Lidia Gasparin: mãe, viúva e avó órfã da justiça

Por Daniel Giovanaz, do Maruim. 

Nos últimos 14 anos, ela enterrou o marido, dois filhos e uma neta: dois feminicídios e dois assassinatos sem autoria conhecida.

Há quem diga que a vida começa aos 40. Foi quando começou a tragédia de Lidia Sbardeloto Gasparin. Hoje ela tem 55 e vive só com o cachorro em uma casa simples no bairro Paraíso, zona leste de Chapecó. O nome do bairro parece piada de mau gosto. Nos últimos 14 anos, ela perdeu o marido, dois filhos e uma neta: dois feminicídios e dois assassinatos sem autoria conhecida.Três gerações devastadas pelo secretismo dos inquéritos militares, pela dúvida e pelo machismo.

O primeiro foi o soldado Flávio Gasparin, 18 anos, recém-alistado no Exército. O corpo dele foi encontrado em maio de 2002 em um alojamento no 14º Regimento de Cavalaria Mecanizada (RCMec) de São Miguel do Oeste, a 130 km de Chapecó. Um tiro de fuzil no queixo foi tudo que o comandante do regimento, coronel Luiz Felipe Carbonell, soube informar à família da vítima.

“Quando cheguei ao quartel, os laudos já estavam feitos e o corpo do meu filho, em um caixão fechado”, relembra Lidia. No mesmo dia, o regimento enviou uma nota à imprensa indicando que a hipótese mais provável era a desuicídio, mas que seria aberto um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar o que havia acontecido. “Para nós, disseram que ele havia sido morto durante uma briga ao algo assim, e que os militares mesmo iriam investigar e punir lá dentro os responsáveis”. Nenhuma informação sobre as circunstâncias do assassinato de Flávio foi divulgada à família até hoje. Segundo o jornal A Notícia, casos semelhantes haviam sido registrados no regimento de São Miguel do Oeste, e sempre sem esclarecimentos por parte dos militares.

Após quase uma década de luto, Lidia Sbardeloto Gasparin perdeu o marido Gelson, de 71 anos. Ele deixou a casa às dez da noite no dia 30 de dezembro de 2011 para jogar baralho com amigos em um bar no bairro Santo Antônio. Foi a última vez que ela o viu. “Ele tinha descoberto um câncer havia pouco tempo, e passou a ter uma vida desregrada”, conforme o relato da viúva. “Saía quase todos os dias, voltava de madrugada. Mas, naquele dia, não voltou mais”.

O carro de Gelson, um Escort azul, foi localizado pela Polícia Civil capotado em um barranco a 10 metros do acesso Florenal Ribeiro, rodovia que liga a SC-480 ao Aeroporto Serafim Bertaso. O que parecia um acidente automobilístico foi logo desmentido pela polícia: um dos sapatos da vítima estava no pé; o outro, fora do carro, ao lado da estrada. Além disso, havia sangue e vestígios de agressão no local?—?inclusive marcas de dedos no pescoço, sugerindo uma asfixia mecânica. Segundo os peritos que estudaram as lesões, Gelson foi agredido por vários minutos e, em seguida, o carro foi empurrado barranco abaixo para simular um acidente. Assim como na morte de Flávio, as investigações não avançaram na busca por suspeitos, e a família jamais soube por que Gelson foi assassinado.

A filha e a neta, ao menos, Lidia sabe quem matou. O bombeiro militar Elias de Souza era réu confesso: um duplo feminicídio tratado pela Justiça como crime passional. Ex-companheiro de Ana Paula Gasparin, ele era descrito como uma pessoa machista, e não suportava a ideia da separação. No dia 8 de fevereiro de 2014, o bombeiro invadiu a casa onde as duas moravam e disparou dez tiros?—?quatro em Ana Paula, de 28 anos, e seis na enteada Eduarda, de apenas 14. As duas jovens estavam acostumadas às ameaças de agressão, mas não ousavam denunciá-lo por medo: ele estava autorizado pela corporação a portar arma de fogo.

Elias telefonou para Lidia logo após o crime. Disse que ex-companheira tinha ido “para o mesmo lugar do Gelson”. Além de informar sobre os disparos, fez novas ameaças, a ela e aos dois filhos que restaram. “Eu, sozinha, recolhi os miolos das duas”, soluça a mulher entre lágrimas. “Revivo a mesma cenatodos os dias”. O assassino se entregou dois dias depois à Delegacia de Proteção a Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI), e hoje cumpre pena no Presídio Regional de Chapecó.

Lidia Gasparin cumpre pena em casa, entre a solidão e os porta-retratos de suas meninas. Padece viva à espera de respostas que não vão aliviar sua dor.

Um a cada dez homicídios registrados no mundo ocorre no Brasil.

Cerca de 5.700 brasileiras morrem todos os anos por causas violentas.

SC contabilizou 45.434 casos de ameaça contra mulheres em 2015.

Somente 8% dos homicídios dolosos resultam em inquéritos oficiais.

Foto: Reprodução/mpgo.mp.br
Fonte: Maruim

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