10 Perguntinhas para essa joia da arte brasileira. Barcelona, 10 de agosto de 2022.
“Eu quero ser porta-voz de mim mesma”!
Dois gostos que muito aprecio. Ser sincero e descobrir coisas novas.
Semanas atrás, eu nunca havia escutado falar da Luedji. No começo, cheguei a errar seu nome uma dezena de vezes. E a boa notícia é que o problema é meu, e não dela (cujo mérito a projetou a algo melhor que a fama pela fama; graças ao seu talento e personalidade). É preciso estar atento e forte. Adoro ouvir artistas novas. E a produção, em tempos de Internet, é sensacional. Daí que o algoritmo a jogou nas redes sociais de uma grande amiga, ao meu lado. Bem de pertinho.
Do nada, as canções da Luna ocuparam, resistiram e produziram, dentro da minha casa e dentro do meu coração. Nunca mais sairão.
Durante a sua passagem por Barcelona, apareceu – graças à amiga e produtora Dani Fabiano – a possibilidade de bater um papinho com ela. No dia do show, concedeu-me essa entrevista. Potente. Direta. Arrebatadora. No alvo.
Luedji, lenta e pausadamente (ao mesmo tempo, imponente), toca no assunto das cidades europeias por onde está passando. E fala de muitas coisas. De um velho dilema, já resolvido, entre o Direito e a Arte, a sua. De como ganhar o Grammy significou um passo mais, numa velha luta – que ela bem representa. De como a compositora antecipou-se à cantora, já na adolescência. De como valoriza uma epistemologia própria de mulheres negras e do Mulherismo Africana. Vida, arte, luta… grandeza.
E, para mim, enfim, conclui com dois fortíssimos recados.
“Eu não acho imprescindível falar de racismo em entrevistas”… Mas leia, para entender bem esse por que (não tire conclusões precipitadas). De forma arrebatadora e espetacular. Tornando-me, eu, Luedjiano, quase da noite pro dia.
Por último, como a vida é ciclo, o que revelou-se Luedji Luna pra mim, abriu-me outras veredas, com suas próprias indicações de artistas que ela admira. Que melhor do que ser bem apresentado a novas artistas, por uma maravilhosa novidade?
Não esqueçam. Vivo fora do Brasil há muitos anos. E confesso que não dou conta desse recado. (Por certo, você que me lê: qual artista maravilhosa ainda me falta conhecer?)
Escuta, Flávio. Abre teu olho. Aproveita o coração aberto. Hoje mais um pouquinho, com a força dessa entrevista. E dessa mulher maravilhosa, Luedji Luna: que a novos olhos se revele.
Quem perder, perdeu.
Aliás: Fora Bolsonaro! Foi ela. E não fui (somente) eu.
Barcelona, 10 de agosto de 2022.
Flávio Carvalho – Tudo bem, Luedji? Poderíamos começar essa entrevista falando de como tem sido e quais são suas melhores expectativas para estes shows na Europa? É a sua primeira vez por algumas destas cidades, sim? Sei que você já andou por muitos lugares, como Portugal.
Luedji Luna – A expectativa tem sido a melhor. É a minha segunda turnê na Europa, passando por países onde eu não passei na primeira vez. Londres, por exemplo, foi um Feedback muito positivo, além das minhas expectativas (eu gosto muito da cena artística e dos artistas de Londres, além de tudo o que eu adoro conhecer na cidade). Os ingressos esgotados também acabaram caindo sobre as expectativas. Barcelona e a República Tcheca, por exemplo, são lugares que eu nunca havia visitado. Por isso, cada show é tão especial quanto o outro, em cada uma destas cidades e países.
FC – Que informações anteriores você já tinha sobre os lugares por onde passará nessa turnê europeia? Algo que te traz especial interesse?
LL – Em Londres, por exemplo, eu adorei trocar experiências com os artistas de lá, tentando compreender a cena musical e a própria cidade. Por isso dediquei tantas pesquisas e curiosidades para uma cidade como aquela.
FC – Como foi a sua experiência com os estudos de direito? Você vem de uma família de muita luta pela reivindicação de direitos, sim?
LL – O Direito chegou na minha vida numa idade muito tenra, de importantes escolhas vitais. Como eu vinha de uma ducação formal e de uma família de funcionários públicos, me pareceu uma boa escolha, os estudos de Direito. Porém, definitivamente, a música sempre foi o meu caminho.
FC – O que representa para uma mulher como você, pela sua história de vida, receber maior destaque pela conquista de um prêmio Grammy?
LL – A indicação ao prêmio de Melhor Álbum, no Grammy, é uma chancela. É muito sobre chancelar um lugar, um espaço de disputa. Principalmente quando se trata de mulheres negras, cantoras negras, compositoras negras. E isso, na Música Popular Brasileira, importa muito pra mim.
FC – Houve um momento em que decidiu ser não somente intérprete, mas autora das suas próprias obras?
LL – Eu já comecei autora. A composição chega antes da cantora. Eu escrevo desde a adolescência, nos meus 14 ou 15 anos. No início da minha carreira eu já compreendia que eu queria cantar as minhas próprias canções e contar as minhas próprias histórias. Eu quero ser porta-voz de mim mesma.
FC – Tem sentido alguma diferença na acolhida do seu trabalho artístico por parte do seu público no Brasil ou no exterior? Percebe a diferença no calor do público, nos espetáculos ao vivo?
LL – É interessante como nessa turnê europeia a recepção variou de uma cidade para outra. Londres foi a cidade mais quente, sem dúvida. Havia muita gente brasileira. Na República Tcheca havia mais público local e pouca participação brasileira. Em Berlim foi um público bem equilibrado, nesse sentido.
FC – Falar sobre o enfrentamento ao racismo, na sua vida, é um tema importante e imprescindível em qualquer entrevista? Por quê?
Eu gostaria que não fosse imprescindível falar de racismo. Até mesmo porque cansa. A existência de pessoas negras, artistas negras, indivíduos negros, no mundo, está para além do racismo. Ele, o racismo, é uma criação ocidental e branca. No entanto, é uma coisa que a gente tem que se debruçar; que a gente tem que lutar; que a gente tem que estar batendo nessa tecla. E apesar de a gente não haver criado o racismo, somos obrigadas a lidar com ele o tempo todo. Temos que o estar resolvendo o tempo todo. E a nossa existência deve estar para além do racismo, apesar do seu atravessamento. A gente pode falar de música, de beleza, de vida, de futuro… Eu gostaria muito de não estar falando de racismo, daqui a uns anos.
FC – Você se reconhece como feminista? Reconhece o feminismo como algo plural? Identifica-se com multiplicidades, interseccionalidades, em relação às questões feministas?
LL – Reconheço-me como feminista negra. Debruço-me sobre as feministas negras. Construo, politicamente, com mulheres negras. Porém, também faço outras leituras e estou aberta a compreender outras correntes que não são somente feministas. Mas que tem outro embasamento. Um pensamento. Uma epistemologia de mulheres negras. Como a Mulherismo Africana, por exemplo. Escuto, leio, medito, o que elas vem produzindo também.
FC – Qual a melhor notícia que você gostaria de receber sobre o Brasil, no primeiro dia que pisar no território brasileiro? Como um desejo. Pode manifestar o que quiser. O que você mais deseja.
LL – Fora Bolsonaro! Impeachment? Seria um sonho. Um sonho!
FC – Por último, sempre acabo pedindo sugestões de boas novas como a maravilha que foi, um belo dia, conhecer você e sua arte. Felicidades. Recomende-nos, por favor.
LL – Nas músicas de boas novas, além de Zudzila e seu último disco, eu gosto muito da Melly – uma cantora e compositora baiana que faz um excelente Rhythm and Blues. Também tem a Bebé Salvego, de São Paulo, com seu disco mais recente. Musicalmente, essas são as minhas indicações.
FC – Aquele abraço. Agradeço.
LL – Muito obrigada, a você.
Flávio Carvalho é sociólogo e escritor. @1flaviocarvalho (Instagram e Twitter). @quixotemacunaima (Facebook).