“Liberal solidário” quer liderar oposição a Maduro e critica Corina/González por falta de projeto

Em entrevista, Antonio Ecarri defende propostas para educação e acrescenta que, na Venezuela, “oposição foi transformada em negócio”

Antonio Ecarri. Foto: Vanessa Martina-Silva

Por Vanessa Martina-Silva, de Caracas.

Um dos nove candidatos de oposição à presidência da Venezuela, Antonio Ecarri Angola tem uma longa trajetória na política venezuelana. Vem de uma família de classe média alta, com tradição na direita do país. Nas eleições regionais de 2021, foi candidato a prefeito do município Libertador de Caracas. Terminou o processo em segundo lugar, atrás da candidata chavista, consolidando-se como a segunda maior força na capital.

Seu pai foi embaixador do “governo interino” de Juan Guaidó na Espanha, de 2019 a 2023. Antonio José Ecarri é deputado suplente da Assembleia Nacional pelo partido Acción Democrática (AD), do qual chegou a ser vice-presidente.

Já Antonio Ecarri passou por diversos partidos políticos, como Primero Justicia, Proyecto Venezuela e Copei, até fundar seu próprio movimento político, a Aliança del Lápiz, pelo qual disputa hoje a vaga no Palácio de Miraflores. Apesar da trajetória e da concretude de propostas (o que não se vê em outros setores opositores), é invisibilizado pela imprensa dentro e fora do país.

Advogado de formação e com amplo conhecimento da história venezuelana, Ecarri se classifica como liberal, mas faz uma distinção entre si e a oposição encabeçada atualmente por Marina Corina Machado, da Plataforma da Unidade Democrática (PUD), que tem na figura de Edmundo González um candidato tampão. “Sou da tradição alemã, mais relacionado com a social-democracia cristã”, diz ele.

Além disso, ele destaca também: “nós queremos derrotar o presidente Nicolás Maduro. Eles querem derrubá-lo”. Em espanhol, se diz derrotar e derrocar. “É apenas uma letra, mas faz toda a diferença”. Isso porque a oposição, agora com Corina e anteriormente com Juan Guaidó, Leopoldo López e Enrique Capriles, sempre defendeu a abstenção da população nas eleições e buscou aplicar um golpe de Estado no país para eliminar o chavismo. Essa ideia não é compartilhada por Ecarri, cujo projeto político é construir a alternativa de centro para o país.

“O esforço que estamos fazendo é precisamente para despolarizar a Venezuela. Na medida em que o centro se sair bem-posicionado nas eleições de domingo (28), a Venezuela será mais ou menos estável. Não somos uma candidatura de papelão, fictícia”, diz, se referindo à sua invisibilização pela imprensa. Dirigindo-se ao auditório, neste momento vazio, mas que esteva lotado momento antes, ressalta: “Veja: todos esses que estão aqui são dirigentes de setores populares, de favelas caraquenhas apoiando minha candidatura”.

Ecarri encerrou sua campanha no domingo (21), no estado de Arágua. Na última quarta-feira (24), um dia antes do término das campanhas eleitorais, convocou uma entrevista coletiva de imprensa e, diante de um auditório lotado de apoiadores, avaliou a trajetória até ali e reiterou a denúncia do comportamento violento da PUD de Corina que, no último final de semana, protagonizou a tentativa de assassinato de um de seus candidatos. Leia aqui.Leia aqui.

Em entrevista exclusiva, Ecarri fala de suas diferenças e concordâncias com o chavismo, se diz bolivariano, defende a integração latino-americana, detalha sua visão econômica para o país e culpa o governo venezuelano no exterior (de Juan Guaidó) de sabotar sua candidatura e, como opositor, tece diversas críticas à gestão de Maduro, mas pondera que manteria alguns de seus ministros. Acompanhe a entrevista:

Vanessa Martina-Silva: Candidato, você tem uma longa trajetória na política venezuelana. Como e por que decidiu se candidatar agora?

Antonio Ecarri: Tenho mais de 18 anos presidindo a fundação de Arturo Uslar Pietri, que me fez ser não apenas político, mas também estudioso de diversas áreas como comunicação, economia, política, petróleo, política salarial, política monetária, literatura, cultura e integração latino-americana. Uslar foi um dos políticos mais complexos, abrangendo muitas áreas. Essa responsabilidade me fez conhecer muito a Venezuela e especialmente o venezuelano.

Somos uma nação muito frágil. A venezuelanidade se consolida com a chegada da indústria petrolífera. A classe política na Venezuela tem sido muito superficial. Não me identifico com nenhum dos extremos deste país. A quarta república criou muitas desigualdades sociais, que tiveram uma resposta chamada Hugo Chávez. Na oposição, há muita discriminação, um problema cultural.

Em meio a todas as rivalidades, ignorância, superficialidade e discriminação, decidi promover uma mudança. A nova Venezuela surgiu a partir do apagão da indústria petrolífera em 2018.

Já em 2002 tivemos uma crise na indústria petroleira…

Nunca acompanhei o PSUV nem Hugo Chávez. Não gostava das suas práticas, mas reconheço que eles tinham uma liderança e um sentimento muito marcado nas pessoas, resultado de um processo social. O chavismo é consequência de um processo social, e isso é inegável.

Em 2010, percebi que havia uma realidade nos setores populares, as grandes maiorias, que eram muito dependentes do Estado. Devido à corrupção na PDVSA, a economia de um país que vivia de um único produto desmoronou. 96% das divisas da Venezuela desapareceram por duas causas: a péssima gestão e corrupção na PDVSA, e as sanções buscadas pela oposição para derrubar Maduro. As sanções foram fortalecidas pela resolução do governo de Donald Trump, fechando completamente as transações da PDVSA.

A Venezuela, que tinha os maiores índices de crescimento nos anos 1950, 60 e 70, se transformou na nação mais pobre do continente. Isso nunca aconteceu na história do mundo, nem com a Segunda Guerra Mundial. Minhas diferenças fundamentais com a oposição e o governo me levam a entender que surge um novo venezuelano, um empreendedor que não depende do Estado para viver. Esse novo venezuelano é alguém que migra para a Colômbia, Brasil e outras partes do mundo, empreendendo e trabalhando.

Essa cultura de empreendedorismo é passada pela migração venezuelana para aqueles que ficaram aqui. O Estado venezuelano morreu, e isso não foi entendido pela classe política venezuelana.

E esta não é uma eleição como qualquer outra? Por quê?

Não, não é uma eleição como qualquer outra, porque está carregada de consequências sociais e econômicas muito graves. Ou seja, esta é a primeira eleição onde está presente um venezuelano traumatizado. E isso tem consequências imprevisíveis. Por isso me angustia tanto o resultado de domingo.

Então, está me dizendo que você se apresenta agora porque não está de acordo com práticas da oposição. De fora, a ideia que temos é de que são eleições polarizadas e que há apenas duas possibilidades. Eu gostaria que esclarecesse um pouco mais em que este movimento Lápis se diferencia da PUD.

Bem, primeiro porque nós temos um plano de governo, eles não. A verdade é que, na Venezuela, o esforço que estamos fazendo é para despolarizar o país. Nosso esforço é para criar um motor central na Venezuela. O que estabiliza um país é que haja um centro político estável. Lula ganhou porque se associou com alguém, porque também precisava do centro. A Venezuela precisa do centro. Na medida em que o centro sair bem posicionado nas eleições de domingo, a Venezuela será mais estável. Não somos uma candidatura de papelão, não somos fictícios. Veja, todos esses que estão aqui são dirigentes de setores populares, de favelas caraquenhas.

Hoje temos um grande sucesso. Somos a primeira opção do PSUV depois de Maduro e a primeira opção do eleitor da PUD depois de González. Eu não sei quantos votos vou conseguir no domingo, mas qualquer voto vai me surpreender. O que é incrível é que já consegui que os dois extremos do país vejam nossa opção com simpatia e respeito.

Quais são as propostas que vocês têm?

Veja, a proposta central é a educação. Por isso o lápis é nossa marca, além de ser inspirado em modelos como a economia social de mercado, onde o estado intervém para corrigir as falhas do mercado. Temos uma política chamada “Nova Venezuela”, inspirada nas novas condições em que se encontra o país.

Sobre a educação, o que você pensa: deve ser pública, privada?

Primeiro, uma educação completamente transformada, porque a educação que temos é a mesma. Na América Latina temos uma grande batalha entre a educação e as gangues criminosas. Ou os jovens vão para a criminalidade ou para a educação. Na Venezuela, a educação está apagada e é muito ruim. Isso gera desigualdades sociais terríveis. As diferenças sociais que estão surgindo na Venezuela hoje são muito graves porque não temos uma educação pública inclusiva.

Acredito muito na educação pública oficial. Sou de centro, com políticas de esquerda e de direita. Sou liberal solidário, com influências da social-democracia e da democracia cristã. Nosso plano tem quatro vertentes importantes: investimento, educação, produção e emprego. E isso para todos os setores da economia nacional.

Fale mais sobre isso…

A Venezuela precisa de muito investimento. A infraestrutura venezuelana tem 40 anos de atraso e precisamos de cerca de 300 bilhões de dólares para modernizá-la. Isso não pode ser feito apenas pelo setor público; é preciso envolver o setor privado. Mas ninguém vai investir na Venezuela se estivermos nos atacando. Por isso a necessidade do centro político. Depois, a educação, porque é preciso ter capital humano que acompanha o investimento.

E quando há produção, há uma economia produtiva e bons empregos. Mover todo esse ciclo é muito importante. O empreendedorismo é crucial. A Venezuela é o segundo país do mundo em empreendedorismo, mas o primeiro em fracassos de empreendedorismo, pela falta de educação e capacitação.

As pessoas estão compreendendo e apoiando suas propostas?

Nossa grande batalha é contra o desconhecimento e o voto útil. Como sou uma figura nova na política nacional, meus níveis de desconhecimento eram muito altos. O voto útil me tira mais de 11 pontos de intenção de voto, pois as pessoas votam para impedir que outro ganhe. Minha luta é contra o voto útil, chamando ao voto ético, convencendo os venezuelanos de que isso é um problema de convicções, não de divisões. Se o centro político se estabilizar e se fortalecer na Venezuela, as questões serão outras. Tenho o número de Nicolás Maduro e de María Corina Machado no meu telefone, e posso falar com qualquer um.

Mas as tensões aumentaram na campanha, como no caso de Inacio da Costa, que foi isolado, mas muito ruim. Ele sofreu uma tentativa de assassinato por um militante do Voluntad Popular, de Leopoldo López. O agressor o chamava de traidor, fruto do radicalismo e extremismo que vê qualquer um que não esteja com ele como traidor.

Na Venezuela há dirigentes opositores que estimulam o ódio, como Leopoldo López, que se tornou um obstáculo para a democracia.

Você também denunciou que existe uma campanha vinda de fora, ou seja, do governo, claro.

Eu lutei contra dois orçamentos: o do Estado e o dos recursos das contas bloqueadas da Venezuela no exterior, controladas por Primero Justiça e pela Voluntad Popular, de Leopoldo López. Minha campanha foi muito limitada e austera. Não há um outdoor meu em nenhum lugar, nem banners ou adesivos em quantidade suficiente. Tivemos uma campanha muito austera porque não conto com os recursos do Banco Central da Venezuela, nem das contas bloqueadas dos ativos da Venezuela no exterior.

Bem, algo que está muito demarcado na oposição venezuelana é o tema da fraude. Ou seja, “vai haver uma fraude”, diz a oposição. Você acredita no sistema eleitoral venezuelano, na democracia venezuelana?

Eu acredito nos meus fiscais eleitorais. Eu acredito que a oposição tem 20 anos confundindo os venezuelanos. Os papéis estão invertidos: o governo faz algo todos os dias para ver se ele sai, e a oposição faz algo todos os dias para ver se ele fica. A oposição estimulou a abstenção durante muitos anos, e alguns transformaram a oposição em um negócio, viajando pelo mundo, tirando proveito.

Voltando à questão, você acredita na democracia venezuelana?

Tenho que acreditar, porque a democracia, veja bem, não se constrói de repente. A democracia não chega de repente. A democracia se faz todos os dias. Quando faço democracia? Quando me inscrevo nas eleições, aceito as regras do jogo e vou me contentar sabendo que o governo vai tentar abusar. O PSUV é uma máquina de abusos em campanha eleitoral, mas a oposição também, porque te chantageiam, te atacam, montam campanhas internacionais.

Eu vou contrastar o resultado do Conselho Nacional Eleitoral com o resultado que meus fiscais tiverem por atas enviadas. Haverá fraude? Se esses resultados não se parecem com as atas que tenho em mãos, vou dizer que esses resultados não correspondem. Mas se corresponderem às minhas atas, mesmo que digam que houve fraude, eu vou reconhecer as eleições. E se eu ganhar as eleições, mais ainda.

E como você vê a economia? Gostaria de aprofundar um pouco mais nisso.

Estamos vivendo em um Estado zumbi, resultado de uma economia dependente do petróleo. Hoje, temos uma das menores economias da América Latina, com salários muito precários. Os EUA intervieram na economia venezuelana, violando nossa soberania. Não concordo com as sanções, mas Maduro também tem sanções internas, como uma agressividade tributária que impede o florescimento da economia. A Venezuela precisa de uma economia mais livre e solidária, permitindo que o dólar circule livremente.

Pedi a Maduro que voltasse ao esquema de dolarização que ele mesmo reconheceu como eficaz. Nossos portos estão em ruínas, mas têm condições geográficas extraordinárias que deveriam ser úteis para o Mercosul. Sou partidário dos BRICS e da integração latino-americana. Acredito na integração Venezuela-Brasil e sonho com um porto binacional em Punta Barima, conectando o rio Orinoco, o rio Amazonas e o rio Caroní, melhorando nossa circulação marítima.

Concordo com a visão de Hugo Chávez de olhar para o Sul e sou muito bolivariano, inspirado nas palavras do Libertador no congresso anfictiônico do Panamá. Acredito na integração dos povos da América Latina e apoio os BRICS. Não apoio a atitude de Milei, que está prejudicando a integração latino-americana. Ele e eu temos ideologias diferentes; ele é anarco-capitalista, enquanto eu sou ordoliberal.

O presidente deve ser o promotor dos investimentos, exportações e do mercado venezuelano, não apenas passear por Caracas. Vou promover nossa economia globalmente, sem me isolar de nenhuma parte do mundo. A Venezuela será um centro de intercâmbio social, econômico, cultural e educativo.

Como você vê esse tema de integração? Sobretudo a Alba e a Petrocaribe?

No caso da Alba e Petrocaribe, há muitas coisas a revisar, pois a Venezuela já não é o país de Hugo Chávez. Todos esses acordos são de privilégio e crédito para a venda de petróleo, mas eu não tenho mais produção para oferecer.

Tanto a Alba quanto o Petrocaribe podem ser mantidos, pois qualquer instância de integração é boa. No entanto, não posso ter as mesmas condições, porque não temos mais a produção de petróleo suficiente.

Estamos estagnados em 900 mil barris, mal chegamos a um milhão, devido às sanções e à má administração da Petróleos de Venezuela. Quero formar um governo de unidade nacional e, para isso, ratificaria o alto comando militar, apesar das críticas e também algumas pessoas do gabinete econômico.

E a doença holandesa, da dependência do Petróleo, como pensa resolver?

Aqui eu chamo de câncer holandês.

É possível uma Venezuela desenvolvida?

Sim, claro. Baseado nas potencialidades que temos. Não somos apenas uma potência petrolífera. Levar uma economia petrolífera a ser uma economia não petrolífera é o primeiro objetivo. Somos um país muito rico, mas um país pobre rico, porque temos reservas de petróleo extraordinárias.

Precisamos de uma nova política petrolífera, aberta aos investimentos privados. A PDVSA não tem como aumentar a produção de petróleo. É preciso buscar acordos com empresas privadas e ajustar os percentuais de acordo com o tipo de petróleo. Ter uma política uniforme em um negócio desigual não é rentável. A Venezuela precisa se abrir a esses investimentos.

O Estado na Venezuela é zumbi porque onde aparece, assusta. Em hospitais, escolas públicas, seguridade social, arrecadação de impostos e barreiras policiais, o Estado aterroriza. Precisamos reformar o Estado para que seja eficiente no que precisa ser.

Só para encerrar, como você vê a Venezuela na segunda-feira? Será um dia como qualquer outro ou não? Ou acordaremos na segunda e teremos, como estão dizendo, um banho de sangue?

Não, não me parece isso. Tomara que na segunda-feira tenhamos um banho de esperança para os venezuelanos. É isso que eu aposto, que na Venezuela haja um banho de esperança na segunda-feira. E repito, dependerá também da força que possamos ter no centro, que é o que acalma as águas na Venezuela. Na medida em que sejamos mais fortes, promoveremos esse equilíbrio. Acredito muito na maturidade e na seriedade. O extremismo é muito ruidoso e há pessoas interessadas em que as eleições na Venezuela sejam um fracasso para continuarem administrando o dinheiro da Venezuela no exterior. Isso é gravíssimo.

 

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