Por Manoel Ramires.
A decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região, de São Paulo, sobre as demissões dos profissionais da Editora Abril reacendeu o debate sobre os limites da reforma trabalhista. Ao encerrar abruptamente o contrato de trabalho de cerca de 800 empregados, sem negociação com o sindicato, a empresa tentou justificar a sua decisão no novo texto da Consolidação das Leis Trabalho (CLT), o art. 477-A introduzido pela Lei 13.467/2017, que em tese dispensa a “autorização prévia” do sindicato. Na interpretação da Abril, não há necessidade de “permissão”. Contudo, na interpretação do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT2), a reforma trabalhista não é suficiente para excluir a necessidade negociação coletiva. Decisões semelhantes já foram tomadas pelo Tribunal Superior do Trabalho.
O argumento da Abril é de que o artigo 477-A da reforma trabalhista 2017 afirma que “as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017)”.
Para o juiz do trabalho, Eduardo José Mattiota, “a dispensa de número vultoso de trabalhadores, sem prévia e justa negociação com o sindicato da categoria e, mais grave ainda, sem saldar as verbas rescisórias, inegavelmente causa grave problema social no âmbito em que a empresa está situada”.
De acordo com o advogado Christian Marcello Mañas, a tese defendida pelo magistrado é de que os impactos da demissão coletiva podem ser diminuídos ou revertidos justamente com a negociação entre patrões e entidade sindical. Ou seja, a questão vai muito além de apenas homologar uma rescisão individual de trabalho.
A necessidade de mediação pela entidade sindical, inclusive, foi um dos argumentos utilizados pelo escritório Sidnei Machado Advogados Associados quando o jornal Gazeta do Povo promoveu o desligamento de 18 profissionais jornalistas de forma escalonada. Na defesa, se observou que as dispensas violam específica cláusula de Convenção Coletiva de Trabalho que condiciona, para a licitude das dispensas, à observância que prevê critérios objetivos preferenciais e procedimentos prévios para a ruptura contratual.
A Convenção Coletiva de Trabalho (2017-2018) dos jornalistas do Paraná prevê na cláusula vigésima, nos critérios para dispensa, que deve ser observado:
- a) Inicialmente, os empregados que, consultados previamente, prefiram a dispensa;
- b) Após, os empregados beneficiados com aposentadoria definitiva pela Previdência Social ou por alguma forma de Previdência Privada;
- c) Finalmente, os empregados com menor tempo de casa e, entre estes, os solteiros, os de menor faixa etária, e os de menores encargos familiares.
“Assim como no caso da Editora Abril, as demissões no Paraná, mesmo que escalonadas, se configuraram como “dispensas coletivas” e, nessa hipótese, para a sua licitude, estavam de igual modo condicionadas à prévia negociação sindical, na forma do critério jurisprudencial delimitado pela atual jurisprudência do TST, ao interpretar o texto Constitucional”, esclarece Christian Mañas.
A tese do TST é de que a dispensa coletiva, diferentemente da dispensa individual, não é um direito potestativo do empregador, não existindo na ordem jurídica previsão para que ato de tamanho impacto seja realizado arbitrariamente e de maneira estritamente individual.
“A ordem constitucional e infraconstitucional democrática brasileira, desde a Constituição de 1988 e diplomas internacionais ratificados (Convenções OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente), não permite o manejo meramente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas”, esclarece o ministro Maurício Godinho, em sessão que discutiu dissídios coletivos, em 10 de agosto de 2009.
Permissão x negociação
Embora o artigo 477-A afirme que as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas não necessitem de autorização prévia de entidade sindical, isso não significa carta branca para demitir trabalhadores sem qualquer tipo de justificação. A premissa atual da jurisprudência do TST assegura ao sindicato o papel central como ator da negociação com relação à demissão.
A dispensa coletiva sofreu significativa evolução na jurisprudência do TST a partir do “caso Embraer”, julgado na Corte em 2009. Ao analisar a dispensa promovida pela empresa Embraer, o TST fixou entendimento de que é obrigatória a negociação coletiva prévia com a entidade sindical, para assentar a ementa da decisão que “[…] fica fixada, por interpretação da ordem jurídica, a premissa de que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores” (TST-SDC- RODC 309-2009-000-015-00-4; Min. Rel. Mauricio Godinho Delgado; acórdão publicado no DJU 04.09.2009).
Já no caso Amsted-Maxion, a desembargadora Ivani Contini Bramante, do TRT da 2.ª região, reforçou a necessidade da adoção de critérios para a dispensa e que elas passam pela negociação. “Assim, a despedida coletiva não é proibida, mas está sujeita ao procedimento de negociação coletiva. Portanto, a dispensa coletiva deve ser justificada, apoiada em motivos comprovados, de natureza técnica e econômicos e, ainda, deve ser bilateral, precedida de negociação coletiva com o Sindicato, mediante adoção de critérios objetivos”, decidiu Ivani Contini Bramante..
Função social da propriedade
Outro caso que sustenta a necessidade de negociação foi apreciado pelo Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR) no processo 36852-2015.013.09.00-7, em uma ação civil pública contra o Bradesco que adquiriu o HSBC.
“A Seção de Dissídios Coletivos do TST já firmou entendimento pela imprescindibilidade de prévia negociação coletiva com entidade sindical dos trabalhadores para legitimidade da dispensa em massa de empregados (precedente RODC 30900-12.2009.5.15.0000, DEJT 04/09/2009). Conclui-se, portanto, ser inadmissível a despedida em massa de trabalhadores sem negociação prévia com o sindicato profissional, sendo necessário que se adotem certas cautelas, de modo a conciliar o direito potestativo do empregador com o seu dever de promover a função social da propriedade e o bem-estar social”.