Por Nara Lacerda.
O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região (São Paulo) revogou, nessa quarta-feira (8), uma decisão liminar do próprio órgão que determinava que as empresas de entrega em domicílio Rappi e iFood garantissem remuneração mínima a trabalhadores obrigados a se afastar ao serem diagnosticados com covid-19.
A medida revogada determinava que o pagamento seguisse a média do que o trabalhador ganhou nos quinze dias anteriores ao afastamento, não podendo ser menor que o salário mínimo (R$ 1.045,00).
Em resposta a uma ação coletiva do Ministério Público do Trabalho, o juiz plantonista do TRT da 2ª Região, Elízio Luiz Perez, expediu, no último domingo (5), a primeira decisão, favorável aos trabalhadores. Contudo, após mandado de segurança expedido pelas empresas, a desembargadora Dóris Ribeiro Prina, também do TRT da 2ª Região, decidiu pelo efeito suspensivo da ação nessa quarta (8). Na justificativa, Prina destacou não haver vínculo de trabalho entre os aplicativos e os entregadores.
A determinação anterior do juiz atendia prestadores de serviço com suspeita de contaminação, que fazem parte dos grupos de risco ou que precisam estar presentes em casa para acompanhar familiares, crianças, idosos ou deficientes, por exemplo. Além disso, as empresas digitais e os estabelecimentos que usam as plataformas ficariam responsáveis por fornecer aos entregadores material de proteção e higiene, orientações detalhadas de combate à pandemia e encaminhamento ao serviço médico disponível, caso fossem identificados sintomas mais graves da doença.
Entre as medidas determinadas para os aplicativos estavam o fornecimento gratuito de álcool em gel e a designação de espaços para a higienização de veículos e acessórios. Eles também teriam que incluir nas páginas iniciais de suas plataformas vídeos informativos destinados aos trabalhadores, aos fornecedores e aos consumidores. Os estabelecimentos ficariam responsáveis por disponibilizar espaço seguro para a retirada das mercadorias e orientação sobre o processo de entrega, de modo que haja o mínimo contato direto possível entre entregador e consumidor.
A advogada trabalhista e sindical Lara Lorena Ferreira, membro da executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, explica que a decisão tem muito peso para o debate da proteção ao trabalhador, pois não trata diretamente do vínculo trabalhista, mas sim das responsabilidades das empresas digitais.
“Nós tivemos uma recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho que não reconheceu um vínculo de trabalho de um trabalhador da Uber. Essa decisão do Tribunal Regional, embora seja de primeira instância, é muito interessante no sentido de não estar tratando de vínculo, mas de responsabilidade da empresa sobre a saúde e a segurança do trabalhador. É um direito social de todo trabalhador, está no artigo sétimo da constituição. Não só é uma medida protetiva nesse caso, como também é voltada para uma redução do risco de contaminação. Ele está tratando de não excluir a empresa dessa responsabilidade”.
A advogada considera que, nos últimos dez anos, o Brasil vem sofrendo retrocessos na garantia dos direitos trabalhistas, mas que é preciso lembrar que o Brasil é signatário de convenções internacionais que protegem os trabalhadores. Ela avalia que a prestação de serviços por meio das plataformas digitais é fruto da crescente desregulamentação, da falta de proteção e da falta de alternativas. Segundo a especialista, a legislação brasileira não regulamenta esse tipo de relação de trabalho e os prestadores de serviço estão totalmente desprotegidos.
::Em dois anos, reforma na CLT não freou desemprego e piorou a vida do trabalhador::
“A lei da terceirização abriu portas para essa desregulamentação e para uma falta de proteção de uma parte dos trabalhadores e a mudança na CLT foi uma pedra de cal na retirada dos direitos de muitos trabalhadores e uma forma de deslegitimar a proteção coletiva dos sindicatos. Essa forma de relação de trabalho se encontra no Brasil absolutamente desprotegida. Ela não encontra nenhuma regulamentação que proteja esse trabalhador em situações tanto de segurança e saúde, como de falta de assistência na Justiça do trabalho”.
As empresas
O Ministério Público do Trabalho relatou que já havia entrado em contato com as duas empresas, mas nenhuma delas prestou informações sobre medidas que garantam a segurança dos trabalhadores. O juiz ressaltou na decisão que as empresas alegavam que os prestadores de serviço não são seus empregados, mas que, mesmo assim, vêm desempenhando medidas para evitar o contágio de covid-19.” Para o magistrado, no entanto, as alegações não são compatíveis com a gravidade da situação.
“É de amplo e notório conhecimento que os prestadores de serviços à ré permanecem atuando, nesse período de isolamento social, sem insumos e efetiva orientação técnica específica contra a doença”, considera.
A reportagem entrou em contato com os aplicativos, mas só obteve resposta da Rappi. A empresa explicou que estabeleceu protocolos de segurança e comunicação sob orientação de uma infectologista brasileira. Entre as medidas está o estabelecimento de entregas sem contato, aquisição de álcool em gel e máscaras para os trabalhadores, sistema de notificação ao aplicativo caso o trabalhador apresente sintomas e criação de um fundo de apoio financeiro aos entregadores que sejam obrigados a cumprir quarentena por apresentarem sintomas ou terem a confirmação da doença.
Edição: Camila Maciel