Lembranças de Páscoa

Por Urda Alice Klueger.

(Para Laura Alice Klueger)

                                    Faz cerca de um quarto de século. Preparávamo-nos com grande antecedência, com semanas de planejamento, para que tudo saísse perfeito. Um campista, naquela altura, tinha que ser autossuficiente, pois ainda não era o tempo em que existiam os restaurantes de comida pronta e nem campings com cozinhas comunitárias e geladeiras. Então, tínhamos que levar tudo, desde colchões, roupa de cama, mesas, banquinhos, fogareiros, panela elétrica, caixas de isopor com gelo, comidas e louças, sem contar as enormes barracas de lona, que seriam armadas a partir de fortes tubos de metal, e essas barracas davam tal volume que ocupavam como que meio carro! No meio de tudo, muito bem acondicionados e escondidos, os ovos de Páscoa, tanto as casquinhas recheadas de amendoim, quanto Coelhinhos e ovinhos de chocolate (ainda não era o tempo dos grandes ovos de chocolates dos supermercados), fora os bombons cala-a-boca, feitos pela Fábrica de Balas Pfeiffer, aqui em Blumenau, e envolvidos individualmente em colorido papel celofane picotado!

                                   Sempre já era outono, mas às vezes ainda era quente, e levávamos biquínis, vestidinhos e outras roupas assim para encarar a boa temperatura e aproveitar banhos de mar e banhos de sol. O ar fino e translúcido era estonteante e o mundo parecia perfeito, e acampávamos em Balneário Camboriú, que tinha um grande, imenso camping na Barra Sul, dando para a praia e para o rio, um dos lugares que naquela época eu mais gostava no mundo e onde a gente não encontrava a Farra do Boi, e que se foi embora debaixo de ruas calçadas e da especulação imobiliária.

                                   Íamos com diversas barracas, diversas pessoas, mas havia uma rainhazinha para todo aquele aparato, para toda aquela movimentação e preparativos: Laura, nossa menina Laura, pequerrucha que parecia feita de maçã e de ouro, a inteligência como um estandarte , toda a fantasia e imaginação que uma criança pode ter a envolvê-la como se ela estivesse dentro de uma nuvem de tons suaves e cambiantes.

                                   Como éramos felizes naqueles dias de Páscoa lá no camping de Camboriú! Brincávamos com Laura pelo camping e pela praia; íamos com ela olhar o rio e os mistérios que poderiam haver atrás de cada árvore, de cada moita, e de tardinha o Coelho fazia suas primeiras investidas pelo camping. De repente, como se tivesse surgido do nada, lá no meio da grama ou detrás de um arbusto havia casquinhas de Páscoa, quem sabe um ovinho de chocolate… Encantada, surpresa, nossa menina ia correndo buscar aqueles produtos da magia, os grandes olhos azuis arregalados de pasmo, e ela me olhava enquanto me mostrava aquelas coisas e me dizia num suspiro:

                                   – Uva! – (que era como me chamava).

                                   Ao redor da mesinha, esticadas em cadeiras de praia, tomávamos nossos cuba-libres enquanto aproveitávamos as últimas benesses do clima e imaginávamos a surpresa seguinte que faríamos àquela menina que era o nosso grande amor. Íamos para o camping na quinta-feira, e o ápice era na manhã de Páscoa, no domingo, quando por todos os lados havia casquinhas, cala-a-boca e chocolates escondidos, e Laura não sabia como fazer para dar conta de recolher tudo, enchendo diversas cestas daquelas guloseimas mágicas que vinham do mundo encantado onde morava o Coelho. Até a avó Minervina ia junto, algumas vezes, sem contar com a querida Dona Maria Geiser, que então já se aproximava dos oitenta anos, creio.

                                   Depois, um dia o camping já não existia mais e Laura foi embora da minha vida irremediavelmente, e o meu coração verteu tanto sangue que não sei como se sobrevive a coisas assim.

                                   Por sorte, restaram as Páscoas, e outras crianças para fazer a Páscoa, e esta coisa preciosa que eu tenho, chamada Literatura, que me permite lembrar assim, neste tempo de abril.

                                   Feliz Páscoa da tua Uva, minha pequena!

                                               Blumenau, 04 de Abril de 2012.

Urda Alice Klueger é escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR.

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