Laqueadura: fim da autorização obrigatória do marido traz esperança para mulheres negras

O Projeto de Lei aprovado no Senado ainda prevê redução de 25 para 21 anos da idade mínima para solicitar o procedimento

Reprodução/Internet

Por Caroline Nunes e Nadine Nascimento, para Alma Preta Jornalismo.

“Quando vi a notícia eu finalmente me senti dona do meu corpo porque estou tentando há meses e só dando com a cara na porta”. É o que diz a ajudante de costura Aline Machado, de 21 anos, mãe de quatro filhos, a respeito da decisão do Senado Federal sobre o procedimento de laqueadura.

Na última semana, o plenário aprovou o projeto de lei (PL 1941/2022) que reduz para 21 anos a idade para a realização de laqueadura sem a necessidade de autorização do cônjuge. As mudanças podem representar um maior acesso das mulheres negras à laqueadura, pois segundo dados do Sistema de Informação Hospitalar (SIH-SUS), a realização do procedimento havia caído pela metade entre 2019 e 2021.

Os dados ainda apontam que, em 2019, o SUS realizou 39.917 cirurgias. Já em 2021, o número caiu para 20.837. Além disso, as mulheres negras que procuraram o procedimento (2.804) é quase o triplo de mulheres brancas (990).

Oriunda de uma família religiosa cristã, o companheiro de Aline é contra o procedimento cirúrgico, com a afirmação de que a laqueadura “é ir contra a vontade de Deus”. A ajudante de costura, no entanto, pontua que para o homem essa decisão é mais fácil do que para as mulheres, em especial, para mulheres negras.

“Assim que fiz 18 anos eu casei, por conta da igreja. Daí fui engravidando, um atrás do outro. Tentei por um tempo tomar anticoncepcional escondido, mas meu marido acabou descobrindo e levou esse assunto até a direção da igreja, que me repreendeu. Para ele é fácil querer mais filhos, ele já está fazendo faculdade e tudo mais, enquanto eu tenho um tanto de criança pra cuidar”, relata.

Como conseguir?

O projeto de lei aprovado na semana passada exige uma antecedência de 60 dias da comunicação sobre o desejo de se fazer a laqueadura ou vasectomia. A relatora, Nilda Gondim (MDB-PB), ressaltou que a permissão para a laqueadura logo após o parto vai reduzir riscos cirúrgicos para as mulheres. Já Oriovisto Guimarães (Pode-PR) destacou o prazo de 30 dias para o SUS oferecer métodos contraceptivos. O projeto segue para a sanção presidencial.

Para conseguir o direito à laqueadura, a mulher deve procurar a unidade básica de saúde mais próxima e manifestar o desejo de realizar o procedimento. Ela então será encaminhada para uma ou mais reuniões sobre planejamento familiar e também será orientada sobre outros métodos contraceptivos, de acordo com informações do Ministério da Saúde.

Depois, será ouvida por uma equipe composta por psicóloga, médicos e assistente social. Neste momento, por meio de perguntas e muita conversa, as mulheres serão indagadas sobre o desejo de realizar a laqueadura, pois muitas vezes a mulher não sabe que o procedimento é um método irreversível.

Por isso, existe um tempo determinado pela lei denominado “tempo de reflexão”, período de 60 dias em que ela dá o aval para a cirurgia, assina a papelada necessária e começa os trâmites de encaminhamento para o hospital de referência. A laqueadura só deve ser marcada após esse período; se ela quiser desistir nesse meio tempo, ela tem direito.

Planejamento familiar é fundamental

A babá Renata Augusta dos Santos, de 53 anos, explica que o procedimento é simples e o tempo de internação para mulheres que passaram pela laqueadura é de 24h se não houver nenhuma complicação. Mãe de cinco filhos, ela conta à Alma Preta Jornalismo que conseguiu realizar a cirurgia pelo SUS de maneira bastante prática.

“O processo todo foi bem tranquilo. Eu consegui pelo SUS quando tinha 28 anos e deu tudo certo. Para as mulheres que querem fazer a laqueadura eu dou o conselho de realizar o planejamento familiar na Unidade Básica de Saúde”, comenta.

Renata conta ainda que por já ser separada do ex-companheiro quando realizou a laqueadura, uma vizinha serviu de testemunha dela e assinou os papéis junto à UBS para que ela pudesse fazer a cirurgia. “Na época, a pessoa sendo casada, o marido tinha que autorizar”, diz.

Para Aline Machado, não precisar mais da autorização do companheiro representa uma vitória das mulheres. Ela afirma que se sente mais confiante com a notícia de que o projeto de lei agora só aguarda sanção presidencial para entrar em vigor.

“Para nós, mulheres negras, tudo já é tão difícil. Alguma coisa tem que ser fácil. Eu acho que a laqueadura tinha que ser muito mais simples, mas já começou a andar e isso é bom. No final das contas, o filho é só da mãe, então ela é quem decide se quer ou não mais filhos”, finaliza.

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