a máxima ao se debruçar sobre biografias de personagens controversos como Assis Chateaubriand e, mais recentemente, Antônio Carlos Magalhães, cujo livro deve ser lançado em breve. No encontro na Livraria Catarinense, lembro de ter perguntado a ele sobre a relação jornalismo X literatura, antes de posar pra foto com Morais e receber um autógrafo no livro Chatô, adquirido em um sebo anos atrás. Estava em êxtase. Mas o melhor da noite ainda me surpreenderia.

A vinda do escritor para Blumenau não atraiu muita gente. Como sempre, aquela meia dúzia de “gatos pingados”, conhecidos dos eventos culturais. Por este motivo, o evento terminou antes do previsto. Fernando Morais estava faminto e ansioso por saborear a culinária típica alemã. O convite partiu do assessor de imprensa da livraria: vamos jantar conosco? E alguns minutos depois estávamos nós, eu e uma colega da especialização, sentadas ao lado do escritor Fernando Morais, com o assessor e mais um ou dois fãs, no Restaurante Frohsinn. Somente a preocupação de não ter dinheiro para pagar a conta era maior que a alegria daquele momento! Escolhemos, eu e minha amiga, o prato mais barato do cardápio, que não era tão barato assim!

Fiquei maravilhada em ouvir as histórias de Morais. Como me impressionou o seu jeito de ser, seu senso de humor e sua memória! Ele lembrava de cada detalhe dos personagens de seus livros. Respondia às nossas perguntas com paciência e recorria sempre a fatos engraçados para narrar cada trabalho. Contou sobre suas vivências na profissão, suas experiências na terra de Fidel. Deputado por oito anos, secretário de Cultura e Educação de São Paulo, não deixou de falar também sobre seus posicionamentos políticos. O jantar deve ter durado pouco mais de duas horas. Mas foi tão mágico que permanece.

Com essa lembrança nostálgica e como fã do trabalho de Morais, fui assistir a Corações Sujos, em cartaz em Blumenau. O livro de 2001 mergulha na investigação da Shindo-Renmei, uma organização secreta formada por imigrantes japoneses que resistiam à rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial. A força da história e a intensidade dos personagens me marcaram profundamente durante a leitura da obra, na faculdade. Mas saí com a mesma impressão que tive depois de ver Olga. Embora sejam linguagens tão diferentes, nada substitui a riqueza de uma boa leitura! Ah, sobre meu encontro com Fernando Morais… terminou sem dinheiro pro táxi, mas com a certeza de que não poderia ter sido melhor.Demorei para dormir aquela noite!

Visite: http://jornalistamagalimoser.wordpress.com/

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