Manifesto defende o combate à pobreza menstrual em Florianópolis

    Documento é resultado do 1º Seminário Online Sobre Pobreza Menstrual

    Resultado do 1º Seminário Online Sobre Pobreza Menstrual, o primeiro Manifesto Menstrual da história de Florianópolis foi divulgado na tarde desta segunda-feira (21) e alerta para a importância do combate a esse problema na capital catarinense. O documento destaca que, além da falta de recursos financeiros para a compra dos itens de higiene menstrual, fatores como a falta de saneamento básico; a carência de informações e o tabu sobre o tema; a precariedade das habitações; a vulnerabilidade social; entre outros fatores, contribuem para agravar ainda mais o problema da pobreza menstrual na cidade. 

    Realizado pelo mandato da vereadora Carla Ayres (PT) e por Úrsula Maschette, psicóloga e educadora menstrual, o 1º Seminário Online Sobre Pobreza Menstrual foi realizado no dia 29 de maio e contou com a participação de dezenas de especialistas, instituições, organizações sociais e representantes do poder público para discutir e propor soluções para o problema. Entre as constatações do Seminário e do Manifesto Menstrual, o fato de que este problema deve ser entendido de forma ampla, seja por conta do impacto social que provoca, seja pelo fato de que atinge pessoas de todas as idades, orientações sexuais e identidades de gênero.

    O 1º Seminário Online Sobre Pobreza Menstrual contou com o apoio de: Menstruando Sem Tabus, Impact Hub Floripa, ADOSC e Acontece Arte e Política LGBTI+.

    Confira abaixo a íntegra do manifesto:

    Manifesto Menstrual

    Este manifesto é resultado dos debates realizados no 1º Seminário Online Sobre Pobreza Menstrual, ocorrido dia 29 de maio, e que contou com a presença de dezenas de pessoas que compreendem a necessidade e a urgência de se combater este problema no nosso país.

    “Pobreza menstrual”, mesmo que um tema ainda pouco conhecido, em um primeiro olhar pode parecer óbvio que se trata da falta de recursos financeiros para comprar os itens de higiene necessários para conter o fluxo da menstruação, no entanto, este não é o único fator presente para definir este fenômeno. Durante o seminário, ficou claro que diversos outros fatores influenciam a vida de quem menstrua, como:

    • a falta de infraestrutura, como banheiros acessíveis e inclusivos; 

    • acesso à saneamento básico adequado e coleta de lixo;

    • a dificuldade no acesso a serviços de saúde e a medicamentos apropriados para gerenciar a saúde menstrual;

    • falta de educação de qualidade e informação de fácil acesso sobre o tema;

    • a perpetuação de mitos e tabus que acabam por segregar pessoas que menstruam e ampliam disparidades na vida social;

    • os riscos à privacidade e à segurança;

    • falta de conhecimento e acesso a diferentes tipos de produtos menstruais disponíveis, sejam eles descartáveis, reutilizáveis, de uso interno e externo, e demais tecnologias que possam ajudar no bem estar e na saúde de quem menstrua.  

    De acordo com o artigo “Aspectos emocionais e psicossociais da pobreza menstrual em ambientes com poucos recursos: um estudo qualitativo das experiências de meninas adolescentes em um assentamento informal em Nairóbi”, escrito pelas pesquisadoras Joanna Crichton, Jerry Okal, Caroline W. Kabiru e Eliya Msiyaphazi Zulu, a pobreza menstrual consistiria na “combinação de múltiplas privações práticas, materiais e também psicossociais vivenciadas pelas pessoas menstruantes. Sendo estes dois pilares a privação material e a privação psicossocial os constituintes deste conceito”.

    Infelizmente sabemos que as pessoas mais afetadas por todos os pontos mencionados, são  as que vivem em situação de maior vulnerabilidade social, como pessoas de baixa renda, em situação de cárcere e de rua. O documento resultante da lª Conferência Municipal de Habitação de Florianópolis, realizado em 2019, aponta que o déficit habitacional na capital catarinense é de 24.246 moradias para famílias que ganham de zero a três salários mínimos, 12.977 para as que ganham de três a cinco salários mínimos e 17.327 para as famílias que recebem de 5 a 10 salários mínimos, totalizando 54.550. Outro agravante para a situação da pobreza menstrual em Florianópolis é a falta de saneamento básico. Dados do Instituto Trata Brasil apontam que apenas 48% dos esgotos da capital de Santa Catarina são tratados. A Casan (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento), indica que apenas 67% da população é alcançada pela rede coletora de esgoto na capital catarinense. No entanto, devido a amplitude, complexidade e transdisciplinaridade do fenômeno da pobreza menstrual, ela não se restringe apenas às classes mais vulneráveis, ela está presente em todas as esferas sociais. 

    Este seminário representou, portanto, um primeiro passo para uma discussão mais ampla e inclusiva, em que diferentes vozes e olhares puderam estar presentes na construção desta discussão social. Foram feitas diversas contribuições sobre o tema e onde diferentes áreas de conhecimento estiveram presentes para refletir e pensar em possíveis soluções.

    O 1º Seminário Online Sobre Pobreza Menstrual, portanto, teve início com um grande compromisso de quebrar um tabu central sobre o tema: tirar a menstruação do espaço privado, do segredo e do silêncio, para iniciar uma trajetória pública, colaborativa e compartilhada. Foi  fundamental ampliar as discussões sobre a menstruação, que partindo de muitas experiências da esfera privada, puderam avançar para os espaços públicos de reflexão.

    Neste sentido, a escola se mostrou ter um papel fundamental no fomento deste debate público. As discussões sobre a menstruação não podem estar restritas a um pequeno parágrafo sobre educação sexual ou ser tratada como tema de interesse apenas das mulheres ou tema que esteja relacionado a prevenção da gestação apenas. É fundamental que toda a comunidade escolar discuta o tema da menstruação em toda a sua universalidade, fazendo com que as pessoas que menstruam possam ser acolhidas e não se sintam sozinhas ou excluídas. O debate nas escolas deve ter como objetivo o autoconhecimento e a autonomia de cada indivíduo sobre o próprio ciclo menstrual e  na escolha dos itens de higiene que lhe são mais confortáveis. Além do mais, o entendimento das pessoas sobre o ciclo menstrual pode ser um poderoso instrumento de combate aos preconceitos e de empoderamento social.

    O combate à pobreza menstrual transcende os muros escolares, ao incluir a população trans neste debate, ficou evidente que, além de sofrerem com a transfobia, esta população ainda precisa enfrentar o tabu da menstruação e as violências cotidianas nos espaços públicos e privados. É preciso que o debate sobre a pobreza menstrual tenha como foco o diálogo constante com as pessoas que estão à margem da sociedade ou que historicamente foram invisibilizadas. O diálogo com essas populações precisa ser aberto e didático. A pluralidade dos corpos que menstruam (crianças, adolescentes, adultos cis ou pessoas trans, transmasculinas e/ou não-binárias) possuem significados e vivências diversas que devem ser considerados na construção das políticas públicas que irão atender a estas populações. É fundamental que a diversidade das pessoas que menstruam participem se sua elaboração e execução a fim de promover saúde integral e bem estar nas suas especificidades.

    Para além da esfera pública, a iniciativa privada também apareceu nos debates como uma peça importante para contribuir efetivamente no combate à pobreza menstrual por meio do apoio a projetos e iniciativas de movimentos sociais que já atuam nesta direção, como coletivos que recebem doações e realizam a distribuição de absorventes em comunidades de baixa renda e escolas da rede pública. Existem, também, inúmeras organizações que carecem de incentivos para fomentar a produção de itens como bioabsorventes, que reduzem os impactos ambientais decorrentes do uso de absorventes menstruais. Entretanto, a iniciativa privada também pode agir de forma direta, promovendo debates internos, campanhas de conscientização e facilitando o acesso de trabalhadores e trabalhadoras aos itens de higiene.

    Por fim, é importante salientar que a atuação dos entes privados não exime o poder público de cumprir com suas obrigações constitucionais na promoção da igualdade de gênero e dignidade de toda população. Sendo assim, torna-se fundamental que a União reduza os impostos sobre os itens de higiene menstrual, que hoje incidem sobre estes produtos como se fossem cosméticos,  bem como, sua inclusão como item da cesta básica. Aos Estados e Municípios, compete a busca ativa de pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade, população carcerária e pessoas em situação de rua, para que possam ser beneficiadas por políticas públicas de distribuição desses itens, além de ampliar a rede de esgoto e o acesso à água potável, fundamentais para o saneamento básico. Também cabe ao poder público desenvolver políticas públicas que estimulem a informação, rompam com o tabu sobre o tema e facilitem o acesso às informações e itens de higiene menstrual.

    A pobreza menstrual não será erradicada enquanto o tema da menstruação for tratado como algo íntimo, exclusivo do universo das mulheres e da sua esfera privada. Este é um tema de saúde pública que carece de investimentos, de atenção e de vontade política para ser tratado com seriedade. As pessoas que subscrevem este Manifesto Menstrual estão dispostas a ampliar as discussões e as cobranças sobre aqueles que ainda preferem se eximir de sua responsabilidade. Essa omissão afeta milhões de pessoas no nosso país, causando dor, sofrimento e vergonha desnecessária.

    Este é apenas o primeiro passo de uma caminhada que promete ser longa, mas que a cada dia aglutina mais e mais vozes para que possamos nos fazer ouvir.

    Participaram do 1º Seminário Online Sobre Pobreza Menstrual:

    Adriana Bukowski

    Ale Mujica Rodriguez

    Aleida Cardoso Corrêa

    Alexandre Bogas

    Aline Maria Salami

    Aline Pascale

    Andressa Andrieli do Carmo

    Ana Graciela Bossle

    Ana Fornari

    Anna Carolina Clasen Anesi de Novaes Dutra Coirolo

    Camila Meneghetti

    Camile Rebeca Bruns

    Camilo Martins

    Carla Ayres

    Carlos Eduardo de Souza Martins

    Claudete Junges

    Danúbia Messias Pereira de Oliveira

    Dayane Junges de Abreu

    Endrew Maio

    Fabricio Bogas Gastaldi

    Francielly Santos

    Gabriela Gonçalves de Souza

    Gabriela Sagaz

    Janaina Hirata

    Jeane Adre

    Karoline da Silva Floriano

    Laís Santos

    Leidiane Sampaio Santos

    Leticia Fornaciari

    Lino Gabriel Nascimento dos Santos

    Luana Cavalari

    Luiza Cardoso

    Mariana Mescolotto

    Marta Rodrigues

    Maryanne Mattos

    Matheus Haddad

    Natalia Gonzaga

    Nicole Steffens Spohr

    Priscila Fernandes

    Raphaella Schreiner Santana

    Rebeca Barreto

    Silvia d’eça Neves Luz da Conceição Blasi

    Tânia Ramos

    Thaís Balistieri

    Thiago Borges

    Ursula Maschette

    Valmor Manoel Vieira Neto

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