Mesmo na pandemia, número de mortos pela polícia é recorde. Negros são 78% das vítimas

Rio de Janeiro – Parentes de jovens mortos pela violência policial fazem manifestação em frente ao Tribunal de Justiça – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Mesmo com a pandemia impondo restrições à circulação de pessoas, a violência racista cometida pelo estado brasileiro não parou de crescer. Em 2020, o país chegou à terrível marca de 6.416 mortes causadas pelas forças policiais. Destas, 78% foram de negros e negras, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (15).

O documento também aponta para o aumento da violência policial em todo o país. Em 18, dos 27 estados, os casos de homicídio envolvendo agentes de segurança pública aumentaram. Desde 2013, quando a publicação foi lançada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o aumento no número de mortes decorrentes de intervenção policial foi de 190%.

O Rio de Janeiro continua abrigando a polícia que mais mata no país. Foram 1.245 pessoas mortas no ano passado. O alta mortalidade ocorre mesmo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir ações policiais dentro das comunidades enquanto durar a crise sanitária causada pela covid-19.

O recente massacre no Jacarezinho – operação policial mais letal da história da capital fluminense – comprova que, apesar da decisão do STF, as mortes de negros e periféricos seguem ocorrendo no Estado. Na ocasião, 28 pessoas foram mortas na manhã do dia 6 de maio.

Já o Amapá lidera o ranking de mortes por número de habitantes. Foram 13 assassinatos cometidos por policiais a cada 100 mil moradores. As mortes causadas por agentes de segurança correspondem a um terço de todos os homicídios registrados no estado da região Norte.

“Os dados trazidos pelo Anuário de Segurança Pública refletem exatamente no que nós do Movimento Negro temos afirmado durante décadas sobre a política de extermínio da população negra, em um verdadeiro genocídio, que como sabemos teve origem nos primórdios da sociedade brasileira”, afirma Edson Bonfim, dirigente movimento Quilombo Raça e Classe, no Espírito Santo, e membro do setorial negros e negras da CSP-Conlutas.

Racismo estrutural

Além do racismo institucional que existe nas corporações, é preciso denunciar o racismo estrutural que ainda assola a sociedade brasileira. Sob o governo de Jair Bolsonaro, a tendência racista agravou-se ainda mais. As péssimas condições de vida imposta a negros e negras refletem nos indicadores da violência.

A taxa de desemprego, por exemplo, sempre foi maior entre os negros do país. No entanto, em 2020, este índice atingiu seu recorde. A desocupação registrada na população negra chegou a ser 71% maior que a das pessoas brancas, segundo estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No quesito moradia, a triste realidade persiste. 7 a cada 10 brasileiros que vivem em residências com algum tipo de inadequação (ex: a ausência de banheiro exclusivo, a existência de paredes com materiais não duráveis, o número excessivo de moradores) são pretos ou pardos.

Uma das mais importantes ferramentas para mudar este cenário, a educação, também apresenta desigualdades. A taxa de analfabetismo entre negros é de 8,9%, enquanto os brancos analfabetos são 3,9%. A situação se repete nos dados sobre evasão escolar, reprovação e quantidade de tempo dedicado ao estudo.

“O processo sistêmico de segregação e consequentemente a não integração social em sociedade de classes, obviamente se encontra na população negra a maior vítima do Estado. A ascensão da extrema direita nas esferas institucionais só vem ampliando a permissividade deste etnocídio, naturalizado diante do combate à criminalidade, onde a inexistência de justiça é mais que flagrante e termina com a insensibilidade generalizada onde a vida humana não tem valor”, alerta Bonfin.

Massacre em Paraisópolis

Uma das maiores tragédias já ocorridas na periferia da cidade de São Paulo, o Massacre de Paraisópolis, foi de responsabilidade de nove policiais que atuaram na repressão ao baile funk que ocorria na comunidade, em dezembro de 2019. Nove jovens, de 14 a 23 anos, morreram pisoteados após a repressão da Polícia Militar.

O relatório que incrimina os agentes de segurança pública foi divulgado na terça-feira (13). A conclusão do delegado do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), Manoel Fernandes Soares, afasta a versão dos PMs de “legítima defesa”, que foi aceita pela Corregedoria da PM.

“As ações de segurança pública e da política de guerra as drogas é na verdade guerra aos negros e pobres. Com operações policiais e mais racismo de estado, a letalidade da polícia é muito pior para a população negra das periferias. Isso ocorre por causa do racismo sistêmico no Brasil que chegou ao nível de genocídio”, afirma Julio Condaque dirigente do Quilombo Raça e Classe e integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas.

Leia mais:

Cuba vive dias de protestos. Por Elaine Tavares.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.