“Estado de direito está se transformando em policial, tendo em conta que soluções para os nossos problemas são dadas tão-somente pelo direito penal”, afirma a Associação Juízes para a Democracia
Por Helder Lima, da RBA publicado 23/03/2016 18:37
Rovena Rosa/ Agência Brasil
Agentes da Polícia Federal chegam à sede da Odebrecht durante a 23ª etapa da Operação Lava Jato
São Paulo – O presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD), André Augusto Salvador Bezerra Bezerra, disse hoje (23) que, diante do desequilíbrio de poderes, o país está à beira de uma crise institucional. “Em primeiro lugar, estamos vendo o crescimento da ação policial, na verdade, o Estado de direito está se transformando em um estado policial, tendo em conta que soluções para os nossos problemas são dadas tão-somente por meio do direito penal. Problemas estruturais, históricos, como a corrupção, por exemplo, são vistos como solucionáveis apenas pelo direito penal, o que implica muitas vezes supressão de garantias de liberdades públicas, que são conquistas civilizatórias do país”.
O processo de impeachment, em andamento na Câmara Federal também agrava o risco de uma crise institucional, segundo o juiz. “Eu não tenho dúvida nenhuma que o impeachment aprofunda a crise, porque você vai ter um presidente da República que está no poder com uma legitimidade no mínimo duvidosa. Temo muito por isso”, afirma. Ele diz também que o maior problema ocorre porque há “um acordo parlamentar entre determinados grupos políticos, e a vontade popular pode ser ignorada”.
Bezerra analisa que a planilha com nomes de 200 políticos e 18 partidos apreendida na 23ª fase da Operação Lava Jato, em fevereiro, pode aprofundar a crise política no país, se as autoridades concluírem que os pagamentos foram ilícitos. A lista foi divulgada ontem (22) pelo juiz Sérgio Moro e hoje teve seu sigilo restabelecido, em mais uma ação para incendiar a crise política.
“Se isso se confirmar, a gente afunda mais na direção de uma crise institucional, sem dúvida, porque o que parece é que temos uma crise em relação aos agentes políticos em geral, parlamentares, a presidência”, afirma . “Há uma crise geral decorrente de fatos como o dessa planilha. O que a gente espera é que soluções para esse problema se deem na forma democrática, na forma aberta, e não por desvios dentro do Estado de direito, não corrompendo o Estado de direito”, diz.
STF
O presidente da AJD também diz que o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) é não perder de vista o resguardo da Constituição, já que algumas críticas têm sido feitas a essa instância, seja porque o ministro Gilmar Mendes impediu a posse de Lula para a Casa Civil, ou porque ontem (22) o ministro Teori Zavascki determinou que as investigações sobre Lula na Lava Jato sejam remetidas ao STF. “O que se espera é que quando não há serenidade entre os poderes eleitos pelo povo, o guardião da Constituição aja. É justamente para isso que ele existe”, afirma Bezerra sobre o STF. “É nessa hora que ele tem de mostrar sua importância, é nessa hora que tem de mostrar sua coragem, e enfim mostrar a que veio perante a Constituição”, defende.
Sobre a decisão de Mendes, o presidente da AJD diz que o ideal seriam decisões colegiadas e não monocráticas. “Não sei se dá pra seguir o ideal ou não, mas o ideal é que essas decisões fossem colegiadas, com uma discussão mais ampla, mas isso estou falando no plano ideal, porque pode haver circunstâncias específicas que realmente ensejem uma situação de urgência com as decisões monocráticas.”
Bezerra também critica a Operação Lava Jato. “Parece que tudo se resolve com prisão, com escutas, com conduções coercitivas. Isso é uma crença falsa, na medida em que o direito penal por excelência é seletivo. Ele age sobre determinadas pessoas, não existe lugar no mundo em que todas as pessoas que cometem crime sejam presas. Ou punidas; isso não existe em lugar nenhum no mundo. O temor é esse, que se pense que o direito penal vai solucionar alguma coisa. Ele não vai solucionar nada. Pelo contrário, ele pode até agravar.”
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