Por Elaine Tavares.
Hoje o STF discute a constitucionalidade de um decreto (Decreto 4887 de 2003) efetuado no governo Lula sobre os quilombolas e os indígenas, que garante direitos e participação nos processo de demarcação e reconhecimento dos territórios. A tese contra o decreto é a do Marco Temporal, que determina que só as comunidades que já ocupassem territórios tradicionais no ano de 1988 teriam direito a discutir sobre a posse desses espaços.
Ora, quem conhece a história dos povos originários nesse país sabe muito bem que as etnias foram escravizadas, dizimadas ou obrigadas a fugir quando a invasão de suas terras começou em 1500.
Por aqui, no território brasileiro viviam cinco milhões de almas, que chegaram ao seu menor número na década de 1960, quando contavam apenas 160 mil. Ao longo de cinco séculos, os invasores quase lograram exterminar as nacionalidades indígenas.
Ocorre que não conseguiram. Muitas etnias resistiram e voltaram a crescer. Hoje, contam um milhão de pessoas que exigem seus territórios históricos para viver e cultivar sua cultura. Pode-se pensar que é um número pequeno, diante da totalidade de quase 200 milhões de habitantes. Mas, isso não significa que por serem poucos não devem ser respeitados no seu direito a uma terra que é legitimamente sua.
O mesmo ocorre com as comunidades quilombolas, formadas por negros que conseguiram escapar da escravidão. Há com eles, igualmente, uma dívida histórica, afinal, seus antepassados foram sequestrados de suas terras e trazidos para cá à força. Isso exige reparação. E todos estão nas terras bem antes de 1988.
Mas, para aqueles que controlam a vida no sistema capitalista de produção, não existem conceitos como justiça ou direitos. E a terra é mero espaço de especulação, mercadoria. Não estão satisfeitos em controlar quase 70% das terras agricultáveis, querem tomar também o pequeno espaço reservado aos povos originários, que ocupam cerca de 12% do território, muito dele ainda não legalizado.
Os latifundiários, que são a linha de frente do ataque ao indígenas, insistem em reclamar que há muita terra para pouco índio e a mídia comercial reverbera esse mantra, fabricando um consenso nacional. A mesma mídia não revela que o Brasil é segundo país no mundo em concentração de terra e que uma única pessoa pode ser dona de mais de um milhão de hectares de terra.
A verdade é que é que há muita terra na mão de poucos latifundiários. Praticamente 300 pessoas se apossaram de quase 70% do território. Então façam as contas:
300 têm 70% das terras
Um milhão ocupam 12% das terras.
É muita terra para pouco quem? E foram esses poucos latifundiários que tiveram agora, no governo Temer, suas dívidas perdoadas. Eles devem quase um trilhão de reais, e Temer perdoou 25% do valor, bem como eliminou 100% dos juros que incidiam sobre ela.
Alguém pode dizer: Ah, mas os latifundiários são responsáveis pela produção. Não é verdade. Quem realmente produz comida para a gente comer são os pequenos e médios produtores, cerca de 12 milhões, que ocupam perto de 20% da área agricultável do país. E é esse povo, nesse espaço pequeno de terra que produz 70% de tudo o que comemos.
Então essa conversinha de “marco temporal” nada mais é do que outro golpe dentro golpe. A ganância sem limite de um sistema que é incontrolável.
Para os povos originários e quilombolas, que hoje estão em vigília, tanto em Brasília como em todas as comunidades que se espalham pelo país, o único marco temporal possível de ser aceito é o de 1500. Seus ancestrais estavam aí, vivendo livremente, quando foram invadidos e roubados. E os negros estavam no território africano, livres.
Aos não-índios, que vieram depois, tudo o que se pode pedir é que compreendam sua história e apoiem a luta dos povos originários e dos quilombolas pelos seus territórios. Diante da magnitude do roubo que foi efetuado, diante do sequestro, o que pedem é muito pouco. Demarcação de seus territórios tradicionais, liberdade para viver em paz.
Já quanto ao STF as expectativas são sombrias, afinal, os que ali estão são defensores da classe dominante. Pouco se pode esperar de justiça. É a luta que vai determinar a vitória dos indígenas e dos quilombolas. E a luta continua.
Fonte: IELA.